Bairro Clemente. Chão ruiu após alerta do LNEC

Laboratório Nacional de Engenharia Civil avisou do perigo em julho de 2016, mas nada aconteceu. Ontem colapsou o rés-do-chão de um prédio

O Bairro Clemente Vicente, no Dafundo, voltou ontem a ser notícia pelas piores razões. O piso do rés-do-chão do número 32-A ruiu e provocou duas vítimas, tendo uma delas sido encaminhada para o Hospital de São Francisco Xavier. O outro ferido, de 28 anos, foi assistido no local.

Ao que o i apurou, a vítima que recebeu tratamento hospitalar era o responsável pelo condomínio do edifício, um homem de 70 anos que teria ido ao prédio para mostrar um apartamento a técnicos de eficiência energética. “O andar estava desabitado há cerca de dois anos”, contou ao i Rui Palma, morador no bairro. Ao entrarem no apartamento, o chão terá ruído. “Pelo que sei, o responsável pelo condomínio caiu de uma altura de cerca de três metros. Foi parar às caves”, relata.

LNEC tinha avisado

O Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) elaborou em julho do ano passado um relatório sobre o estado de degradação estrutural do centenário bairro operário onde, em 2015, moravam cerca de 500 pessoas. O documento foi entregue aos moradores em setembro e alertava para o perigo de derrocada. “É necessária uma intervenção global e profunda”, sublinhavam os técnicos, dizendo que as obras deveriam começar pelo local mais afetado pelo desgaste do tempo: as caves dos edifícios. O parecer do LNEC, que o i noticiou em novembro, terminava com um aviso: “É importante referir também que o risco de derrocada aumenta com o tempo.”

O bairro, composto por 240 apartamentos, foi construído para habitação operária e pertence atualmente a privados. No entanto, e face ao perigo público de derrocada, a Câmara Municipal de Oeiras instalou uma delegação na Junta de Freguesia de Algés, Cruz Quebrada e Dafundo onde tem recebido os moradores para tentar encontrar uma solução. Tem também sido feito um levantamento das condições sociais do bairro.

Ontem, o i voltou ao bairro durante a tarde e, apesar da derrocada e do relatório do LNEC, encontrou habitantes divididos. “São mais nozes do que vozes”, declara Rui Palma, que mora ali há dez anos. “Claro que há focos de perigo, mas não é assim tanto como pintam. Depende das casas”, considera. “Há problemas estruturais, mas também acredito que haja jogadas financeiras.” Para este morador, é inegável que o bairro se situa num local muito aprazível para os investidores. “Estamos na primeira linha de mar. Já compraram a quinta aqui ao lado, tenho quase a certeza de que querem ficar com isto para construção de imobiliário”, defende.

Sobre a hipótese de se mudar para uma habitação cedida pela câmara, o munícipe é perentório: “Não quero ser picuinhas, mas não vou para nenhum bairro social.”

Rui Palma diz não temer continuar a morar no bairro, mas está disposto a ouvir outras hipóteses. E, após o incidente de ontem, acredita que os processos de negociação com a câmara – que está a tentar mediar o problema – “andarão muito mais rápido”. Já João Paulo, que nasceu ali – e está de regresso ao bairro para cuidar da mãe –, admite que há algumas pessoas com medo. “A minha mãe é inquilina, mora aqui há 62 anos. Amanhã (hoje) faz 87 anos. Está doente, não sei como lhe iria dizer que tem de se mudar da casa que sempre conheceu”, assume.

Sobre a derrocada de ontem, sublinha que o problema não é, de todo, inédito, embora seja cada vez mais preocupante. “Quando tinha 14 anos lembro–me que uma passarela caiu (uma das estruturas metálicas que os habitantes usam como acesso às traseiras dos apartamentos). E lembro-me também de pelo menos duas pessoas terem partido uma perna nessas escadas.”

Bloco questionou governo

Em novembro, poucos dias depois da notícia do i, o Bloco de Esquerda questionou o ministro do Ambiente sobre as medidas que iriam ser tomadas pelo governo para “garantir a segurança dos moradores” face ao “risco de colapso” denunciado no relatório do LNEC.

A resposta do gabinete de João Pedro Matos Fernandes, a que o i teve agora acesso, chegou pouco depois: “O Ministério do Ambiente, diretamente ou através do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), não dispõe de competências ou atribuições que lhe confiram legitimidade para impor uma forma de atuação no Bairro Clemente Vicente.” Tal tarefa, diz o ministério, compete “aos municípios” em “articulação com as juntas de freguesia, nomeadamente nos domínios da ação social, da habitação e do ordenamento do território e urbanismo”.

Apesar da posição, o ministério diz estar a seguir o caso e que solicitou ao IHRU que “continue a acompanhar a situação”.