1.Na semana passada, Marcelo Rebelo de Sousa foi a uma escola do Porto dar uma aula sobre a vida e obra de Francisco Sá Carneiro. Esta foi a primeira de uma série de aulas sobre a vida dos “pais fundadores” da III República Portuguesa: seguir-se-á a aula sobre Mário Soares, no Colégio Moderno, no próximo mês. O que é irónico é que no dia em que Marcelo evoca o exemplo de Sá Carneiro assume uma atitude que é a negação do próprio Sá Carneiro.
2.Com efeito, Francisco Sá Carneiro – que Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que teria chegado à Presidência da República, caso não tivesse falecido tão prematuramente, o que inviabilizaria as ambições políticas do próprio Marcelo – jamais criticaria, publicamente, em tom jocoso, o titular de um órgão do Estado, independente, como é a Presidente do Conselho Executivo do Conselho das Finanças Públicas.
3.Porque Francisco Sá Carneiro era um patriota e um institucionalista – não se conformava com os “assaltos ao poder” de partidos extremistas (quer à esquerda, quer à direita), nem contribuiria para o descrédito de instituições públicas.
Francisco Sá Carneiro saberia plenamente que a saúde da democracia também depende da saúde (leia-se, da credibilidade) das suas instituições.
4.Pois bem, Marcelo Rebelo de Sousa fez exactamente o contrário: criticou, em tom jocoso, quase de brincadeira, as declarações proferidas por Teodora Cardoso no exercício das suas funções, colocando em causa a credibilidade das instituições do Estado.
5.Ao dizer que “milagre só os de Fátima”, Marcelo Rebelo de Sousa- para além de cometer o pecado de invocar o nome de Nossa Senhora de Fátima em vão, acabando por gozar também com o milagre em cuja comemoração a Presidência da República se vai associar -, o Presidente fere de morte a seriedade, o prestígio do trabalho do Conselho das Finanças Públicas.
6.E Marcelo actua violando o seu dever constitucional: defender e promover o regular funcionamento das instituições democráticas.
Ora, o Conselho é um órgão do Estado, independente do Governo, que visa controlar as políticas orçamentais do Estado português – os seus membros não estão, por conseguinte, sujeitos a qualquer poder de controlo (de direcção, de superintendência ou sequer tutela) do Governo. Têm, isso sim, de actuar com independência do Governo, seja qual for o seu partido.
7. De facto, Marcelo Rebelo de Sousa ao criticar Teodora Cardoso e, por maioria de razão, o Conselho, no fundo, está a colocar em causa a independência do órgão.
Em vez de assegurar o regular funcionamento de um órgão que foi criado por exigência da “troika”, que contribui para a consolidação da nossa credibilidade internacional e que mereceu, no passado, rasgadíssimos elogios do então comentador da TVI, Marcelo Rebelo de Sousa – o agora Presidente Marcelo Rebelo de Sousa põe em causa o funcionamento regular deste órgão, ao criar condições objectivas para que a sua independência seja desafiada.
8.Note-se que, após as declarações do Presidente Marcelo, o próprio Governo, através de suas figuras de proa, sentiu-se na liberdade de criticar ferozmente Teodora Cardoso e o Conselho de Finanças Públicas.
O PCP – que está no Governo, não estando – até, pela primeira vez, sentiu-se confortável para ameaçar Teodora Cardoso de demissão (como se o Governo unilateralmente a pudesse demitir!) e propor a extinção do Conselho de Finanças Públicas! Inacreditável!
Ou seja: Marcelo Rebelo de Sousa, em vez de defender as instituições democráticas (onde se inserem também as entidades independentes, na administração do contemporâneo Estado regulatório), dá pretextos ao Governo – e aos partidos de extrema-esquerda – para atacar ferozmente a sua independência.
Parece que Marcelo quer que a extrema-esquerda e o extremo-PS capturem definitivamente o Estado…E politicamente o que parece, é.
9.Perguntarão os leitores: então no caso de anomalia no funcionamento das instituições políticas e de tentativas de partidarização do Estado, quem deve intervir?
A resposta seria: o Presidente da República. O problema é que, no nosso caso, com Marcelo Rebelo de Sousa, é o próprio Presidente que cria a confusão, que cria a polémica que abre caminho para os partidos de Governo atacarem a independência de órgãos que deveriam estar acima das agendas políticas a partidárias!
Aqui, quanto às críticas lamentáveis a Teodora Cardoso, foi o próprio árbitro que cometeu a falta e incentivou os jogadores adversários a fazer jogo perigoso contra a independência do Conselho de Finanças Públicas.
10. Enfim, a bem da integralidade do Estado português, façamos a interpretação benévola do comportamento de Marcelo Rebelo de Sousa: vamos admitir que se esqueceu que é Presidente da República.
Teve saudades do tempo em que era comentador e uma “pop star” televisiva…Pronto, está bem.
É que entre tantas iniciativas que fazem parte da sua agenda “não-oficial” (ou seja, que não é revelada publicamente) que incluem apresentações de livros, introduções a espectáculos, presenças televisivas, entre tantas outras, Marcelo, às tantas, esquece-se que tem uma “agenda oficial”. Esquece-se que é Presidente da República.
11.Fazemos, pois, de Lisboa para o Palácio de Belém, o apelo para que alguém recorde Marcelo de que é o Presidente da República em exercício de funções até 2021. E que este é um trabalho a tempo inteiro; não comporta intervalos ou interrupções.
Um triste, lamentável e perigoso (pelas reacções que suscitou) episódio.