Há pouco tempo, a deputada Berta Cabral, do PSD, respondeu a um deputado do PS acusando a sua geração de “estar de cabeça perdida”. Como alguém que lidera uma juventude partidária, como ouviu essas palavras?
Ouvi-as com bastante apreensão e com bastante tristeza, naturalmente. Mas momentos depois percebi que se tratou de um lapso, que acontece. A intenção da deputada não foi dizer que a minha e nossa geração estaria de cabeça perdida. O que quis dizer, num momento mais acalorado do debate, foi que o deputado da Juventude Socialista estaria de cabeça perdida e que isso não serviria os interesses dos jovens que ele representava. Estávamos, ainda por cima, num debate do Orçamento do Estado, em que a atenção mediática é redobrada.
Acha que o outro lado se aproveitou do lapso?
Faz parte da lide parlamentar. Eu não posso criticar o deputado da Juventude Socialista por ter cavalgado a onda no calor do debate. Não sei se faria o mesmo, provavelmente teria optado por outra atitude, talvez dissesse “senhora deputada, porventura enganou-se, queira reformular”, mas não consigo condenar que quem esteja no exercício da palavra num debate parlamentar aproveite o lapso de outrem. É natural.
Tradicionalmente, a JSD tem o hábito de estar mais à esquerda que o partido, que o PSD. Consigo também é assim?
A JSD sempre foi, ideologicamente, um pouco mais à esquerda que o PSD. Por vezes, dependendo dos líderes, até bastante mais à esquerda.
E o Simão não é uma exceção?
Não. Considero-me um político de centro–esquerda. Em questões sociais considero–me à esquerda do PSD em muitas matérias, nomeadamente em questões fraturantes, desde a questão do aborto ao casamento homossexual e à adoção por casais do mesmo sexo. A JSD, aí, esteve sempre à esquerda. Mas há uma exceção, que são as matérias de toxicodependência.
Em que sentido?
Nos últimos quatro anos procurei ter um papel importante na comissão de Saúde em tudo o que tem a ver com essa matéria.
Aí é menos liberal?
Sim, por razões e factos evidentes relacionados com a saúde pública. Não é uma questão moral. O Estado não deve ter um papel de moralidade na sua relação com o indivíduo.
Quando a ministra da Justiça do último governo do PSD, a deputada Paula Teixeira da Cruz, sugeriu a legalização das drogas leves para evitar o branqueamento de capitais, não a acompanhou nessa ideia?
Não. É uma convicção pessoal minha, fundamentada em documentos dos melhores toxicologistas nacionais e internacionais que demonstram os efeitos negativos para a saúde dos jovens do consumo de drogas leves. Não é uma posição correta na forma de viver. As drogas leves, de leves, não têm nada. É falacioso achar que a sua liberalização terá um retorno económico ou fiscal porque terá efeitos na despesa do Sistema Nacional de Saúde. A médio prazo, seria preciso tratar essas pessoas.
Nunca fumou um charro?
Não. Não critico quem o faça, não sou um moralista, sou um defensor das liberdades individuais e da felicidade de cada um, e acho que o Estado não se deve meter nisso… desde que não prejudique terceiros.
E do ponto de vista económico, também está mais à esquerda?
Economicamente, em teoria, sou bastante liberal. Acredito que o Estado deva ter cada vez mais uma função reguladora – e fortemente reguladora –, e não paternalista. O Estado não pode ser pai, mãe, sobrinho, tio… não se pode meter em tudo. Deve ser mais leve. Deve garantir tendencialmente a gratuidade dos serviços, mas não tem de ser dono deles.
Não é polémico assumir-se como liberal em Portugal?
É sempre polémico, mas mais polémico seria mentir e fingir que sou uma pessoa que não sou.
Do mesmo modo que Pedro Passos Coelho fez uma transição de presidente da jota mais à esquerda para um líder de partido mais de centro-direita, vê isso acontecer consigo?
O presidente do partido é um bom exemplo do código genético da JSD. Acho que essa transição não tem muitas vezes a ver com um registo político, mas sim com a constituição da pessoa e a sua vivência. O que aconteceu com Pedro Passos Coelho é muito produto da sua vida, das responsabilidades que o foram moldando, o que é humano e natural. Eu não consigo dizer-lhe aquilo em que vou transformar–me no futuro. Sei dizer-lhe aquilo em que acredito hoje.
É militante da JSD há 17 anos. Há algum preconceito contra a jota?
A maioria dos rótulos pecam por alguma injustiça. Muitas vezes não consigo compreender a sociedade que temos desse ponto de vista. Se perguntarmos se deve haver renovação da sociedade política, entrada de novos quadros e novos valores, a maioria dos portugueses dirá que sim. Mas, ao mesmo tempo, achincalham os jovens portugueses que querem fazer política. Há aqui um contrassenso. Sei que para muitos dos que leem esta entrevista sou um cadastrado: sou um jotinha, um carreirista que fez política a vida toda.
