Nestes 40 anos do CEF, como evoluiu a floresta portuguesa?
A nossa floresta hoje não é a de há 40 anos, isso claramente mudou. Temos sempre a ideia que a floresta não muda ou não muda depressa, mas, em Portugal, nos últimos 100 anos, e sobretudo nos últimos 50 anos, mudou bastante. Portanto o CEF atravessou toda a essa transformação. O mais notório foi termos introduzido um novo tipo de silvicultura na Europa, o eucalipto, e foi até além do que existia no país onde a espécie é endémica, a Austrália. Hoje é a espécie que ocupa mais floresta. Fomos pioneiros, uma vez que depois de nós a América do Latina, o Brasil por exemplo, também introduziram o eucalipto. Foi um movimento voluntário porque havia uma industria madeireira que também nasceu na altura para usar essa matéria-prima.
E passados estes anos, faz um balanço positivo ou negativo dessa introdução?
Para o país foi muito bom. Temos um produto que gerou rendimento económico, muitos empregos.
Mas muitas vezes ouvimos falar do eucalipto como uma praga. É uma preocupação reiterada.
Eu sei, mas essa visão é errada. Um dos motivos para a criação do CEF foi precisamente estudar o fenómeno porque se estava a desenvolver na sociedade essa ideia de que o eucalipto era mau, bebe a água toda, envenena o solo. Era preciso através do conhecimento demonstrar que não era assim.
E os vossos estudos têm demonstrado isso, que o eucaliptal não veio estragar o ecossistema nacional?
Isso seria pôr as coisas de uma forma simplista. O eucalipto, como qualquer outra espécie, tem de ser introduzido de forma planeada, percebendo onde se coloca e como se coloca. Mas nisso é igual a todas as outras espécies, não é o eucalipto em si que é uma ameaça. Tem de ser introduzido nos locais onde as condições de clima e solo são as adequadas e seguindo as boas práticas.
E isso tem acontecido?
Tem genericamente acontecido, obviamente com desvios e é um campo em que podemos melhorar, mas tem acontecido.
Um estudo recente concluiu que Portugal foi o único país europeu que perdeu área florestal nos últimos 15 anos, 150 mil hectares. Devíamos estar mais preocupados?
Não diria preocupados, devemos estar atentos. Não é só a área que conta, é preciso perceber o número de árvores e é essa balanço que tem de ser feito. E depois é preciso ver isto espécie a espécie. Dizer que se perdeu área só por si não é um drama. O que é importante é conhecer o que se passa.
E esse levantamento está feito?
Devíamos ir mais longe, até porque a floresta é dinâmica e precisamos de uma monitorização constante. O nosso mundo está mais complexo, as alterações climáticas trazem uma grande incógnita.
Já se nota o impacto?
Já. E temos indicadores claros de que, quando há períodos de seca severa, as espécies nestas zonas mais afetadas têm um decréscimo de crescimento significativo. Temos um estudo recente sobre o efeito dos anos de seca na produção de cortiça, feito na zona de Coruche e que analisou um período de 24 anos. Concluiu que não só havia um decréscimo da produção mas também da qualidade.
Sendo a cortiça um dos bens mais exportados no país e um setor que emprega mais de nove mil pessoas, há uma ameaça não só ambiental mas também à economia?
Sim, e temos de começar a ter isso em conta. Seria um drama para Portugal se o setor da cortiça fosse afetado.
Estão a ser implementadas suficientes medidas de mitigação?
Penso que estamos numa fase de estudar bem quais são as consequências e quais são os eventos extremos que constituem maior risco e que efeitos têm em cada espécie. De qualquer forma já temos resultados e há medidas concretas que devem ser adotadas.
Por exemplo?
A gestão do chamado sub-bosque, que é o material de pequena dimensão, por exemplo a acácia, que se for controlado adequadamente pode ajudar a manter o ecossistema em melhores condições. A ideia é que, mantendo-se este sub-boque, impede-se que o solo fique nu e previne-se uma maior secura e o efeito de erosão.
O problema dos fogos também foi um dos temas abordados na conferência. Que medidas se impõem?
