“Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão.” Se assim é numa família pequena, imagine-se num dos clãs mais poderosos do país. A queda dos Espírito Santo foi precipitada pela crise financeira, más decisões administrativas e tentativas de manter a fortuna existente. Mas a falta de união entre os familiares foi o principal sinal de que um dos grupos mais ricos de Portugal estava prestes a colapsar.
Para perceber as guerras familiares é necessário entender o que esteve na origem das mesmas. O Grupo Espírito Santo (GES) era composto por cerca de 400 empresas, geridas por três holdings: a Espírito Santo International (ESI), a Rioforte e a Espírito Santo Financial Group (ESFG).
Esta última era a principal acionista do Banco Espírito Santo (BES) – o negócio financeiro primordial da família. Com a crise financeira de 2008, a banca europeia começou a impor regras mais apertadas no que dizia respeito à gestão dos bancos. Para continuar a injetar dinheiro no banco sem perder o lugar como principal acionista do BES, a família Espírito Santo recorre às holdings existentes, deixando-as cada vez mais endividadas. As holdings deixam de pagar as dívidas – a PT, por exemplo, não recebeu quase 900 milhões de euros de um empréstimo ao GES – e as contas do grupo descambam.
As dificuldades financeiras começam a dividir a família. O conselho superior do GES, criado nos anos 80, era composto por representantes dos cinco ramos do clã: quatro da família Espírito Santo e um da família de Mário Mosqueira do Amaral, homem de confiança dos Espírito Santo e que ajudou o grupo a recuperar após o 25 de Abril – o BES foi nacionalizado e vários membros da família foram levados para a prisão de Caxias.
Numa reunião do conselho superior do grupo, em novembro de 2013, são discutidos os pedidos de prestação de contas do GES feitos por José Maria Ricciardi. Ricardo Salgado dá um murro na mesa e exige um voto de confiança na sua gestão, pedido que Ricciardi ignorou. Estava aberta a guerra.
Para além das quezílias familiares, a gestão financeira acabou por deixar o grupo numa situação insustentável. “O grupo a-ca-bou. E eu não tenho forma de o recuperar, não tenho”, afirmou Ricardo Salgado numa das últimas reuniões do conselho superior. As reuniões e todo o processo foram descritas em detalhe no livro “As Conversas Secretas do Clã Espírito Santo”, da jornalista Sílvia Caneco.
Seis dias depois deste anúncio é conhecida a medida de resolução que dividiria o BES em banco bom (Novo Banco) e banco mau. A família separa-se. Ninguém quer ser visto com Ricardo Salgado, o rosto da queda do império. No entanto, é José Maria Ricciardi quem continua a ser visto como traidor, por não ter apoiado os seus. Só o pai, António Ricciardi, continua a dirigir–lhe a palavra.
Guerras na Justiça
Ao mesmo tempo que lida com o colapso financeiro e a degradação de um nome que há tantos anos comandava a vida económica e social portuguesa, a família Espírito Santo tem ainda de enfrentar os processos judiciais. Em julho de 2014, no pico do caos no GES, Ricardo Salgado foi detido e constituído arguido no âmbito da Operação Monte Branco, por suspeitas que incidiam sobretudo nas transferências de 14 milhões de euros feitas pelo construtor José Guilherme para sociedades offshore de Salgado. Na altura, a PGR aplicou “as medidas de coação de sujeição a caução, no montante de 3 milhões de euros, proibição de ausência do território nacional e proibição de contactos com determinadas pessoas”.
Um ano depois, Salgado voltou a ser detido, desta vez no âmbito da investigação do caso do universo BES. Ficou obrigado a permanência na habitação, de onde só pode sair com autorização do juiz. Na altura bastou a afetação de metade da caução do caso Monte Branco a esta investigação para permitir a sua libertação da prisão domiciliária. O Ministério Público reduziu a metade o valor exigido neste último processo – de três para 1,5 milhões de euros.
Não foi apenas Ricardo Salgado que sofreu as consequências desta última investigação: na altura, a Polícia Judiciária arrestou mais de 500 bens da família Espírito Santo. Moradias de luxo, empreendimentos turísticos, a Herdade da Comporta e até a capela junto à casa de Salgado foram alguns dos imóveis confiscados.
Também José Maria Ricciardi enfrentou a justiça. Em causa, o trabalho de assessoria que o Banco Espírito Santo Investimento prestou às empresas chinesas China Three Gorges e State Grid – empresas que passaram a controlar a EDP e a REN. A revista “Sábado” noticiou, na altura, que as suspeitas de alegadas irregularidades nos processos de privatização nasceram no processo Monte Branco, estando estas relacionadas com crimes de fraude fiscal qualificada, abuso de informação, tráfico de influência e violação de segredo.