Dificilmente se pode saber o que fez Emmanuel Macron desmentir na terça-feira os rumores de que tem há muito uma relação homossexual oculta com o presidente da Radio France, Mathieu Gallet. Macron pode ter decidido agir contra os boatos que cirandam em seu redor há meses porque, como disse, são “muito desagradáveis” para a sua mulher, Brigitte Trogneux, que há anos se vem sujeitando a comentários escarninhos por ter casado com um antigo aluno 24 anos mais novo. Mas também se coloca a hipótese de que o súbito favorito na corrida deste ano ao Eliseu optou por acabar com os rumores por cálculo eleitoral, jogando pelo seguro num país em que casais do mesmo sexo podem casar e adotar crianças, mas onde dezenas de milhares de pessoas protestam todos os anos contra ambos os direitos. Onde em Paris se elege um presidente de câmara abertamente homossexual – Bertrand Delanoë – que é depois esfaqueado num ataque homofóbico.
“Se em jantares na cidade ou em emails reenviados vos disserem que tenho uma vida dupla com Mathieu Gallet ou com qualquer outra pessoa, é o meu holograma que escapou subitamente, não posso ser eu”, lançou Emmanuel Macron a uma multidão que o ouvia na terça-feira, disparando uma piada ao candidato da extrema-esquerda francesa, Jean-Luc Mélenchon, que no fim de semana apresentou a sua candidatura em corpo real, em Lyon, e em holograma, em_Paris. “Aos que querem espalhar a ideia de que sou uma farsa, de que tenho vidas escondidas ou algo do género, em primeiro lugar, saibam que é muito desagradável para a Brigitte”, disse Macron, tentando dissipar, com um pé no humor e outro no sério, um boato que circula há meses em redes sociais e em alguma imprensa cor–de-rosa em França. Em novembro já o fizera ao relativamente inconspícuo grupo Mediapart. Esta semana fê-lo para as câmaras de todo o país.
Macron sente a pressão de estar na frente da corrida. As sondagens indicam que, daqui a dois meses, será ele a passar à segunda volta com Marine Le Pen, a líder da Frente Nacional e há muito a grande favorita para abril. As sondagens sugerem-no: Le Pen vai na frente com 26% dos votos, Macron tem 23% e dá-se 20% a François Fillon, outrora o favorito, mas por estes dias assolado pelo escândalo que sugere que pagou centenas de milhares de euros à mulher e filhos por empregos que nunca desempenharam. O_centrista Macron, para além do mais, tem vindo a subir. A Fillon acontece o contrário, embora insista em não se retirar como o homem do centro-direita.
O consenso é o de que Macron vence com facilidade Le Pen numa segunda volta, reunindo em si o voto moderado e europeísta (as sondagens sugerem que pode amealhar mais de 60% em maio).
Mão russa?
Macron, antigo ministro-estrela nos tempos em que teve a pasta da Economia, é, por isso, o alvo a abater. Pelos conservadores sociais franceses, evidentemente, que têm em François Fillon um candidato que promete o regresso aos valores tradicionais da família e até votou contra a descriminalização da homossexualidade na década de 80, mas que, como Marine Le Pen, percorre hoje a ténue linha de aceitar o matrimónio e adoção gay sem, no entanto, os defender. Mas também a abater por quem, de fora, procura uma vitória nacionalista na segunda economia europeia, sobretudo havendo Marine Le Pen na corrida, que promete a saída do euro e um referendo sobre a permanência na União Europeia. E pode ter vindo daqui o empurrão que levou Macron a confrontar tão publicamente os rumores sobre a sua homossexualidade.
Até à noite de domingo, a fantasia de uma relação escondida entre Macron e Gallet pertencia sobretudo às redes sociais e a um punhado de publicações cor-de–rosa. Isso mudou quando Dmitry Kiselyov, o mais célebre e influente pivô da televisão russa, elencou no programa mais visto da televisão nacional as alegações de corrupção em torno dos principais candidatos deste ano ao Eliseu. Mas os seus alvos não eram François Fillon ou Marine Le Pen – o primeiro é protagonista do maior escândalo do momento e a candidata da Frente Nacional foi recentemente acusada pelo Parlamento Europeu de ter utilizado indevidamente 300 mil euros de fundos comunitários. O grande alvo foi Macron, o novo favorito e o mais habilitado a derrotar os dois candidatos de direita, que, coincidentemente, defendem laços mais estreitos com Moscovo para combater o terrorismo islamista, tal como Donald Trump nos Estados Unidos.
“Ainda há rumores acerca da sua orientação [sexual] não tradicional”, disse Kiselyov no domingo, indicando suspeitas não substanciadas de que Macron roubou 120 mil euros a fundos públicos para investir na sua campanha. E Kiselyov não é o único. O fundador e editor da WikiLeaks, Julian Assange, cuja publicação nos últimos anos se tem aproximado mais e mais dos objetivos do Kremlin, diz que tem documentos possivelmente comprometedores de Macron nos milhares de emails roubados aos servidores de Hillary Clinton. A existirem, Assange, por enquanto, mantém-nos em segredo.