O Ministério da Educação lançou o processo para o concurso de seleção dos novos delegados regionais do Centro, Algarve e Alentejo, na quarta-feira passada. O concurso ainda não arrancou e os critérios de seleção ainda não são conhecidos mas, o i sabe que os três delegados regionais, que se mantiveram no cargo mesmo depois da anulação do concurso anterior – que aconteceu a 19 de Novembro de 2015 – estão, desde já, em vantagem para o resultado final do concurso. Recorde-se que o anterior processo foi anulado por se concluir que beneficiou os escolhidos, uma situação que levou até à saída do ex-diretor Geral dos Estabelecimentos Escolares.
Fonte conhecedora do processo explicou ao i que ao ter em conta a experiência acumulada pelos atuais delegados que ocupam ilegalmente o cargo, o concurso está novamente enviesado. Outra fonte esclarece mesmo que o concurso poderá estar a ser desenhado à medida destes delegados, uma vez que os critérios de seleção dos candidatos e os pré-requisitos exigidos para o concurso – que o Ministério da Educação ainda não publicou na Bolsa de Emprego Público – vão privilegiar os candidatos que já tenham exercido cargos semelhantes. Ou seja, vão ao encontro das habilitações de Cristina Oliveira (delegada regional do Centro), de Francisco Marques (delegado regional do Algarve) e de Manuel Barroso (delegado regional do Alentejo).
Contactado pelo i, o Ministério da Educação assume que o tempo de serviço dos três delegados regionais, mesmo durante o período em que estão ilegais no cargo, será contabilizado para efeitos do concurso. “O exercício efetivo de funções é, nos termos da lei, contabilizado neste tipo de concursos”, diz a tutela de Tiago Brandão Rodrigues.
O lançamento do processo para selecionar novos delegados regionais foi publicado em Diário da República (DR), com data de 18 de janeiro de 2016 – no mesmo dia em que o i confrontou por email, novamente, o ministério sobre as ilegalidades do concurso.
Os avisos em DR foram assinados um ano e dois meses depois de a tutela de Margarida Mano ter anulado o anterior concurso, que aconteceu ainda durante a era de Nuno Crato. O concurso anterior foi anulado pouco depois de o i ter publicado várias irregularidades relativas à escolha dos novos delegados.
Agora, o novo procedimento concursal só será aberto formalmente após publicação na Bolsa de Emprego Público (BEP), segundo os avisos publicados em DR. “Faz-se público que se encontra aberto, pelo prazo de 10 dias úteis, a contar do 1º dia de publicitação da vaga na BEP”, lê-se nos avisos. Terá de ser publicado também na BEP “os requisitos formais de provimento, do perfil exigido, da composição do júri e métodos de seleção” dos candidatos. O que, até sexta-feira passada, ainda não tinha acontecido.
Ilegais há nove meses
Os delegados regionais Cristina Oliveira, Francisco Marques e Manuel Barroso estão em funções de forma ilegal há nove meses. Isto porque, após a anulação do concurso anterior, estes dirigentes continuaram em funções, através de nomeação em regime de substituição, além do prazo máximo determinado por lei para este tipo de situações.
Foram nomeados em regime de substituição a 17 de Dezembro de 2015, quando a lei impede que todos os dirigentes da Função Pública se mantenham neste regime por mais de 90 dias úteis, caso não seja aberto o procedimento concursal, no entretanto.
Segundo o artigo 27.º do Estatuto do Pessoal Dirigente dos Serviços e Organismos da Administração Pública os cargos ocupados em regime de substituição cessam “na data em que o titular retome funções ou passados 90 dias sobre a data da vacatura do lugar, salvo se estiver em curso procedimento tendente à designação de novo titular”.
E este foi mesmo o argumento usado em fevereiro por Tiago Brandão Rodrigues quando disse ao i que a “lei prevê a abertura de concurso no prazo de 90 dias a partir da data de nomeação em substituição”. Na altura, a tutela garantiu que atuaria no “escrupuloso cumprimento da lei”. Mas, o prazo dos 90 dias terminou em abril de 2016, e desde então que os dirigentes não tinham condições legais para se terem mantido em funções.
