Na segunda audiência do caso Vistos Gold, Manuel Jarmela Palos, antigo diretor nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), afirmou que nunca se sentiu “pressionado por este ou qualquer ministro” com quem trabalhou. Palos forneceu detalhes sobre a relação entre Miguel Macedo, António Figueiredo (presidente do Instituto de Registos e Notariado), os presentes que este último tentou oferecer a membros do SEF e o telefonema feito “sem querer” para o responsável pelo Ministério da Administração Interna.
O procurador José Nisa voltou a questionar Jarmela Palos sobre o paradeiro das garrafas de vinho alegadamente oferecidas pelo casal Zhu, também arguido no processo, ao que o ex-diretor do SEF respondeu nunca ter recebido os ditos presentes e que o seu organismo guardava apenas os “presentes institucionais”.
No seguimento destas declarações, Jarmela Palos revelou ainda que, no Natal de 2013, foi contactado por uma das suas secretárias, que lhe disse que António Figueiredo tinha estado no SEF e deixado na portaria dois envelopes com 100 euros cada.
“Quando voltei a ver António Figueiredo, devolvi o dinheiro. Disse-me que este era para as secretárias comprarem um perfume e que tinha deixado o dinheiro lá porque não sabia qual a marca” de que gostavam, revelou o responsável, dizendo que, quando confrontou o antigo presidente do IRN, manifestou o seu desagrado.
José Nisa confrontou ainda Jarmela Palos sobre o facto de existirem várias escutas em que António Figueiredo e Zhu discutem se devem dar algo ao antigo diretor do SEF. “Nunca recebi nada e [essa acusação] deixa–me indignadíssimo. Magoa-me esta chancela que me atribuíram. Se consegui o que consegui foi à custa de trabalho e dedicação”, afirmou.
Uma chamada acidental e duas com um propósito
Jarmela Palos revelou que, no dia em que saíram as primeiras notícias relacionadas com irregularidades na atribuição de vistos gold, fez acidentalmente uma chamada para Miguel Macedo. “Devo ter marcado o seu número de telemóvel sem querer. Não foi minha intenção ligar ao ministro [da Administração Interna], mas acabámos por falar [sobre as notícias do dia]”, revelou.
O antigo diretor do SEF disse ainda que recebeu duas chamadas de Miguel Macedo: uma a respeito da criação de um oficial de ligação na China e outra a propósito de um possível encontro com um empresário que queria trazer doentes líbios para Portugal. Palos declarou que foi o ministro da Administração Interna que lhe ligou com a intenção de sugerir a criação do cargo de oficial de ligação em Pequim. “Este pedido não surgiu do nada, não foi uma ideia espontânea, era um desejo antigo do SEF e não achei que o telefonema de Miguel Macedo fosse algo extraordinário. [O ministro] já se tinha pronunciado anteriormente sobre a necessidade da criação deste oficial de serviço”, cargo que o Ministério Público suspeita que teria como objetivo satisfazer os “interesses de natureza privada e lucrativa prosseguidos conjuntamente pelos arguidos Jaime Gomes, António Figueiredo” e o empresário chinês Zhu Xiadong – agilizando os processos administrativos relacionados com os vistos gold. Palos negou tal ideia, pois “o oficial de ligação depende do embaixador e não tem capacidade de decisão”.
O segundo telefonema de Miguel Macedo estaria relacionado com o seu sócio e amigo de adolescência Jaime Gomes. De acordo com o depoimento do ex-diretor do SEF, o então ministro da Administração Interna perguntou-lhe se tinha condições para receber um empresário que queria implementar um programa de vinda de doentes líbios para Portugal, para receberem tratamentos. Este programa seria levado a cabo pela Intelligent Life Solutions (ILS), empresa de Lalanda e Castro e à qual Jaime Gomes pertencia. “Apresentou-me o projeto e comuniquei-lhe que este teria de ser um assunto tratado também com o Ministério dos Negócios Estrangeiros”, afirmou Palos. Recorde-se que em causa estão as alegadas pressões feitas por Macedo para que houvesse uma decisão favorável num processo de natureza tributária relativo ao IVA no qual a ILS era visada.
À saída do tribunal, João Medeiros, advogado de Jarmela Palos, disse que o seu cliente teve a oportunidade “de esclarecer os factos como na sua ótica aconteceram”. Se estas declarações lhe podem ser favoráveis? “Apenas o futuro o dirá”, respondeu.