Citado pelo Diário de Notícias, Passos declarou que o essencial do programa deste governo é destruir as reformas feitas pelo seu executivo, quando, no seu entender, o governo devia estar a fazer mais reformas para atrair os investidores (leia-se, mais privatizações e despedimentos mais facilitados; nesta última parte tem alguma razão, pois antes do seu governo Portugal era o país da OCDE onde era mais dispendioso despedir um funcionário com 20 anos de serviço).
Mas, na minha opinião, Passos tem um trauma que dificilmente ultrapassará: o de, tendo sido o líder do partido que teve mais votos nas últimas eleições legislativas, não ser de novo o primeiro-ministro. Passos declarou que a legitimidade do governo é “apenas” parlamentar e não eleitoral. Vai aqui uma enorme confusão na sua cabeça, parecendo que ele não compreende bem a essência do nosso regime democrático.
Em primeiro lugar, porque os partidos que apoiavam o seu governo, o PSD e o CDS, perderam as maiorias parlamentar e a dos votos. Em segundo lugar, porque BE e PCP, juntos, tiveram quase um milhão de votos, e esses votos estão agora a fazer ouvir a sua voz. Num regime em que o governo depende de uma maioria parlamentar, não há nada de estranho, ilegítimo ou imoral que assim seja. Apenas Passos parece ainda não ter percebido isso, trazendo de novo esse assunto à baila quase um ano e meio após as legislativas.
O governo de Passos não foi um desastre completo, mas falhou todas as metas orçamentais, impôs uma austeridade brutal, e privatizou praticamente tudo o que havia para privatizar. Foi, nas palavras, salvo erro, de Manuel Alegre, o governo mais direitista de Portugal desde o 25 de abril.
E a maioria dos eleitores voltou-lhe as costas, escolhendo Costa para primeiro-ministro. Com este governo, pelo menos as metas orçamentais parecem estar a ser cumpridas (no primeiro ano), o desemprego está a descer, e a austeridade não é a estratégia. Em Portugal, em 2017, respira-se melhor do que em 2015.