Deixe-me dizer-lhe uma tristeza que tenho há muitos anos e que não tem mudado: a sociedade e a comunicação social continuam a só se lembrar da floresta nos fogos. Um colega meu no ISA, José Miguel Cardoso Pereira – que por sinal só vai mais vezes à televisão na altura dos fogos – tem desenvolvido muito trabalho nesta área e participou na proposta técnica que propunha medidas de prevenção e combate ao fogo. Estão lá as medidas. Mais do que no combate, o nosso atraso está no que se deve fazer antes, no controlo da vegetação rasteira. A maioria dos fogos não começam nas árvores, não são fogos florestais, mas fogos rurais. São os matos, são as silvas, que depois levam tudo atrás. O correto mapeamento e gestão florestal ao longo do ano faria toda a diferença.
Ouvimos falar de programas de reclusos que vão limpar matas, houve até a inovação de os desempregados a limpar floresta. Se mandasse, era por aqui que ia?
Se mandasse chamava o meu colega e dava-lhe condições para implementarem o programa técnico que desenvolveram. Obviamente que não é num ano que se resolve o problema, mas é preciso começar e ir aplicando medidas durante alguns anos, de forma consistente, para termos frutos. Tem de ser o país de forma integrada a tomar medidas, com o governo a desencadear o processo, mas envolvendo autarquias, proteção civil e toda a população.
Uma parte central do vosso trabalho no CEF tem sido a relação com a indústria. Tem tido bons resultados?
Tem sido uma relação bastante boa não só com a indústria mas com as associações de produtores.
Fala-se muito em Portugal da dificuldade de desenvolver ciência aplicada. A sua equipa conseguiu uma patente por um sistema que permite rentabilizar a cortiça em mais 40% e até 85%. Uma peça que daria dez rolhas consegue mais três ou quatro. Há mais projetos destes?
Ao longo das comemorações dos 40 anos do CEF, nos últimos meses, uma das iniciativas que lançámos e vamos continuar foi um ciclo “da investigação à ação”, em que a ideia é durante um dia chamamos ao instituto os interessados – produtores florestais, industria – e de uma maneira simples explicarmos o que obtivemos de resultados científicos e como pode ser aplicado. Fizemos já quatro sessões, sempre com a sala cheia, e tem corrido muito bem.
Além deste projeto da cortiça, que ‘segredos’ têm guardados e que podem dar jeito?
Para não falar mais de eucalipto e cortiça, um dos projetos em que temos resultados interessantes é no estudo do pinheiro manso e do pinhão e em formas de tornar a produção mais rentável.
E é uma matéria-prima altamente valiosa.
Sim, e há um perigo enorme: cada vez mais vemos à venda pinhão chinês, que é muito mais barato e nem sequer é do pinheiro manso – é de uma outra espécie, que não tem a qualidade nem o gosto do nosso. Mas é barato. É a chamada concorrência desleal.
Portugal poderia estar a tirar maior proveito do património florestal?
Sem dúvida. Um dos grandes constrangimentos é que a quase totalidade da nossa floresta é privada e a intervenção que o Estado pode ter é limitada. Por outro lado, a grande maioria dos terrenos são de pequena dimensão. A floresta não pode ser gerida como um quintal, tem de ter uma dimensão que permita aplicar as intervenções que geram mais valor.
A crise enviou muitas pessoas para o Portugal rural. É um movimento positivo que nos fica da austeridade?
Foi uma tendência interessante e quem dado origem a pequenos projetos bastante interessantes em vários campos, não só florestais mas de alimentação, na área do design. Agora o desafio é ver se as pessoas se fixam.
Conhece o território nacional. Qual é a sua floresta preferida, um sítio que recomende para desligarmos um pouco?
Pessoalmente gosto muito do Alentejo e da paisagem do montado. Outra zona que recomendo faz parte das minhas origens, do lado do meu pai, em Trás os Montes, num lugar para lá do sol posto na região do Douro Internacional. Aquela paisagem mais agreste e com muito granito é muito bonita.
E mesmo aí a vida cresce, giestas..
E muito mais do que isso! É uma grande área de produção de amêndoa e castanha, temos um país muito rico.