O Presidente Marcelo não pode usar a Presidência para celebrar as suas vitórias pessoais

A entrevista de Marcelo Rebelo de Sousa à SIC foi a primeira do novo Presidente da República, que assinala a sua eleição no ano transacto. 

1.A entrevista de Marcelo Rebelo de Sousa à SIC foi a primeira do novo Presidente da República, que assinala a sua eleição no ano transacto. Em rigor, não é (como alguns comentadores, por lapso, referem) o aniversário do primeiro ano de Marcelo em exercício de funções: esse só se completará no dia 9 de Março.

2.Aliás, é até caricato que se faça tanta festa em torno do aniversário de uma eleição – e que o Presidente da República promova essa festa com jantares e almoços, confundindo a pessoa do candidato presidencial com o titular do cargo Presidente da República.

O primeiro pode regozijar-se com a sua vitória eleitoral sem e apesar dos partidos políticos (mesmo sabendo que afinal havia uma estrutura!); o segundo só pode estar preocupado com os vários problemas de Portugal e dos portugueses – e no compromisso firme de empenho máximo na sua resolução.

3. Dois factos insólitos mas que os media portugueses adoram: Marcelo Rebelo de Sousa convidou os responsáveis pela sua campanha para um jantar ontem, enviando um convite do Gabinete da Presidência República, mas apresentando-se  como “Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa” (e não como Presidente da República), apesar de o jantar se realizar em espaço da Presidência da República.

 Por outro lado, o almoço com os restantes candidatos presidenciais, derrotados, no dia 24 de Janeiro do ano passado também é algo estranho. Então o Presidente da República eleito, e em exercício de funções, comemora o aniversário da eleição (que diabo: é apenas um ano! Ainda não é um facto histórico grandioso da Pátria!), convidando os restantes candidatos para um almoço no Palácio de Belém? Para quê?

 Para recordar um facto histórico…que ocorreu há um ano? Para mostrar que Marcelo é tão consensual, tão positivo para a moral de Portugal, tão bom a descrispar que até os seus opositores se renderam ao seu estilo de Presidência? Que hoje nem sequer os seus opositores ousariam enfrentá-lo?

4.Tudo bem que o cidadão Marcelo Rebelo de Sousa poderia convidar os seus mandatários distritais e coordenadores de campanha para jantar. Tudo bem que o cidadão Marcelo Rebelo de Sousa poderia convidar os seus adversários políticos de há um ano para almoçar. O cidadão Marcelo Rebelo de Sousa poderia fazer isto tudo – já o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa não.

4.1.Porque devem as instalações do Estado, afectas à Presidência da República, servir para um jantar do candidato Marcelo? Isto é uma confusão total entre a esfera pública e a esfera privada do cidadão Marcelo! Marcelo tem que perceber que uma realidade é a sua qualidade de Presidente da República – outra (bem diferente!) é a sua qualidade de cidadão. Por muito que custe a Marcelo, Portugal é uma República – não uma monarquia.  

4.2.Por exemplo, podemos parecer um pouco “botas de elástico”, contudo confessamos a nossa incredulidade por ver no site institucional da Presidência da República uma conversa, via skype, entre Marcelo e Marisa Matias em que basicamente a eurodeputada pede, durante três minutos, desculpa por não comparecer  no almoço comemorativo da campanha eleitoral de há um ano!

Com o pormenor delicioso de Marcelo perguntar “ então, Marisa, o que tem feito” – ao que a eurodeputada responde prontamente”olhe, estive ali à conversa com os egípcios”. O que tem isto que ver com o exercício das funções presidenciais? Não percebemos.

5.Por nós, não abandonamos a nossa posição de princípio – nunca utilizar recursos públicos, instalações públicas – ou seja, o dinheiro dos contribuintes – para celebrações privadas. Comemorar a vitória numa eleição não é um facto com relevância pública, a não ser que seja um episódio já marcante da História nacional.

 Julgamos mesmo que é inédito um Presidente da República comemorar publicamente o aniversário da sua eleição (1 ano, por amor de Deus!) no Palácio de Belém – e no site institucional da Presidência da República!

6.Interrogamo-nos: se isto é assim para comemorar o primeiro aniversário da eleição, como será a comemoração do segundo, do terceiro e do quarto ano? Marcelo vai mandar vir elefantes de África para desfilar do Terreiro do Paço até ao Palácio de Belém?

7.Se até Sampaio da Nóvoa e Marisa Matias estão rendidos a Marcelo, significa que o Presidente fez muito pouco politicamente: é impossível um político com convicções e consequente nos seus princípios e valores agradar a toda a gente, desde a extrema-esquerda até à direita mais arreigada…

É uma impossibilidade lógica: significa que Marcelo tem sido puramente o Presidente dos Afectos. E quem não gosta de afectos? O problema é que Portugal não está em condições de viver só de afectos…Nem o clima de instabilidade latente e de sustentabilidade financeira por um fio é propício a festas de comemoração de vitórias eleitorais…

8. Sobre o conteúdo das entrevista que Marcelo Rebelo Sousa deu esta semana – à SIC e ao “DN”, respectivamente – falaremos em próxima prosa.

joaolemosesteves@gmail.com