Na Holanda, tudo ficou na mesma, não ficando exatamente na mesma. A coligação governamental perdeu grande parte dos deputados e os sociais-democratas do Partido Trabalhista quase se eclipsaram, passando de segundo partido mais votado para sétimo, com menos 30 deputados. Os sociais-democratas de Jeroen Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo e ministro das Finanças do governo holandês, pagam a fatia de leão do descontentamento popular. Os eleitores de esquerda parece não terem gostado do seu enfeudamento à política da chanceler Angela Merkel. A primeira vítima destas eleições parece vir a ser o seu cargo europeu. As regras exigem que o presidente do Eurogrupo faça parte do governo do país. É possível a formação de um governo sem os sociais-democratas. Os três partidos de centro, os liberais do VVD, a União Cristã e os cristãos democratas têm 76 deputados, e mesmo que os trabalhistas se incorporem neste governo não é líquido que deem uma pasta a Dijsselbloem.
Outro grande derrotado destas eleições é o homem que conseguiu mais votos e aumentou a sua representação em número de deputados. Parece um contrassenso, mas não é. A extrema-direita tinha a expectativa de se tornar o primeiro partido da Holanda. Em 2016 havia sondagens que lhe davam mais de 40% das intenções de voto. No fim da noite, o Partido da Liberdade ficou-se por 13, 1% dos sufrágios e 20 eleitos. Apesar disso, na sua conferência de imprensa da noite, Geert Wilders, líder do partido de extrema-direita, reivindicou ter tido uma vitória e que os cinco deputados a mais lhe davam legitimidade para ambicionar “cogovernar o país”, e, se isso não fosse aceite pelo partido mais votado, o Partido Popular Liberal e Democrático, do primeiro-ministro Mark Rutte, que obteve 21,2% e 33 deputados, ele estaria disposto, ainda assim, a apoiar o governo. Mas no dia dos sufrágios, quarta-feira, tinha sido mais claro sobre o que, de facto, ele e a extrema-direita pretendiam das eleições: “A dinâmica é do lado daqueles a que eu chamo partidos patrióticos, mas qualquer que seja o resultado destas eleições, o génio não regressará à garrafa e esta revolução patriótica vai-se produzir. Se não for hoje, será amanhã.” Parece que ficou para amanhã.
A grande novidade destas eleições foi o crescimento da Esquerda Verde, que passou de 4 deputados para 14, tendo ganho as eleições na mítica cidade de Amesterdão. Verifica-se na Holanda uma recomposição da esquerda, com a “pasokização” dos trabalhistas, a manutenção, com ligeira queda de um deputado, da extrema-esquerda, o partido socialista, conhecido como o “partido dos tomates”, dado o seu símbolo, e a irrupção no parlamento de um partido de esquerda que quer representar os imigrantes, maioritariamente de países muçulmanos, o Denk.
Este resultado daquele que a imprensa teima em chamar o “Justin Trudeau holandês” ou que o circunspecto “Le Monde” chama novo John Fitzgerald Kennedy, porque tem as mesmas iniciais no nome – Jesse Feras Klaver –, dá aos verdes a ambição de poder participar no governo dos liberais de direita. O diabo é que programa vão fazer em conjunto. Se, em termos da ecologia, as coisas até se podem compor, Mark Rutte disse na campanha ser favorável a medidas ecológicas, desde que “não fossem uma história de esquerda”. O problema são mesmo as medidas económicas e de distribuição de rendimentos. O líder dos ecologistas pretende um programa fiscal que, com base nos ensinamentos do economista Thomas Piketty, faça uma melhor redistribuição dos rendimentos: “A Europa têm de ser para todo o mundo e não apenas para os ricos, que não fazem mais do que tornar–se ainda mais ricos” – posições que certamente não farão as delícias do primeiro-ministro liberal de direita, Mark Rutte.
A maioria das reações dos líderes europeus não esconde o sentimento de alívio pela derrota da extrema-direita, que teima em ameaçar o establishment europeu.
Jean-Claude Juncker, por exemplo, considerou que o desfecho da corrida eleitoral de ontem foi uma vitória dos holandeses, que apoiam as “sociedades livres e tolerantes”, enraizadas nos “valores que a Europa defende”. Numa carta publicada ontem de manhã no Twitter, o presidente da Comissão Europeia rotulou ainda o resultado como “uma inspiração para muita gente”.
Se Juncker foi subtil nas recomendações aos próximos países que irão às urnas – a França decide a escolha do próximo presidente no final de abril (primeira volta) e início de maio (segunda volta), e a Alemanha vota um novo chanceler e Bundestag em setembro –, o líder do grupo parlamentar europeu Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa (ALDE) não teve problemas em apontar o dedo e garantiu que a derrota de Wilders é um aviso à Frente Nacional francesa. “As pessoas querem políticos construtivos e de confiança para governar os seus países. É por isso que Le Pen também vai falhar”, escreveu Guy Verhofstadt nas redes sociais.
O presidente François Hollande também utilizou o Twitter para reagir ao triunfo de Rutte e congratulou o primeiro-ministro pela “vitória clara contra o extremismo”, ao passo que Angela Merkel, citada pelo britânico “The Guardian”, catalogou o resultado como “muito pró–europeu”. Numa conferência ontem de manhã, a chanceler alemã descreveu o dia das eleições como “um bom dia para a democracia”. Já Martin Schulz, o seu adversário na corrida à liderança do governo e ex-presidente do Parlamento Europeu, confessou ter ficado “aliviado” com os resultados eleitorais na Holanda.
Os votos ditarão que ideias acabarão nas urnas.