Em janeiro de 2009, depois de ter cumprido oito anos de mandato como presidente dos Estados Unidos da América, George W. Bush retirou-se para o seu rancho no Texas e desapareceu do espaço público. Dedicou-se à escrita e, em novembro de 2010, apresentou o seu livro de memórias, “Decision Points”. Ali falava dos problemas com o álcool na juventude, reconstituía a sua carreira política e justificava alguma das suas opções mais incompreendidas. A invasão do Iraque, feita com base na alegada existência de armas de destruição maciça no regime de Saddam, e a guerra do Afeganistão, a que se juntariam o colapso do Lehman Brothers e a subsequente crise financeira de 2008, tinham contribuído para índices de (im)popularidade nunca vistos num presidente dos Estados Unidos da América.
Mas, na reforma, Bush não se ficou por aí. Paralelamente à escrita das memórias e à vida doméstica, iniciou também uma inesperada carreira de artista, inspirando-se no exemplo de Winston Churchill, cujo livro “A Pintura como Passatempo” lhe fora recomendado por um amigo. Em segredo, começou a experimentar com telas, tintas e pincéis. E até contratou uma professora de pintura para, como disse, libertar o seu “Rembrandt interior”.
Numa entrevista recente ao programa “Today”, do canal NBC, Bush explicou: “[Pintar] mantém-me ativo, assim não passo o dia no sofá a trincar batatas fritas. É uma grande experiência de aprendizagem”. O antigo presidente descreveu a atividade como terapêutica” e “relaxante”.
A nova faceta de Bush viria a ser revelada ao mundo de forma pouco ortodoxa e sem o seu consentimento. Quando, em 2013, um hacker romeno chamado Guccifer violou, entre outras cem, a conta de email da irmã de Bush, Dorothy Bush Koch, encontrou conversas indiscretas sobre os pormenores do funeral do pai de ambos, o também antigo presidente George Bush (que, recorde-se, continua vivo), e duas inesperadas pinturas de George W. aparentemente nu no duche. E resolveu divulgá-las. O jornalista Dan Amira descreveu uma dessas imagens na “New York Magazine”: “Bush, ligeiramente curvado, desvia-se da água, a olhar para o canto do duche, como que a contemplar pecados anteriores que não podem ser limpos, por mais sabonete que se use e por mais força com que se esfregue”.
A metáfora não corresponde, no entanto, inteiramente à realidade. Aos poucos, Bush – que além da técnica da pintura, domina as redes sociais, com muitos fãs e seguidores – foi reciclando a sua imagem, deixando para trás a reputação de iniciador de guerras injustas e de texano inculto. Em consequência, os níveis de popularidade vêm recuperando consistentemente.
Ultrapassados os complexos por ser um principiante nestas lides, no ano de 2014 Bush inaugurava na biblioteca que ostenta o seu nome (a imponente George W. Bush Presidential Library and Museum, em Dallas, Texas), a sua primeira exposição de pintura. Tratava-se de uma série de retratos de líderes mundiais, como o Dalai Lama, o antigo presidente do Afeganistão Hamid Karzai, Tony Blair, Silvio Berlusconi ou o seu pai, George Bush. O título da mostra era “A Arte da Liderança: a Diplomacia Pessoal de um Presidente”. O retrato de Putin – um rosto severo de lábios finos e os olhos claros semicerrados, sobre um fundo lilás, mostrava já um pintor a amadurecer.
Entretanto, Bush virou-se para nomes menos sonantes. “Nos últimos meses pintei os retratos de 98 combatentes atingidos com quem travei conhecimento – homens e mulheres notáveis que ficaram feridos no cumprimento de ordens minhas”, anunciou em novembro de 2016. Há duas semanas, apresentou o resultado: o livro “Portraits of Courage” (o título evoca a obra “Profiles in Courage”, que valeu ao então senador J. F. Kennedy o prémio Pulitzer de 1957), onde representou 66 veteranos, alguns dos quais perderam membros na guerra, e contou as suas histórias de vida. As receitas obtidas com a venda da obra revertem a favor dos militares feridos.
Os especialistas dividem-se quanto aos méritos artísticos do antigo Presidente. O crítico de arte Alastair Sooke, do “Telegraph”, escreveu que “quando alguns dos seus quadros, incluindo dois extravagantemente bizarros autorretratos na banheira, foram divulgados no ano passado, o estilo idiossincrático ingénuo e tosco estava à vista de todos”. Bush, continua Sooke, “pinta da mesma maneira que fala – afetando um tom popular, caseiro, simples, com a trapalhice e erros suficientes para manter as coisas interessantes”. É difícil, porém, perceber até que ponto este juízo não está inquinado por antipatias de ordem política bem patentes no mesmo texto.
Já o conceituado Peter Schjeldhal, da “New Yorker”, foi mais benevolente: “A qualidade da arte [de Bush, e o facto de o crítico lhe chamar “arte” é significativo] é surpreendentemente alta para alguém que – só porque se sentia ansioso na reforma, […] – começou a pintar do zero há quatro anos, aos sessenta e seis. O olho e a mão de Bush melhoraram drasticamente desde que imagens cortadas de um par de autorretratos desajeitados […] apareceram em 2013”. Bush, continua Schjeldahl, “agora domina um estilo, genérico mas eficiente, de pinceladas largas e curtas, que visa captar a expressão, bem como a fisionomia”. Os modelos “parecem honestamente observados e persuasivamente vivos”.
Bush é um amador – nisso todos estão de acordo. Mas um amador capaz de fazer pinturas que não envergonham, pelo contrário. A tal ponto que os seus retratos já foram comparados aos de Alex Katz, um dos mais importantes pintores figurativos americanos vivos, e até Chaim Soutine, um lituano amigo de Modigliani que se instalou em Montparnasse no início do século e se tornaria um artista de culto.
Nada mau para alguém que reconheceu à revista “Time” que, mesmo enquanto presidente, não se interessava muito por arte. “Pode-se dizer que era um agnóstico da arte, para grande desgosto da Laura”. Como disse Jeb Bush, o seu irmão mais novo: “É mesmo estranho. Mas ele ficou bom nisto”.