Tzvetan Todorov, um dos mais penetrantes leitores da complexa trama das sociedades contemporâneas, morreu aos 77 anos na terça-feira, em Paris, depois de se debater durante anos com os efeitos da uma doença neurodegenerativa. O filósofo francês de origem búlgara deixou expressas muitas das suas inquietações numa obra muito abrangente e que tem vários títulos publicados em Portugal, traçando uma diagonal com contributos significativos em áreas tão diversas do saber, desde a teoria literária e a linguística à histórias das ideias políticas, tomando posição em debates actuais como as consequências morais do colonialismo, a actuação dos regimes totalitários e o Holocausto.
«Um humanista de alento crítico», como o classificou o El País, Todorov foi um dos intelectuais que mais se empenharam em que o seu trabalho pudesse reflectir-se numa mensagem de esperança, e desenvolveu estudos sobre a capacidade do indivíduo resistir face a sistemas repressivos. Numa entrevista àquele diário em 2014 defendeu que a ação cívica deve passar pela insubmissão e uma prática de resistência sempre que a organização política remeta os direitos para um plano meramente formal.
Nascido em Sófia, a capital da Bulgária, em 1939, via-se como um «homem deslocado», tendo vivido os primeiros 24 anos sob a ditadura comunista de Todor Zhivkov, trocando o seu país por França em 1963 para prosseguir os estudos de pós-graduação – acabando por obter a nacionalidade francesa uma década mais tarde. Embora o regime búlgaro não tenha dado provas do mesmo desprezo que a União Soviética pelos direitos dos seus cidadãos, a um nível instintivo Todorov nutriu sempre uma profunda desconfiança face às instâncias de poder, e interessou-se pelos exemplos de homens e mulheres que foram capazes de «manter a dignidade moral em circunstâncias extremas», opondo-se às barbáries do século XX.
Em Insoumis (Insubmissos), o seu último livro de ensaios, oferece aos nossos dias o exemplo de uma galeria de heróicas personagens que fizeram frente ao poder. De Boris Pasternak a Edward Snowden, passando pela etnóloga francesa Germaine Tillion, figura da resistência aos nazis de quem foi próximo nos últimos anos da sua vida, este livro sinaliza a preocupação de Todorov quanto à possibilidade de o século XXI enfrentar perigos semelhantes aos do passado que jurou não esquecer. Um dos seus mais recentes títulos é O medo dos bárbaros (sem edição em Portugal), no qual aborda um tema decisivo na discussão política atual: «Este medo dos imigrantes, do outro, dos bárbaros, será o nosso primeiro grande conflito do século XXI», afirmou ao El País, em 2010.
A mais recente obra de Todorov chegará às livrarias no dia 21 de fevereiro, com o selo das Edições 70. Os Inimigos Íntimos da Democracia oferece um contributo valioso para discutir os conceitos de liberdade e de democracia na sociedade contemporânea, procurando examinar a história do século XX, e concluindo que, com o colapso do União Soviética e do comunismo mundial, os inimigos da democracia não estão fora, mas dentro dela. Na nota à imprensa a editora adianta algumas das matérias desenvolvidas nesta obra: a ascensão do comunismo, a guerra do Iraque, a guerra do Afeganistão, as primaveras árabes, as questões de moralidade e justiça, o neoliberalismo, a identidade nacional, entre outros temas. «Na obra, não só é referido o aumento verificado do populismo, como também dos meios de comunicação social e de uma demagogia sólida, que o autor define como ‘identificar as preocupações da maioria e propor aliviá-las recorrendo a soluções fáceis de entender, mas impossíveis de aplicar’».