Campeonato. Dos incêndios da Choupana ao comboio fantasma da Feira

A luta pelo título continua fervilhante! A cada golpe de um, responde o outro com um contragolpe. Ninguém baixa a guarda. De tal forma que o resto do campeonato fica para um desinteressante segundo plano quase sem história

Benfica e FC Porto – aqui por ordem alfabética ou, se preferirem, por ordem classificativa – estão a dominar de tal forma as atenções dos adeptos de futebol em Portugal que, desculpem lá os outros, envolvidos em tricas menores, os fins de semana colocam todos os olhos assestados neles, ainda por cima nesta batalha de golpe e contragolpe, um a jogar primeiro e o outro logo a seguir, um a ganhar vantagem e o outro a recuperar distâncias ou, como no sábado, o dragão a ganhar a dianteira para a perder duas horas depois. Convenhamos: tal como na época passada, este ombro a ombro é excitante, agora com o azul a substituir o verde, mantendo-se o tom vermelho.

E um azul brilhante, pelo que se viu nas Antas. Claro que o nacional da Madeira não é, propriamente, um bicho-papão como aqueles que povoam os pesadelos das criancinhas de sonos leves – apesar de tudo, costuma criar problemas ao FC Porto, de quando em vez – tanto assim que, depois de ter visto o dragão deitar-lhe fogo à Choupana, perdendo por 0-4 na Madeira, foi agora absolutamente incendiado. A quatro pontos da linha de água, os rapazes do Funchal parecem escorregar para um afogamento definitivo nos mares da II Divisão. A forma como a equipa de Nuno Espírito Santo – que depois dos nervos do Bessa, parece ter voltado à sua habitual tranquilidade – desfez qualquer tipo de resistência do adversário a partir da meia hora e foi, daí em diante, calcetando a estrada de tijolos amarelos de uma goleada das antigas, teve o seu quê de impressionante. Não será muito difícil apostar que o FC Porto vive a melhor fase da época, e estão aí oito vitórias consecutivas para o campeonato que o confirmam. Deixemos de lado a derrota tão natural como esperada face à Juventus. A realidade é tão evidente, tão clara e límpida como os olhos da Michelle Pfeiffer. A Liga dos Campeões é, para as equipas portuguesas, um mundo tão extraordinário como a Ilha do Dr. Moreau de H.G. Wells. Vivem nela criaturas monstruosas e incontroláveis. Só um momento de pura graça pode dar-lhes contornos menos aterrorizantes.

Goleadores

A entrada de Soares no mercado de Inverno não pode ser ignorada nesta subida de forma do FC Porto. Golos e mais golos. Logo na estreia, no clássico frente ao Sporting, e logo dois, obra que repetiu no sábado, aos 55 e 71 minutos. Com o brasileiro na frente de ataque o dragão passou a ser mais agressivo, não apenas na forma como aborda os lances dentro da grande área adversária, mas também pela maneira como Soares se constitui numa barreira inicial à construção de jogo contrária. Tiro absolutamente certeiro num avançado que tem todas as condições para se tornar o principal candidato ao prémio de melhor marcador do campeonato, com licença de Bas Dost, André Silva (que caminham na sua frente em remates certeiros) e Mitroglou (que vai logo atrás). Com os 7-0 aplicados ao pobre Nacional, já mora nas Antas o melhor ataque da prova – 53 golos contra 52 do Benfica. Tão distantes de todos os outros que, mais uma vez, se sublinha esta ideia de que o resto é paisagem. E, como resto, contabiliza-se uma guerrazinha de alecrim e manjerona pelos lugares europeus, sejam eles o do play-off para a Liga dos Campeões, com todas as condicionantes que o rodeiam, ou os da Liga Europa que tão, tão mal correu este ano às equipas aqui do retângulo atlântico que o mar parece não querer, como diria Ruy Belo.

Comboio fantasma

Não se livrou Dona Águia de um susto na Feira. Em Santa Maria da Feira, bem entendido. Se, apesar de tudo, saiu de lá com uma vitória – e soma sete consecutivas nos últimos sete jogos, para todas as competições – escassa, pela margem mínima (1-0 por Pizzi), reconheça-se que em termos exibicionais as coisas têm andado pelos serviços mínimos, como costuma dizer-se nas conversas de café. Entre a barraca dos espelhos e o comboio fantasma, a equipa de Rui Vitória precisa de olhar para dentro de si própria e perceber a má condição evidente de alguns dos seus jogadores. É essa má condição – e também um ou outro equívoco do seu técnico que, frente ao Feirense, por exemplo, não definiu com clareza quem era o auxiliar do ponta-de-lança, deixando por ali Zivkovic e Sálvio numas funções meio hibridas e motivadoras de confusão – que impede o Benfica de dominar os jogos como já dominou em certa altura da época. A falta de Fejsa no meio-campo é, na verdade, significativa, mas não explica tudo. Claro que, nos momento em que o estilo vai-a-todas de Samaris perde em subtileza e clarividência, os encarnados vêm-se privados de ideias básicas na construção e carregam as costas de Pizzi com responsabilidades que não deviam ser totalmente dele. Na Feira, o 21 do Benfica tirou uma pomba branca do chapéu num truque vistoso que garantiu a vitória. E manteve a sua equipa na liderança de uma classificação que vai caminhando para o seu momento do tudo ou nada.

Sexta-feira, preparando a incómoda viagem até Turim, o FC Porto vai a Arouca. De hoje a oito dias, há o Benfica-Belenenses. Depois teremos a águia em Paços de Ferreira e o dragão recebendo o Vitória de Setúbal. Aguentar-se-ão ambos sem que a relação pontual se altere? Veremos… Com a certeza, porém, que se assim for, o Benfica-FC Porto dos primórdios de Abril poderá dar, finalmente, uma ideia mais clara sobre o grande favorito ao título de campeão. Até lá, marcam-se homem a homem. Repetem as vitórias um do outro. São o centro de todos os acontecimentos da época do futebol português. E vão continuar a ser até ao fim.