“Meu amor, minha gazela, meu miosótis, minha amante, minha via láctea, minha morfina, ópio, cocaína.” As palavras sucedem-se na escrita de Lobo Antunes, à medida que cresce a vontade de ter alguém que nos escreva cartas de amor assim. “Meu perfume de terra, meu corpo gémeo, minha areia entre os dedos, meu país, minha ilha, minha porta para o mar.” Parece não haver fim para as palavras que escrevia ainda antes de ser escritor. Destacado como médico militar durante a guerra colonial, era por escrito que comunicava com a sua primeira mulher, Maria José. Compilados, os relatos deram origem a dois livros e a um filme, e tornaram-se um marco na arte de bem escrever cartas de amor.
A guerra tem tanto de trágico como de romântico e essa dicotomia é explorada vezes sem fim na literatura e no cinema. No entanto, parece ser na vida real que se criam argumentos dignos de prémio num campo de batalha dividido em duas partes: de um lado, os soldados desesperados por companhia e, do outro, jovens raparigas que, de repente, ficaram sem rapazes para as namorar.
Foi exatamente para diminuir distâncias e fazer esquecer por segundos que Luanda fica a quase 9 mil quilómetros que nasceram as madrinhas de guerra, nome dado às mulheres que davam apoio moral aos soldados portugueses durante a guerra colonial. Maria da Glória, de Ponte da Barca, tinha 20 anos quando enviou a primeira carta ao seu António. “No início como amigos, mais tarde como namorados”, conta ao i. De 1965 a 1969, as cartas foram às dezenas, com direito a troca de fotografias e presentes. “Tenho ainda uma palmeira e um veado em marfim que ele me mandou numa encomenda”, lembra.
Quando António regressou a Portugal continuaram a trocar cartas, até porque, na altura, resolver a distância entre Coimbra e Ponte da Barca era quase tão difícil como a de Portugal a Angola. “Mas ele chegou a vir cá acima ver-me e continuámos a namorar durante uns tempos”, até que um mal-entendido pôs fim à relação e ao contacto que mantinham. “Tive muita pena, nunca me esqueci dele”, admite. Hoje tem 70 anos e não sabe nada de António desde que a relação acabou, aos 20 e poucos anos. “Tenho quase a certeza de que uma vez o vi em Fátima, mas não tive coragem de ir ter com ele, mais vale deixar estar como está”, refere, conformada com a lembrança de um António que se mantém nas fotografias e nas peças de marfim que guarda até hoje.
Procurar o amor Em dia de São Valentim, não nos vamos deixar esmorecer por esta história sem final feliz. Para quem acredita em relações de futuro, das duas uma: ou espera que o amor aconteça ou passa para a fase proativa de procurar a cara-metade.
Na década de 40, Agustina Bessa Luís acreditava que “a solteiria” a distraía de “maiores realidades” e decidiu pôr um anúncio no jornal para conhecer alguém que tivesse determinadas qualidades. “Jovem instruída procura correspondência com pessoa inteligente e culta”, podia ler-se. As exigências não foram entrave e, depois de uma troca de cartas com Alberto Luís, casam-se em 1945.
De lá para cá, a predisposição para conhecer alguém deixou de ser explícita em classificados de jornal e conta hoje em dia com a ajuda profissional das agências matrimoniais, um negócio que nem a crise abalou – muito pelo contrário. Dados de 2013 mostram que a Amore Nostrum, a maior agência do género em Portugal, contava com cerca de cem novos clientes a cada mês, confirmando a tendência europeia de crescimento de um negócio que movimenta anualmente mais de 800 milhões de euros.
Mais recentemente, a agência associou–se a uma nova plataforma – Mr & Mrs Love – criada para aumentar a segurança na marcação de encontros: agora, além de poder conhecer desconhecidos, o encontro pode ser mediado por um profissional.
Para os que já não escrevem cartas, passam à frente as páginas dos classificados e acham que agência de matrimónio já é colocar a fasquia perto do desespero, restam as redes sociais.
O i, mesmo depois de ler os livros de Lobo Antunes e de se embrenhar em histórias de cartas trocadas por mulheres portugueses com soldados em Angola, decidiu dar uma chance ao amor virtual e arriscou iniciar sessão no Tinder.
Como herança trazíamos, por um lado, casos de sucesso como o de Bruno e Olia, das páginas ao lado, mas também o relato de amigas que, depois de deslizar o dedo sobre o ecrã em sinal de aprovação, levaram com um “queres f*der?” de resposta. No nosso caso não acabámos numa relação nem levámos com propostas indecentes, mas depois das cartas de guerra destes dois Antónios, a conversa do Jorge, 31 anos, não pareceu digna de história de amor.