“Estou em greve”, disse o produtor Luís Urbano a rematar a sessão de perguntas e respostas que se seguiu à estreia na Berlinale de “Coup de Grâce”, primeira obra ficcional de Salomé Lamas, em competição pelo Urso de Ouro das curtas-metragens, juntamente com outros três filmes portugueses, de Diogo Costa Amarante, João Salaviza e Gabriel Abrantes. É provável que Luís Urbano, produtor do Som e a Fúria, soubesse que Miguel Honrado, o secretário de Estado contra quem um grande grupo de realizadores e produtores portugueses de que faz parte se tem batido num protesto tornado internacional durante o festival, estava na sala. Miguel Honrado, a quem todos os dedos têm estado apontados com a polémica em torno da revisão ao decreto-lei que regulamenta a Lei do Cinema, que mantém nas mãos da Secção Especializada do Cinema e do Audiovisual (SECA) o poder da escolha dos júris para os apoios ao cinema.
Depois de uma conferência de imprensa em Lisboa, organizada pelos críticos à solução defendida pela tutela para a escolha dos júris, e da recusa de todos os realizadores portugueses em Berlim de um convite para um jantar na embaixada portuguesa com Miguel Honrado, veio o prometido protesto em forma de petição para entregar a António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa, e que depressa chegou às páginas da “Variety” e do “Libération” e juntou já centenas de assinaturas de personalidades nacionais e internacionais, entre elas os diretores dos festivais de cinema de Cannes, Veneza e Locarno, Thierry Frémaux, Carlo Chatrian e Alberto Barbera, respetivamente, mas também dois dos programadores da Berlinale, os responsáveis da Cinemateca Francesa e do Centro Pompidou, e realizadores como Pedro Almodóvar, Mia Hansen-Love, Christophe Honoré, Todd Solondz, Andrei Ujic, Gianfranco Rossi, Kléber Mendonça Filho ou Phillipe Garrel, uma lista que continua a crescer.
No sábado, à margem da apresentação de um novo programa de incentivos financeiros do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) para produções estrangeiras realizadas em Portugal, o secretário de Estado disse ao i que o diálogo não estava esgotado, ao contrário do que afirma o grupo de produtores e realizadores que protesta contra a revisão ao decreto-lei, não admitindo, no entanto, a possibilidade de devolver ao ICA o poder de decisão dos júris dos concursos para os apoios ao cinema e ao audiovisual.
Já depois de lançada esta “Carta de Protesto e Solidariedade” que, por exemplo, o “Libération” publicou na íntegra com o título “Preservar o milagre português”, o ministro da Cultura, que se tem mantido praticamente em silêncio sobre este assunto, afirmou que a posição da tutela se mantinha. A proposta de alteração é “um passo à frente em relação à lei anterior, na medida em que dá muito mais peso aos criadores, aos produtores, dos júris, embora não exclua deles os financiadores”, disse Luís Filipe Castro Mendes. “Aquilo em que estamos em divergência com esses produtores e realizadores é apenas que nós consideramos que os financiadores não devem ser completamente excluídos e postos de parte do processo de decisão.”
Cláudia Sobral, em Berlim