Além disso, desde abril que a tutela também deixou de ter base legal para pagar o salário aos três delegados regionais, que de acordo com as tabelas em vigor ascende aos 2.987,25 euros mensais a que se somam 311 euros para despesas de representação. E caso a Inspeção Geral das Finanças assim o entenda pode exigir a devolução dos salários pagos durante estes nove meses. Questionado sobre a devolução dos salários, o Ministério da Educação entende que “não só o regime de substituição não se traduz no exercício ilegal de funções, como o salário é devido pelo exercício efetivo de funções”.
Justificação do ministério
Garantir o arranque de um ano letivo “tranquilo” é a justificação dada pelo Ministério da Educação quando questionado sobre a decisão de manter os delegados regionais nos cargos de forma ilegal.
Ora, o concurso foi anulado a 19 de novembro de 2015. Sete dias antes de Tiago Brandão Rodrigues ter tomado posse como ministro da Educação. E o primeiro ano letivo lançado pela atual equipa ministerial arrancou entre 9 e 15 de setembro de 2016 – nove meses depois de o ministro ter assumido os comandos na 5 de Outubro e de o concurso ter sido anulado.
No entanto, a tutela defende que a atual equipa tomou posse já com o anterior ano letivo a decorrer e que, por isso, optou por “manter as equipas que estavam já preparadas para fazer esse trabalho”. Sobre a possibilidade de recorrer a outros dirigentes, já em funções nas delegações regionais, para substituir os delegados selecionados de forma irregular a tutela apenas diz que “não existem, nas delegações regionais ou em qualquer outro serviço, quadros dirigentes ou não dirigentes a aguardarem uma nomeação” e que, acrescenta, “todos os interessados submetem-se aos procedimentos destinados ao efeito de seleção”.
Ilegalidades do anterior concurso
Foram várias as ilegalidades detetadas no anterior concurso público. Uma delas era que o antigo diretor geral da Direção Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGeSTE), José Alberto Duarte – que também presidiu ao júri que nomeou os três delegados regionais – partilhava casa com o candidato mais bem classificado para a direção regional do Algarve. Tratava-se de Eduardo Fernandes, o chefe de gabinete do ex-secretário de Estado da Administração Escolar, João Casanova de Almeida, que tinha a tutela da DGeSTE. A notícia foi avançada pelo i em fevereiro de 2014, e na altura em que se apresentou a concurso, Eduardo Fernandes ainda estava em funções na secretaria de Estado. A noticia levou à desistência imediata de Eduardo Fernandes.
Mais tarde, alguns dos candidatos excluídos do concurso apresentaram queixa junto do Provedor de Justiça que concordou com as críticas apontadas aos métodos de avaliação, prazos e ainda a constituição do júri.
Sobre este ponto, a provedora-adjunta Helena Vera-Cruz Pinto escreveu no ofício enviado ao Ministério da Educação e Ciência que nenhum dos membros do júri foi “designado por estabelecimento de ensino de nível superior”, como determina a lei: “Os membros do júri não foram selecionados pelas instituições de ensino superior, mas sim pela entidade promotora do concurso que, tirando proveito das ligações destes dirigentes com o meio académico, assim acaba por reunir um júri plenamente constituído por titulares de cargos dirigentes de órgãos ou serviços do ministério”.
Um outro detalhe que merece críticas é o facto de, após a apresentação das candidaturas, em janeiro, ter sido redefinida a “escala e classificação da entrevista pública”. Frisa-se ainda o caso de candidatos que foram afastados do procedimento sem serem sujeitos a um “método de seleção que a lei considerou de aplicação obrigatória”, como a entrevista pública.
O concurso acabou por ser anulado pela equipa da ex-ministra Margarida Mano em vésperas de deixar o Executivo e o diretor geral da DGeSTE foi afastado em janeiro de 2016, já com a equipa de Tiago Brandão Rodrigues. Só agora foram tomadas as primeiras medidas para abrir novo concurso.