A escola está a mudar. Tablets e TPCs diferentes aliviam costas dos alunos

Há direções escolares a arriscar novos modelos mas o caminho ainda não reúne consenso. Certo é que o peso das mochilas preocupa. “Tenho dois casos de escoliose por turma”, diz professor

É meio da semana, quase nove horas da noite. No metro em direção a Telheiras, em Lisboa, são várias as pessoas a caminho de casa depois de um dia de trabalho. Sentados, com manuais de Estudo do Meio e Língua Portuguesa na mão, uma mochila entre as pernas e um caderno de linhas debaixo do braço, pai e filho falam dos trabalhos para casa a entregar no dia seguinte. Para “amanhã é esta cópia, esta ficha e, deste livro, é isto”, diz o pequeno ao pai, que em conversa com o i confessa que “é um exagero de trabalhos para casa”. O filho tem seis anos e ainda tem tudo por fazer. “Estamos agora a ir para casa e veja que horas são. Não há tempo para brincar.”

Numa altura em que mais de 47 mil pessoas já assinaram uma petição contra o peso excessivo das mochilas escolares em Portugal, pais, professores e estudantes são unânimes de que este não é o único problema na vida escolar das crianças.

Uma escola sem TPC

No Agrupamento de Escolas de Carcavelos, testa-se há seis anos um modelo em que se aboliram os trabalhos de casa, mas foi só há três anos que a direção tornou a decisão oficial. Adelino Calado, diretor do agrupamento desde 2003, explica o motivo: os miúdos já passam “demasiado tempo na escola”.

Ao aperceberem-se de que, muitas vezes, os deveres eram feitos pelos pais, ou copiados entre colegas, decidiram mudar de abordagem. E funcionou. Os trabalhos, que antes eram vistos quase como um castigo, hoje são encarados como “formas de consolidação das aprendizagens significativas” desde os primeiros anos de ensino pré-primário até aos anos mais avançados. Calado explica que tem de haver uma forte relação entre a família e a escola, de modo a que as crianças possam ver, em casa, a utilidade do que aprenderam. Quando isto é feito, chegam aos níveis de escolaridade mais elevados já com o hábito de estudo autónomo a fazer parte da rotina.

Numa escola em que desde cedo a independência dos alunos é levada a sério, os testes também não fazem parte do menu escolar. Em Carcavelos, os alunos são testados de forma contínua, tema a tema, a partir de fichas, grelhas de observação e outros métodos alternativos: “Não se acumula matéria, logo não se esquece o que se estudou assim que se sai do teste”. Os resultados são muito positivos, garante o diretor. A escola, que em 2003 tinha 400 alunos e hoje tem mais de 2500, é há cinco anos a melhor escola do concelho de Cascais nos exames nacionais de 9.º ano.

Deixem-nos brincar

Adelino Calado diz que as escolas têm “imensa autonomia pedagógica, só que não a exercem; há pouca vontade de arriscar. Fazer uma coisa diferente dá muito trabalho e é um risco”. Porém, uma das maiores dificuldades está no facto de os pais “quererem o tempo dos filhos completamente supervisionado e o que acontece é que os miúdos não têm tempo para fazer asneiras”. Segundo o professor, se os alunos não têm tempo para fazer asneirar em casa, “está claro que o vão querer fazer na escola”. E o resultado está à vista: tem aumentado a indisciplina dentro da sala de aula. Por isso, defende, cabe às escolas encontrarem o melhor plano para criar um equilíbrio desde cedo e foi isso que procuraram fazer.

Se para Adelino Calado o rumo da escola do futuro é claro, os pais também têm os seus reparos. Maria Manuel tem três filhos na escola – o mais novo tem oito anos e a mais velha 15 –– e garante que a sua família tem uma grande vantagem que sempre permitiu que as crianças tivessem tempo para atividades lúdicas: “Mostro-lhes sempre que um adulto tem uma vida muito mais complexa que a deles, por isso o mínimo que eles têm de fazer é organizar-se. Mas a nossa grande vantagem é mesmo poder viver muito perto das escolas”.

A evolução vai passar pelo digital

Se o tempo que os pais demoram a ir pôr e buscar as crianças à escola, com cada vez menos autonomia nas deslocações e vidas profissionais mais complicadas, pode ser mais uma variável a pesar na reformulação da relação entre escola e a família, há mudanças em curso que parecem mais inevitáveis.

Em Santa Maria da Feira, há um colégio a explorar estes novos oceanos. Chama-se escolaglobal® e, no último ano letivo, iniciou um projeto apoiado pela Microsoft que transformou a forma de aprender e de estar na escola.

