«Podíamos apresentar um candidato ou uma candidata assim mais engraçadinha, seria fácil aumentar votação». A frase é de Jerónimo de Sousa, no rescaldo das eleições presidenciais, em janeiro do ano passado. O secretário-geral do PCP referia-se à candidata do Bloco de Esquerda, Marisa Matias. Mas basta recuar dois anos para o mesmo argumento poder ser utilizado contra (ou a favor) os comunistas, quando escolheram João Ferreira para encabeçar a lista da CDU às eleições europeias. É um dado objetivo: João Ferreira é um sucesso entre as mulheres (e homens também).
Doutorado em ecologia, o recém-anunciado candidato da CDU a Lisboa começou a dar nas vistas cedo. Chegou ao Parlamento Europeu (PE) como deputado em 2009, juntamente com Ilda Figueiredo – mandato renovado em 2014. Em 2012 torna-se membro do Comité Central do PCP e cerca de um ano depois fica como vereador da Câmara Municipal de Lisboa, depois de ter sido candidato – cabeça de lista – também pela CDU.
Antes de chegar às lides políticas, exerceu diversos cargos ligados à Faculdade Ciências da Universidade de Lisboa como membro do senado, membro do conselho diretivo e membro da direção da associação de estudantes. Foi ainda presidente da Direção da Associação dos Bolseiros de Investigação Científica e técnico superior da Associação Intermunicipal de Água da Região de Setúbal.
‘Um ortodoxo’
Atualmente com 38 anos, divide-se entre Bruxelas e Lisboa. O eurodeputado do PS, Carlos Zorrinho, recorda as vezes que esteve com João Ferreira a assistir a jogos do Sporting através da televisão e do iPad e a trocar comentários sobre o clube de futebol. «É quase tão sportinguista quanto eu», conta o socialista entre risos.
‘Doenças futebolísticas’ à parte, o antigo secretário de Estado descreve o colega eurodeputado como sendo alguém «muito empenhado nas funções e muito trabalhador», além de ser «uma pessoa de requinte trato e agradável». Em termos ideológicos, «um ortodoxo», sublinha o socialista ao SOL.
Nuno Melo é da mesma opinião. Para o eurodeputado do CDS, João Ferreira é «um dos rostos da renovação comunista», mas isso não se traduz numa maior abertura. Assiste-se antes a um discurso de «uma linha muito monolítica e antiga do comunismo ortodoxo». «Nessa medida chega a ser surpreendente. É suposto que a renovação geracional aligeire e o PCP, pelo contrário, reforça muito a sua base dogmática nesses jovens, dos quais o João é um deles», refere ao SOL.
José Manuel Fernandes também olha para o comunista como um «deputado empenhado» e «da linha dura» do PCP. «Reconheço inteligência e empenho a João Ferreira que, no entanto, é mal aplicada. Põe-se numa posição ortodoxa e extrema, onde até se confunde com a extrema direita», defende o eurodeputado do PSD ao SOL. O social-democrata relembra as várias situações em que a extrema esquerda e extrema direita votaram no mesmo sentido: a saída do Euro, o orçamento da União Europeia e os fundos estruturais.
Vereador e eurodeputado
E não é a única crítica de José Manuel Fernandes a João Ferreira. «Não sei como é que alguém se candidata a uma câmara municipal, estando a exercer um mandato [de eurodeputado] a meio. Quais são os eleitores que está a trair? Está a enganar os eleitores de Lisboa ou todos os que votaram nas europeias?».
O eurodeputado considera «impossível conciliar uma campanha eleitoral e um lugar na vereação com uma presença no PE». E defende que o candidato da CDU devia ter «a atitude nobre» de renunciar ao cargo de deputado no PE para se poder dedicar em exclusivo a Lisboa.
João Gonçalves Pereira, também vereador do CDS na Câmara de Lisboa, considera que João Ferreira consegue gerir bem o dois cargos. «Eu próprio estive no PE e na Câmara de Lisboa e consegui perfeitamente compatibilizar as duas situações. Bruxelas é aqui ao lado», lembra o centrista ao SOL.
Rui Tavares recorda que não se trata de uma situação «inédita», apesar de ser mais comum entre eurodeputados belgas e franceses, tendo em conta a distância geográfica. «Ana Gomes é uma eurodeputada muito ativa e também foi vereadora em Sintra».
O dirigente do Partido Livre esteve com João Ferreira no grupo da Esquerda Unitária entre 2009 e 2011, ainda que a trabalharem áreas diferentes: o comunista na área da agricultura e pescas e Tavares na área das liberdades e direitos civis. «Trabalhador, sólido, inteligente e disciplinado», afirma Rui Tavares sobre o ex-colega comunista. Ortodoxo? Nem por isso. «Não diria que João Ferreira é um ortodoxo, mas é certamente alguém disciplinado e bem dentro daquilo que é o património ideológico do Partido Comunista. As próprias noções do que significa ser ortodoxo e pragmático na esquerda portuguesa mudaram muito desde 2015».