André Silva. “Este projeto visa garantir um direito fundamental que está por cumprir”

O BE tinha apresentado, na semana passada, o anteprojeto de lei sobre a morte medicamente assistida. Agora foi a vez do PAN entregar, na terça-feira, a sua iniciativa legislativa sobre a eutanásia.

 O diploma, composto por 34 artigos,  prevê que seja assegurado aos médicos o direito à objeção de consciência e que o “pedido de morte medicamente assistida apenas é admissível nos casos de doença ou lesão incurável, causadora de sofrimento físico ou psicológico intenso, persistente e não debelado ou atenuado para níveis suportáveis e aceites pelo doente ou nos casos de situação clínica de incapacidade ou dependência absoluta ou definitiva”.
Ao i, o deputado André Silva esclareceu as principais questões sobre o projeto de lei. 
 
O PAN é o único partido com assento parlamentar cujo programa eleitoral contemplava as questões da eutanásia. Sente uma responsabilidade acrescida ao apresentar este projeto de lei?

Sim. O projeto do PAN reflete precisamente a responsabilidade que assumimos, neste momento em que o debate político e social se está a fazer, uma vez que o posicionamento favorável à despenalização da morte medicamente assistida constava do nosso programa eleitoral. Resulta também de um intenso processo de estudo e de audições, que se iniciou em março de 2016 e que incluiu a participação no grupo de trabalho para discussão da petição sobre este tema na Assembleia da República, o que, para uma estrutura ainda bastante reduzida como o PAN, representa um enorme empenho e o investimento de tempo e de recursos que são escassos. 

No seguimento da questão anterior: considera que o seu partido tem uma legitimidade diferente para apresentar um projeto de lei?

Para nós, verdadeiramente importante é manter a coerência com aquilo a que nos propusemos de forma muito transparente nas últimas eleições legislativas. Percebemos que em vários assuntos, seja porque motivos forem, ainda não nos reconhecem a credibilidade ou capacidade de influência suficiente para aprofundarem algumas iniciativas legislativas do PAN com o mesmo interesse que as de outros partidos que já têm mais caminho, mas isso só faz com que continuemos a trabalhar e apresentar propostas com cada vez mais qualidade. Esta é uma proposta séria que resulta de um trabalho sério.

Que tipo de especialistas participaram na elaboração deste projeto de lei?

Entre audições, reuniões realizadas e colaborações mais próximas, contribuíram especialistas na área do Direito, na área das Ciências da Saúde e da Bioética, nomeadamente constitucionalistas, penalistas, médicos, enfermeiros, investigadores na área da filosofia, entre outros. Direta e indiretamente, este texto resulta da colaboração de cerca de duas dezenas de especialistas.    

Para além da colaboração destas pessoas, foi ainda consultada literatura de autores que há muito analisam e debatem estas questões, em torno das controvérsias médica, ética e jurídica. Foi também determinante a análise comparativa da legislação nesta matéria nos vários países do mundo que já despenalizaram a morte medicamente assistida, estudo que muito competentemente a Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar elaborou a pedido do PAN. 

A pessoa que pedir para morrer terá de o fazer reiteradamente? 

Claro, nem poderia ser de outra forma, o doente terá que reiterar o pedido. Este é formulado por escrito junto de um médico à sua escolha, o qual designamos por médico assistente. Para além deste, é necessária ainda a intervenção de outros dois médicos (um especialista na patologia do doente e outro especialista em psiquiatria), devendo o doente reiterar o seu pedido também junto destes. O médico assistente deverá conversar com o doente o número razoável de vezes de modo a, em consciência, se aperceber se a vontade deste, manifestada no pedido, se mantém. Este dever recai também sobre os restantes médicos. O pedido nunca poderá ser deferido se os médicos envolvidos não tiverem a convicção que este é voluntário e que foi proferido de forma séria, refletida, reiterada e livre de quaisquer pressões externas. O pedido poderá ser revogado pelo doente a todo o momento. 

O projeto impossibilita menores ou pessoas com doenças mentais de pedir a antecipação da morte. O projeto de lei prevê alguma exceção?

Não estão previstas quaisquer exceções. Os doentes menores, ainda que emancipados, ou os portadores de doença do foro mental, estão impedidos de aceder à morte medicamente assistida. 

Já referiu várias vezes que há muita desinformação sobre este assunto. Qual é o ponto que considera que carece de mais esclarecimento?

O problema é que, na tentativa de provarmos “desesperadamente” que a “minha verdade é melhor que a tua” não nos lembramos que, de facto, a falta de informação e de conhecimento sobre determinadas matérias traz um espaço perigoso para alarmismos e para a tradicional “política do medo”. O objetivo do PAN é continuar a contribuir para uma reflexão construtiva num tema que nos pede a todos para abandonar os preconceitos e as ideias fechadas. Queremos, acima de tudo, que este debate se desenvolva à margem das lutas tradicionais partidárias e se possa superar a infrutuosa categorização do tema entre a direita e a esquerda, unindo-nos num elevado compromisso com os cidadãos no esclarecimento sobre o que está verdadeiramente em causa: conceder às pessoas que assim o entendam o inequívoco direito de viver com dignidade a última fase da sua vida, ou seja, permitir uma escolha a quem está em sofrimento insuportável mantendo e respeitando os direitos e crenças daqueles que, por qualquer razão, não concordam e não se reveem nesta possibilidade. Este projeto de lei visa garantir um direito humano fundamental que está por cumprir, reconhecendo que não cabe ao Estado impor aos cidadãos uma conceção do mundo e definir como estes devem levar a sua vida.

Acredita que o projeto será votado até julho?

Para dar espaço a uma reflexão social alargada o PAN ainda não definiu a data de agendamento desta proposta. O momento agora é de informar e debater com todos.