O anteprojeto do Bloco de Esquerda sobre a despenalização da morte assistida define que “se o parecer do médico especialista não for favorável à antecipação da morte do doente, o procedimento em curso é cancelado e dado por encerrado”. O documento foi já divulgado e define as condições em que “uma pessoa com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e em sofrimento duradouro e insuportável” pode, por decisão própria, antecipar a morte. Essa possibilidade está vedada a menores e a pessoas com problemas de saúde mental, ou seja, que não sejam capazes de “entender o sentido e o alcance do pedido”.
O procedimento clínico de antecipação da morte é aberto a pedido, por escrito, do doente – ou caso esteja impossibilitado de “escrever e assinar por pessoa da sua confiança” –, que escolhe o médico para acompanhar o processo. O profissional de saúde indicado deve informar o doente sobre “a situação clínica que o afeta, os tratamentos aplicáveis, designadamente na área dos cuidados paliativos” e “verificar se o doente mantém e reitera a sua vontade”.
Se for esse o caso, o Bloco de Esquerda propõe que o médico consulte um médico especialista. Se o parecer do especialista, na patologia que afecta o doente, não for favorável “o procedimento em curso é cancelado e dado por encerrado”.
Se o especialista confirmar que estão reunidas as condições definidas para que uma pessoa possa pedir a antecipação da morte, o doente será confrontado com o conteúdo do parecer e consultado sobre se mantém essa intenção.
Se algum dos médicos envolvidos neste processo tiver dúvidas sobre a capacidade do doente para “solicitar a antecipação do fim da vida”, é obrigatório pedir um parecer a um psiquiatra. O procedimento é cancelado se o doente for portador de “perturbação psíquica que afecte a sua capacidade de tomar decisões”.
Doente escolhe local
Se nenhum destes pareceres colocar entraves ao pedido para antecipar a morte, o médico deve voltar a verificar se o doente mantém essa vontade e combinar com este o dia, a hora, o local e o método a utilizar. Os locais autorizados para este acto serão os estabelecimentos de saúde do SNS e do setor privado, mas o doente pode optar por morrer na sua casa ou escolher outro local. Poderá ainda indicar as pessoas que, para além dos profissionais de saúde, podem estar presentes no acto de antecipação da morte.
Objeção de consciência
O anteprojeto do BE, que vai ser discutido e pode ainda sofrer alterações antes de ser apresentado para debate no parlamento, define ainda que os médicos poderão recusar “praticar ou ajudar ao acto de antecipação da morte de um doente”. O médico deve comunicar essa decisão ao doente num “prazo não superior a 24 horas e especificar as razões que o motivam”.
O BE quer levar este assunto à Assembleia da República até ao final da legislatura. Não é fácil prever se a iniciativa poderá ter sucesso, já que PS e PSD vão dar liberdade de voto aos seus deputados. O CDS foi, até agora, o único partido a assumir uma posição oficial contra a despenalização da morte assistida.
A discussão sobre a eutanásia começou há um ano com o lançamento de um manifesto pelo movimento cívico “Direito a morrer com dignidade”. Este movimento integrou pessoas de vários quadrantes políticos. João Semedo, Paula Teixeira da Cruz, Rui Rio e Isabel Moreira estiveram entre as mais de 100 personalidades que lançaram um manifesto a defender que “é imperioso acabar com o sofrimento inútil e sem sentido, imposto em nome de convicções alheias”.