Como quase todas as crianças, Luís Saraiva tentava sempre fugir ao peixe cozido. Mas ao contrário do que era esperado, Luís procurou a solução no local de onde via sair o prato maldito. “Comecei a esgueirar-me para a cozinha para ver o que estava a ser feito e preparar-me, ou não, para sofrer”, conta. Neste entra e sai de portas à espera de ver ser feito o adorado – e clássico – bife com batatas fritas, pôde apreciar aquilo que saía das mãos e da imaginação da mãe, da avó e da empregada.
Aos poucos começou a ganhar espaço numa cozinha tendencialmente feminina, onde lhe foi dada autorização para começar a criar. “Em vez de ficar insatisfeito com o que me davam, decidi procurar alternativas.” E foi assim que começou a experimentar novas receitas em casa e até na escola, onde era comum apanhá-lo a espreitar o trabalho das cozinheiras da cantina.
Com o palato mais apurado, o bife e as batatas fritas desceram na lista de preferências para dar lugar a pratos tão portugueses como empadão, bifes de cebolada, feijoada ou ervilhas com ovos escalfados. Mesmo assim, foi pelas sobremesas que começou esta jornada, aproveitando um Natal para se estrear na arte de fazer filhós e arroz- -doce. Passou depois pela fase dos hambúrgueres, os ditos artesanais que hoje proliferam por aí, e das pizzas, em que aperfeiçoou a técnica de fazer a própria massa em casa.
Com esta panóplia de pratos no seu curriculum gastronómico, é normal que a principal dificuldade de Luís seja eleger um preferido. “Tanto adoro uma feijoada ou um cozido à portuguesa como me perco por ceviche ou um risoto.”
Tudo da época Foi com o coração dividido entre as culinárias do mundo que Luís decidiu avançar com o livro “Receitas Mês a Mês”, até porque, independentemente de o prato ser italiano, mexicano ou português, o autor só avança para uma receita com uma certeza: a de que todos os produtos utilizados são da época. “É por isso que o ponto de partida do livro são os ingredientes, e não os pratos”, explica. De facto, fugindo às publicações tradicionais, os capítulos dividem-se por meses e a cada são atribuídos os legumes, frutas, peixes e carnes mais indicados para serem confecionados nessa altura do ano. “Tomate, por exemplo”, salienta, “neste momento só uso para refogados.” Para o colocar como ingrediente principal das saladas, Luís espera pelo verão, assim como prefere os dióspiros em outubro, os marmelos em dezembro e os morangos em abril. “E as cerejas, que agora até aparecem em janeiro?”, exclama. “As pessoas deixaram de ter paciência para esperar pelo que é bom.”
Além de alertar para os sabores, Luís escreveu o livro também a pensar no ambiente. “Sabia que é agora que se está a reproduzir que a sardinha é mais saborosa?”, questiona, alertando para o facto de que pescá-la agora punha em causa a sua viabilidade.
Longe de se considerar um especialista, nem mesmo na culinária, este comercial da área dos livros com formação em gestão agrícola, treinador de râguebi nos tempos livres e amante de cozinha a tempo inteiro quer apenas chegar à consciência daqueles que partilham este gosto pelos bons sabores. “As pessoas têm de voltar a ter prazer em esperar. Há lá coisa melhor que comer cerejas em maio?”