E não é?
Para mim, o exercício da política é das atividades mais nobres que pode haver e eu não preciso dela para viver. Orgulho-me dessa liberdade. Permite-me dizer o que penso. No dia em que não fosse assim sairia da política, não estaria a acrescentar nada. Há um conjunto de problemas associados à imagem que as pessoas têm da política e, sobretudo, das juventudes partidárias.
Em que sentido?
Há um desconhecimento quase total daquilo que é feito nas juventudes partidárias. É muito mais fácil conseguir vincular uma posição com uma postura agreste, a dizer mal de alguém, do que com uma proposta construtiva. Isso é uma dificuldade para passar às pessoas a mensagem daquilo que fazemos. Mas assumo que durante alguns anos existiram maus exemplos nas juventudes partidárias.
Por exemplo?
Não vou personalizar a questão.
Exemplos de situações que o Simão não faria.
Por exemplo, deputados da JSD que cometiam abusos em termos de cidadania, usando desse estatuto para o fazer, e em nada contribuíram para a boa imagem das jotas. Se compararmos a vida partidária com a vida empresarial, alguém que teve uma conduta errada numa empresa é responsabilizado por isso. Num partido somos todos responsabilizados por isso.
Aos 14 anos, idade que tinha quando se inscreveu na JSD, está-se preparado para fazer política?
Sentia-me preparado para aprender e para discutir. Tinha uma curiosidade enorme, ia assistir às assembleias de freguesia!
Com as outras jotas, como a Juventude Popular, mais conservadora, e a Juventude Socialista, mais progressista, onde é que está exatamente a Juventude Social Democrata?
Não sendo favorável às drogas leves, como já falámos, sou favorável, por exemplo, à legalização da prostituição. Aliás, antes de a Juventude Socialista vir defender essa bandeira, nós já o tínhamos feito dois anos antes. Sou totalmente favorável à legalização da prostituição.
E é católico?
Sou. Isso são determinados dogmas que as pessoas constroem, e não vejo que isso possa ferir a minha perceção do catolicismo. A questão é simples: saúde pública e dignidade da pessoa humana. A zona cinzenta legislativa em que nos encontramos é que não, permite todas as atrocidades e abusos que ainda hoje acontecem. Nós temos gente mais à esquerda e gente mais conservadora. Não é à toa que se diz que o PSD é o partido mais português de Portugal. A JSD também é um pouco assim. Agora, nós não embarcamos em modas e em sound bites. Analisamos a razoabilidade de cada proposta.
Está a dizer que não é fundamentalista.
Sim. Muitas vezes, as discussões perdem por esse fundamentalismo, que conduz à cegueira ideológica. Se o debate for razoável, é mais fácil perceber as posições das minorias e apoiá-las.
Sobre o PSD ser o partido mais português de Portugal: como se vencem as legislativas, se vencem as presidenciais e toda a gente tem candidato à câmara municipal da capital menos o PSD?
Em primeiro lugar, nós não ganhámos as presidenciais, o prof. Marcelo Rebelo de Sousa é que ganhou. O PSD recomendou o voto na sua candidatura – claro que é um ex-líder do PSD, claro que temos a maior simpatia e uma estima elevadíssima pelo prof. Rebelo de Sousa, claro que ficamos felizes por ele ter ganho –, mas as eleições presidenciais não são partidárias.
Mas havia uma estrutura, até da JSD, por trás da candidatura do prof. Marcelo…
Claro, há um carinho enorme! Mas é importante separar as eleições a nível conceptual. Nós ganhámos as legislativas porque mantemos uma linha de coerência. Sobre as autárquicas, a opinião pública diz que não há candidato a Lisboa, mas não sabemos se porventura não há. Não sabemos se não está a ser medido o timing correto para a apresentação do candidato… É uma não questão. Durante meses antes das legislativas também disseram que o PSD ia ser um desastre e, afinal, revelou-se uma maioria silenciosa, moderada.
Foram o conhecido envolvimento que mantém com as bases da sua terra natal – Lousada – e uma vida parlamentar ativa que atrasaram os seus estudos?
Foram, sem dúvida nenhuma. Não é um exemplo e eu reconheço-o. Talvez um dos maiores erros da minha vida foi fazê-lo, mas não acho que deva ser condenado por isso. Não deixei de o fazer para andar propriamente na boa vida. É uma matéria que irei colmatar e não me sinto nada diminuído.
Tinha apoio familiar para continuar na vida política?
Nem por isso. Por vontade da minha família, não faria política profissional e estaria na minha vida profissional há muito tempo. Nunca foi vontade da minha família que eu estivesse na vida política, bem pelo contrário.