Conservador contra o Brexit, veterano do Parlamento Europeu, Charles Tannock define os eurodeputados como uma “espécie em vias de extinção”. Curiosidade: viveu em Cascais em criança e aprendeu a falar português sozinho, pelo que conversou com o i em Bruxelas num português quase sem sotaque.
Foi eleito em 1999, portanto este é o seu 18.º ano como eurodeputado. Será o último?
É o meu quarto mandato e, digo isto com muita tristeza, será o último. Sou da última geração de deputados britânicos.
Sente isso no dia a dia?
Sinto a preocupação de colegas de grupos mais europeístas. Fiz campanha com muita paixão pelo ‘remain’. Antes de entrar na política era psiquiatra, percebo o que me está a acontecer: é uma espécie de luto.
Já se sentiu posto de fora de alguma negociação?
Não. Não tem havido perseguição dos eurodeputados britânicos em posições chave no Parlamento. Até o Brexit suceder teremos plenos direitos legislativos e políticos como qualquer outro eurodeputado. Fomos eleitos, é justo que assim aconteça.
Até maio de 2019, portanto.
Essa data é interessante porque a senhora May vai insistir que o Brexit aconteça antes da campanha europeia, não quer que decorra com Reino Unido (RU) ainda como membro. Portanto, vai acontecer até março ou abril de 2019. A minha convicção é de que ela vai acionar o ‘artigo 50’ no fim de março. E depois o relógio começa a contar para um máximo de dois anos de negociações. Pessoalmente estou muito pessimista, não estou a ver como vai ser possível concluir um acordo que seja bom para os 27 e o RU. Receio que isto vá acabar em lágrimas, qual acidente rodoviário.
Os resultados do referendo do Brexit surpreenderam-no?
Para mim o Brexit é um ato destrutivo e fundamentalmente muito egoísta do RU porque a Europa está a atravessar um período bastante frágil, com ameaças quase existenciais. Falo não só da crise dos refugiados mas do problema do euro nas economias, o problema do emprego, a ameaça da Rússia. Com Trump eleito nos EUA, só estamos a ver a ascensão de inimigos de projetos de integração e de projetos de governo supra nacionais. Temos visto o Brexit apoiado pelo Trump, é a primeira vez em sessenta anos que um presidente americano está contra o projeto da União Europeia.
Isso também não podia ser previsto?
Ninguém estava à espera que ele tomasse uma posição tão radical contra a UE. Mesmo em Berlim já dizem que deixaram de tentar entrar em contacto com a nova administração, estão fartos porque ele tem mantido uma posição muito hostil.
Trump está a cortar linhas?
Sim, e a fazer perguntas que, na minha opinião, são muito hostis. Por exemplo, já perguntou qual será o próximo país que irá abandonar a UE. É um insulto ao projeto europeu. Apesar de todas as fraquezas e problemas, este é um projeto pela paz e para ter um mundo melhor para os jovens da sua geração.
A faixa etária mais jovem dos britânicos votou pela permanência na UE. Qual é a sua explicação para isso?
Os jovens votaram para ficar e a geração mais velha votou para sair e a herança que lhes vamos deixar é uma Europa menos estável. A geração mais velha que eu, com 70 e 80 anos, achou que iam voltar a um ideal de império que já não existe e que nunca mais vai poder existir. É uma fantasia. Amanhã [sexta-feira passada] a senhora May estará num encontro com Trump para falar daquele sonho de que vamos recriar um espaço bilateral anglófono com os EUA de livre comércio…
É uma ilusão?
Completa. Trump foi eleito por defender uma política protecionista, como é que vai fazer um tratado de livre comércio? E a ideia de que podemos restabelecer uma espécie de Commonwealth “branco, branco” sobretudo com a Austrália, o Canadá e a Nova Zelândia também é uma fantasia.
Acha que o inglês vai continuar a ser língua prioritária na UE?
Isso não vai mudar. Hoje em dia a única língua que une todos os países da Europa é o inglês, é a língua franca.
Essa é uma discussão que se ouve aqui nos corredores?
É uma não discussão. Todos os jovens aqui falam inglês e quem não faz tem uma vida um bocado miserável, porque não se consegue fazer as tais amizades nos corredores, nos restaurantes e nos cafés. Formalmente nos comícios e plenários está tudo traduzido, mas o parlamento também é mais do que isso. É uma questão de laços informais,
Já pensou no que irá fazer a seguir?
Vou continuar a ser cidadão europeu graças à nacionalidade irlandesa, da parte da minha mãe, Depois de quase 20 anos como deputado dos quais 17 foram nos negócios estrangeiros, é tarde para voltar à medicina. Também já tenho uma certa idade. Há outra hipótese: como cidadão europeu tenho o direito de ser candidato pelas eleições europeias noutro país. Poderia ser um candidato em Portugal ou Itália, domino bem estas línguas. Se pudesse encontrar um partido num destes países que me aceite como candidato estou disposto a falar sobre esse tema.