Um coração artificial que carrega como um telemóvel

Hospital de Santa Marta implantou pela primeira vez um coração artificial permanente num doente de 64 anos com insuficiência cardíaca. “Agora fazemos tudo, queremos fazer mais”, disse ao i o médico que coordenou a equipa, José Fragata.

A poucos metros da sala onde o hospital deu a notícia ao país, o primeiro doente a receber um coração artificial mostrava sinais de recuperação. Durante o tempo que durou a conferência de imprensa, 24 horas depois da operação, na manhã de segunda-feira, foram-lhe retirados os tubos. Numa cama numa das pontas da unidade de cuidados intermédios do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica do Hospital de Santa Marta, o homem de 64 anos está rodeado de profissionais de saúde. Voltou a poder falar. Se tudo continuar a correr favoravelmente, dentro de 15 dias poderá ter alta.

Uma insuficiência cardíaca e um historial clínico que tornava impossível o transplante de coração, a opção convencional, eram até há poucos dias uma sentença de morte. 

O doente teve uma segunda oportunidade que foi, ao mesmo tempo, uma estreia nacional, liderada pela equipa do cirurgião José Fragata – que já há uns meses tinha feito história ao realizar um transplante cardíaco ao recém-nascido mais novo de sempre no país, uma menina com 70 dias de vida.

A identidade do doente não foi revelada, como é regra nestes casos. José Fragata contou ao i que o homem, uma pessoa ativa diagnosticada com insuficiência cardíaca há vários anos, era acompanhada na cardiologia de Santa Marta há ano e meio. Metade dos doentes com insuficiência cardíaca têm uma sobrevivência de dez anos após o diagnóstico. É uma doença grave, “pior do que uma neoplasia ultrapassada”, sublinhou o médico, que lida diariamente com estes casos.

 Para alguns, o transplante de coração é uma hipótese que pode prolongar a vida em mais dez anos. Mas Fragata explica que existem problemas: os corações de dadores em morte cerebral são poucos e é preciso haver um órgão compatível em tempo útil. Além disso, há pessoas que não podem passar pelo transplante.

Era o caso deste homem, que sofre de um problema renal e de um quadro clínico que não era compatível com a toma de imunossupressores para o resto da vida. “Tínhamos duas opções: deixá-lo entregue à sua sorte ou implantar-lhe um coração artificial.”

Há um ano que o serviço queria introduzir a técnica e visitou Lausana para se familiarizar com o procedimento, que envolve um dispositivo de suporte cardíaco de última geração, o HeartMate iii. Não é propriamente um coração robótico, todo de metal. O coração do doente mantém-se no lugar, mas passa a estar ligado a uma bomba que aspira o sangue do ventrículo esquerdo e o injeta na aorta – até aqui, só tinham sido feitos implantes temporários em que a circulação do sangue se processava fora do corpo, enquanto se esperava um dador.

O dispositivo está suspenso através de levitação magnética e “bate” 5 mil vezes por minuto, muito mais rápido do que o coração normal. Essa rapidez tem de ser compensada com a toma de anticoagulantes para que o mecanismo não entupa, pelo que nem todos os doentes são candidatos.

O aparelho está ligado a baterias que o doente poderá transportar junto ao corpo. Têm autonomia de 17 horas e podem ser carregadas ao final do dia “como um telemóvel”, explicou Fragata – com um carregador próprio.

Nestes casos, o hospital tem de comprar dois dispositivos, caso um falhe, o que representou um investimento de 200 mil euros.

A operação começou pelas 11h e terminou às 15h. No bloco estavam quase 20 pessoas, entre médicos a trabalhar e curiosos, técnicos, enfermeiros e auxiliares – um número elevado. Um sacrifício da paz para que a técnica possa repetir-se no futuro. “A medicina tornou-se cara e perigosa”, disse Fragata, sublinhando a importância de se implementarem novas técnicas mas de as concentrar em poucos serviços, dado comportarem riscos e, sendo raras, exigirem a máxima experiência possível. O que fica por fazer em Portugal na área do coração? “Não muito, fazemos tudo”, sorri Fragata._“Queremos fazer mais.” Numa estreia, como noutros procedimentos mais comuns, o médico diz sentir o mesmo. “Entusiasmo e o peso da responsabilidade. O medo de falhar”.