Há para todos os gostos. Uns são amorosos e pequeninos. Outros têm um largo que promete grandes festas. E depois há aqueles que se confundem com uma simples travessa. Muitos – quase todos, aliás – precisam de uma intervenção profunda. Falamos dos pátios e vilas operárias lisboetas. E é com esta necessidade em mente, até porque a selva urbana ameaça comer muitos destes espaços tipicamente alfacinhas, que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) avança com o projeto. No total, serão reabilitados 33 dos 61 pátios e vilas da cidade que pertencem à autarquia e que terão, assim, vidas novas dentro de uma nova vida.
Os primeiros quatro projetos a avançar são a Travessa Paulo Jorge, em Belém; a Vila da Bela Vista, no Beato, e a Vila Romão da Silva, em Campolide, mesmo ao lado das Amoreiras e ainda a Vila Elvira, na mesma freguesia. Para o ano, arrancam as obras nos pátios do Beirão (Marvila), do Bastos (Estrela) e do Paulino (Alcântara). A ideia é pôr gente nova – que irá pagar uma renda convencionada, com valores que não passarão dos 300 euros – a morar com os inquilinos mais antigos da câmara. Desta forma, Paula Marques vereadora da Habitação e do Desenvolvimento Local, quer assegurar não só o presente dos habitantes como trazer para os espaços uma “intergeracionalidade” que garanta o futuro dos mesmos.
Em relação a estas quatro vilas cujas empreitadas arrancam ainda este ano, a intenção da câmara é simples. As casas que pertencem à autarquia serão reabilitadas, assim como todos os espaços comuns, que são, diz a vereadora, “o espaço de convívio, por excelência, da habitação”. “Queremos manter a filosofia de comunidade”, explicou a autarca ao i.
Por exemplo, do ponto de vista da acessibilidade, as vilas serão dotadas de pisos antiderrapantes e a nível sísmico as estruturas também serão reforçadas. Já as casas dos privados serão intervencionadas nas fachadas para manter a coesão do conjunto.
“Os pátios e vilas da câmara de Lisboa já passaram por várias fases”, explicou a vereadora durante uma visita aos espaços. “Primeiro, chegaram a ser feitos projetos de intervenção para todos, depois houve uma fase da febre da alienação e agora, finalmente, temos projetos prontos a avançar” que não esconde o entusiasmo com a ideia de reabilitar a memória urbana e sociológica dos lugares.
Também os autarcas das três freguesias saúdam o projeto. Silvino Pereira, da junta de freguesia do Beato, diz que a “intervenção da vila da Bela Vista é importante não só pela reabilitação em si como pelo sinal que dá aos privados que não apostam na reabilitação”. “Estamos a dizer aos privados que vale investir, manter a tradição e reabilitar em vez de mandar tudo abaixo e fazer de novo”, considera. “O Beato é uma zona que falta reabilitar e está muito bem situada e tem muitas vilas operárias, já que foi uma vila industrial no passado”.
Sobre os futuros jovens habitantes da vila da sua freguesia – a da Bela Vista –, irem conviver com idosos, põe um sorriso na cara quando responde: “Vai ser uma mais-valia. E é também uma oportunidade de regressar à cidade para os mais jovens que, neste momento, têm dificuldade em pagar as rendas”.
Já o presidente da junta de Campolide, André Couto, sublinha a importância de manter estes espaços com inquilinos portugueses. “Lisboa voltou a ser moda e isso tem duas vertentes, sendo uma delas o turismo. Esta intervenção tem todo o mérito porque não vai deixar que se perca este pátio [para investidores estrangeiros]”, disse ao i. Como exemplo, deu uma uma referência próxima. “Houve aqui perto uma vila que foi comprada e reabilitada e o proprietário não aceita inquilinos portugueses. Está no seu direito, claro, mas aquilo acaba por ser quase um condomínio privado”.
Vasculhar nos arquivos da câmara
Para o projeto, houve uma pesquisa bibliográfica que entusiasmou os arquitetos que querem “repor o traço exato” dos pátios e vilas, construídos para habitação operária na viragem do século passado.
Por isso, melhores que quaisquer palavras do i são as de João Gomes Teixeira, o arquiteto responsável pela área de projetos da CML. “São intervenções interessantíssimas, estas vilas e pátios são um desafio do ponto de vista arquitetónico”, considera.
Para chegar à verdade dos edifícios e reabilitar respeitando as tipologias, os arquitetos revolveram os arquivos da câmara em busca de informação. Nem sempre foi fácil nem suficiente. “Na Vila Romão da Silva, o que nos ajudou foi um livro antigo só sobre as vilas de Campolide que nos foi emprestado pelos próprios moradores”, revela.
A Special One
A vila Romão da Silva – a única destas três vilas que pertence, na totalidade, à CML – é, aliás, a que tem um plano mais ambicioso. Para este projeto, a autarquia tem um orçamento de dois milhões de euros.
Para além da requalificação dos apartamentos – neste momento, há 13 devolutos e 20 casas ocupadas por uma população maioritariamente idosa – há mais uns extras que transformam esta antiga vila num caso especial. Lá chegaremos.
Antes disso, há que fazer um tour à Romão da Silva. A quase impercetível entrada cor de tijolo, na rua Sousa da Câmara , esconde o “potencial” do espaço. “Já foram feitos arraiais aqui”, relembra a vereadora assim que entramos no pátio, uma espécie de hexágono com um fontanário a servir de centro e que também será recuperado.
As obras no local “começam de certeza até ao fim do ano”, garante a vereadora. Os moradores têm uma postura mais contida: só acreditam quando as reabilitações arrancarem.
Essa data será também agridoce para o Palmo e Meio, uma companhia de teatro instalada no local há 36 anos. Agri porque o atual espaço foi construído pelas próprias mãos do fundador, José Pinto, 70 anos, encarregado de oficinas de eletricidade reformado e amante do teatro nas horas vagas. “Isto era uma antiga padaria”, conta ao i enquanto nos mostra as fotos do espaço. “Fui eu, a minha mulher e a minha filha que construímos tudo”, conta, enquanto relembra a primeira peça que ali estreou: “O Menino e os Palhaços”.
Mas a possibilidade de ter um teatro novinho em folha não é, de todo, motivo de tristeza. No dia em que o Palmo e Meio for abaixo, José Pinto – que continua a construir os cenários, tratar da luz e da sonoplastia dos espetáculos – garante que não vai esconder as lágrimas. Que serão também de alegria. É que o novo Palmo e Meio terá um auditório virado para o exterior, o que possibilitará que sejam encenadas peças para o interior da vila. “Será a garantia de que o teatro vai continuar aqui muitos anos. Apesar deste espaço ser especial já está, realmente, muito degradado”. “Mas, se pudesse, até as tábuas do palco levava para a nova sala”.