Uma preocupação frequente da associação de pais era o peso exagerado das mochilas, explica o diretor Nuno Moutinho, mas não foi apenas esse tema – que agora voltou a estar na ordem do dia – a precipitar a mudança. “O objetivo não foi apenas reduzir o peso, quisemos trazer o digital para dentro da sala de aula e trabalhar as competências do século XXI nos alunos”.

No primeiro ano do projeto, os alunos usavam única e exclusivamente o tablet, sem qualquer recurso aos livros em papel. Em termos pedagógicos “correu bem” mas, este ano, o modelo acabou por ser revertido e os manuais voltaram como complemento. “Os alunos continuam a trazer o suporte digital mas, em casa, usam-no apenas como recurso alternativo aos livros, caso haja algum tipo de avaria com os tablets, já que era arriscado ter só o formato digital”.

Os tablets ou computadores – dependendo do ano de escolaridade dos alunos – são pagos na mensalidade do colégio. Os tablets custam, na pré-primária e no primeiro ciclo, 13 euros/mês. No 5.º ano, os estudantes mudam para um computador mais avançado, que sai a 22,5 euros mensais. O projeto termina no final deste ano e os dispositivos ficam para os alunos. Contas feitas, o custo final dos tablets para as famílias é de 260 euros e os notebooks ficam por 450 euros.

Para Nuno Moutinho, se o futuro passar mesmo por mais tecnologia na sala de aula, há problemas burocráticos a resolver. “Há uma legislação absurda em que o IVA a pagar pelos manuais em papel é de 6% mas, se forem digitais, a taxa é de 23%. Não faz sentido algum: o conteúdo é o mesmo e os livros em papel são muito menos ecológicos”.

No caso desta escola, o contrato feito com a editora oferece o manual digital na compra dos livros impressos, mas nas aulas os estudantes usam uma app que não exige ligação à internet. Basta o aluno autenticar-se uma vez por mês e passa a ter acesso a tudo em offline.

Para o diretor do colégio, o projeto acabou por ter um preço mais alto porque quiseram equipamento e software mais avançados, mas Nuno Moutinho acredita que o Estado poderia conseguir valores mais apelativos. O retorno mede-se na motivação dos alunos, garante.

Os pais estão Céticos

Se por um lado querem que os filhos transportem menos peso nas mochilas, este novo mundo tecnológico ainda não convence logo todas as famílias. Nuno Moutinho reconhece que os pais tiveram medo do projeto, por temerem que os filhos passassem a usar os dispositivos para jogar nas aulas. Com o tempo, porém, viram benefícios, diz o diretor do colégio de Santa Maria da Feira.

António, pai de três alunas em escolas da grande Lisboa – onde a entrada de tablets ainda não é uma realidade –, está preocupado com o peso das mochilas mas recusa que a solução passe pela digitalização das aulas. Este encarregado de educação está entre os signatários da petição que chegará ao parlamento esta semana mas nem quer ouvir falar de gadgets e lembra, com amargura, o mau investimento que fez, há uns anos, ao comprar o Magalhães para as filhas. “Foi o maior barrete que cometi na vida: o computador nunca foi utilizado na escola”.

Para António, uma das soluções possíveis para acabar com o peso das mochilas seria, simplesmente, uma melhor oferta de cacifos. “Posso parecer conservador, mas sou apenas muito cético. Luto todos os dias para que elas leiam livros e já dão demasiado uso ao digital no dia-a-dia”.

Se a estratégia a seguir não é consensual, é certo para todos que alguma coisa tem de mudar. Lennart Girard, alemão e professor de Educação Física em Lisboa, não vê grandes diferenças entre o sistema de ensino na Alemanha e em Portugal. O peso das mochilas dos seus estudantes é algo que o preocupa e também existe no seu país de origem, mas cá consegue dizer o que representa. “Tenho pelo menos dois casos de escoliose em cada turma”, conta. Para o professor, as escolas já deviam estar muito mais avançadas no processo de digitalização mas esta não é a única forma de resolver o problema. “Há outras soluções, como mochilas que garantem uma maior estabilidade ao nível da coluna. As escolas também deviam ter cacifos maiores”, exemplifica.

Maria Manuel, que também assinou a petição, só quer que a solução avance, mas com bom senso. O filho mais novo, de oito anos, tem uma escoliose e tudo indica que poderá ter sido causada pelo peso da mochila. Para esta mãe, a entrada no mundo digital é incontornável, mas deve ser ponderada para garantir o acesso de todos. “Implicaria uma mudança tão radical e tão grande para o país que teria de ocorrer de forma gradual.”