«Na PSP houve mais de 31 mil faltas sindicais por ano, mais de nove mil escalas de serviço que são desfeitas. Isto equivale a 88 polícias que por dia, todos os dias por ano, não trabalham para exercer as suas funções sindicais, isto num efetivo de 21 mil».
Quem fez estas afirmações cheias de bom senso na Assembleia da República, há poucos dias, foi a moderada ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa.
Estas e outras afirmações foram proferidas a propósito da necessidade de alterar a lei sindical da PSP – que tem quinze sindicatos.
Constança Urbano de Sousa foi mais longe, afirmando: «Esta é a realidade dos factos e a situação pode conduzir à inoperabilidade desta força de segurança que é responsável por 50% da criminalidade do país e de 70% de toda a criminalidade violenta e grave».
Este é um dos muitos exemplos que existem – e que, estando mais ou menos escondidos, são reveladores do estado atual do nosso sindicalismo. E da necessidade de o sindicalismo português, à semelhança de outras áreas da nossa vida coletiva, se reformar e acertar o passo com a realidade.
O grau de exigência dos cidadãos e a complexidade dos seus problemas impõem várias mudanças, colocando em causa muito do que na economia, na sociedade e na política temos como adquirido e definitivo.
A sociedade aberta e a ordem liberal internacional, a revolução digital, o advento da sociedade de informação e as transformações aceleradas das relações económicas, sociais, políticas e culturais, acrescentam todos os dias desafios ao poder económico e ao poder sindical.
As mudanças são o que são, com impactos positivos e negativos. E, mesmo não concordando, temos de saber adaptar-nos a elas.
O sindicalismo tem de sair da sua concha fechada. Tem de abandonar o seu acomodamento e enfrentar o seu estertor, pondo em causa os monopólios (nuns casos) e oligopólios (noutros casos) sindicais. Sobretudo em setores como os transportes públicos.
Se, com justeza e pertinência, se têm exigido reformas no Estado, na saúde, na educação, na vida política, o mesmo deverá suceder na vida sindical. Melhor e mais proximidade aos trabalhadores, renovação ao nível do pessoal dirigente, mais limitação de mandatos, incompatibilidades e impedimentos, maior transparência. Os portugueses ganharão – e muito – se tal acontecer.
Precisamos de um sindicalismo mais aberto, plural e renovado. Vivemos um tempo em que o emprego para a vida acabou, onde as relações sociolaborais estão em permanente mudança, onde os poderes públicos exigem cada vez maior especialização, onde o mercado de trabalho exige outras formas de organização, precisamos de compatibilizar melhor a segurança com a mobilidade e a especialização.
O futuro do trabalho, como vários estudos da OIT avisam, é algo que as sociedades contemporâneas têm de enfrentar com abertura. Precisamos de ter sindicatos e estruturas sindicais fortes, identificadas com a realidade económica e social. Sindicatos radicais só dão força a patrões radicais. Que até rejubilam com atitudes e reivindicações fora da realidade, assentes num mundo e num país que já não existe.
A unilateralidade sindical é a melhor aliada da unilateralidade patronal. Há quem, no mundo tradicional, queira apenas e só fazer ‘prova de vida’.
O protesto como uma mera arma política não vale de muito – se não trouxer resultados a todas as partes. O tempo dos sindicatos do ‘emprego garantido’ está a acabar. É preciso dar voz a outras pessoas que não a têm em mais lado nenhum. Não é bom que alguns sindicatos, com a sua prática assente no protesto e na disfuncionalidade da rua, se assumam como uma espécie de ‘fábricas de desemprego’ por muitos e bons anos.
olharaocentro@sol.pt