1.Assunção Cristas tem revelado qualidades pessoais e políticas notáveis. É trabalhadora, honesta, fala claro, está mais interessada em propor ideias (mesmo quando não são originais, nem particularmente meritórias) do que contribuir para a discussão inócua de politiquices, absolutamente irrelevantes para a maioria dos portugueses.
No entanto, a líder do CDS é ainda uma estagiária na liderança política – e isso leva-a a cometer erros dificilmente compreensíveis. No CDS/PP de Cristas, há táctica a mais; e estratégia a menos. A entrevista da semana prestes a terminar, publicada no “Público”, demonstra-o à exaustão. Senão, vejamos.
2.Em primeiro lugar, Assunção Cristas, na entrevista dada a propósito do seu primeiro aniversário como líder do CDS, deu a ideia de que está deslumbrada com a sua nova função: falou muito da sua personalidade, do seu CDS – e esqueceu-se de aproveitar a oportunidade para falar de futuro, das tais propostas das quais reivindica a autoria.
Ora, esta postura de Assunção Cristas é contraditória com a postura que adoptou durante meses e que havia granjeado uma razoável popularidade entre os portugueses.
3.Em segundo lugar, Assunção Cristas – numa jogada política de amadora, de principiante – escolheu como seu adversário político predilecto Pedro Passos Coelho e o PSD.
De facto, quando Assunção revela que os temas de regulação e supervisão bancária não foram discutidos em Conselho de Ministros porque o Primeiro-Ministro entendia que não eram da sua competência, a líder do CDS está manifestamente a atribuir a responsabilidade pelo colapso do BES a Pedro Passos Coelho, em termos exclusivos. O CDS não teve nada que ver com o assunto.
Percebe-se a razão do timing desta declaração de Assunção Cristas: é uma tentativa de entalar o PSD como vingança pelo facto de o PSD de Passos Coelho não ter defendido o CDS – e até ter tentado entalá-lo juntamente com a esquerda – no caso das offshores.
No fundo, é o princípio de que a melhor defesa é o ataque: em vez de se limitar a defender, Assunção vira o jogo contra Passos Coelho. A não resolução dos problemas do sistema financeiro português deve-se a Passos Coelho e a Maria Luís Albuquerque, que até já sabiam da situação do BES muito antes da decisão de resolução bancária (ainda era António José Seguro o Secretário-Geral do PS!).
Todavia, o tiro saiu-lhe pela culatra: primeiro, a responsabilidade por actos do Governo é solidária entre todos os membros do executivo – ou seja, não há divisão entre a facção do PSD e a facção do CDS: a todos os Ministros – todos, sem excepção! – são imputáveis os actos, comissivos ou omissivos, sobre o sistema bancário.
A decisão de resolução do BES também é imputável a Assunção Cristas, enquanto membro do Governo de Pedro Passos Coelho.
Por outro lado, Assunção Cristas confessou uma certa negligência – ou pelo menos displicência – na gestão de assuntos públicos. Ao revelar que deu o “OK” à resolução do BES porque Maria Luís Albuquerque lhe solicitou que visse o email e, porque estava de férias não podia estudar o assunto, mostra que, afinal, não levou os problemas do sistema bancário português tão a sério como reclama.
Ao menos, Assunção Cristas poderia ter retirado uma hora das suas férias para falar telefonicamente com a Ministra das Finanças! Um assunto que estragou a vida de tantos e tantos portugueses, que imporia estudo e uma decisão ponderada, não merecia uma pequena interrupção nas férias de Assunção Cristas?
O que levanta uma outra questão, não menos preocupante: se Assunção Cristas tomou uma decisão tão relevante com tamanha displicência – quem nos garante que outras decisões igualmente importantes, inclusive sobre matérias que eram atribuições e competências legais do Ministério de Cristas, não foram tomadas com a mesma leviandade, com um simples “ok” via email?
4.Por último – mas não menos relevante – já se percebeu que Assunção Cristas ainda anda à procura da sua estratégia – mas já definiu integralmente a sua táctica.
O que é curioso: Assunção Cristas ainda é novata na política, estagiária na liderança política – no entanto, é uma tacticista pura. E a sua táctica é mais clarinha do que a água: primeiro, obter um resultado positivo em Lisboa, o que passa por ignorar o PSD e suplantar Teresa Leal Coelho em termos eleitorais; segundo, atacar Passos Coelho e o PSD e não hostilizar o PS de António Costa.
Ou seja: Assunção Cristas fará uma oposição suave ao PS, mediante a escolha de dois ou três temas, designadamente sobre economia e justiça social, apresentando divergências e soluções alternativas – sem nunca, todavia, criticar o Primeiro-Ministro.
Porquê? Fácil: porque Assunção Cristas está já a “flirtar” António Costa para a constituição de uma geringonça mais ao centro, formada por PS e CDS/PP. O CDS de Cristas encara o PS de António Costa como o trampolim para o poder em 2019: note-se que, nas sondagens maios recentes, PS e CDS juntos poderão chegar à maioria absoluta.
5.1.O autor das presentes linhas está à vontade: logo na análise ao primeiro discurso de Assunção Cristas como líder do CDS, escrevemos aqui no SOL que Assunção Cristas tem um fraquinho por António Costa (https://sol.sapo.pt/artigo/500380/assuncao-cristas-tem-um-fraquinho-por-antonio-costa-e-embaraca-paulo-portas-). A actualidade política e os factos apenas confirmam o que nós antevíramos há um ano.
6.Uma reflexão final: Assunção Cristas, no fundo, está a ressuscitar o CDS de Diogo Freitas do Amaral, com a sua tese de que o CDS ora está à esquerda, ora está à direita. Como Assunção Cristas saberá certamente, Freitas do Amaral teve sucesso no imediato – formando até Governo com o PS de Mário Soares -; mas foi um desastre a prazo, levando o CDS a um estado (quase) comatoso.
Nós compreendemos a ideia de Assunção Cristas: julga que o PSD está moribundo e, portanto, esta é a oportunidade para crescer ao centro a expensas dos sociais-democratas. Diogo Freitas do Amaral tentaria exactamente o mesmo: no entanto, está por provar que o político Freitas do Amaral seja propriamente um exemplo vencedor a seguir. Nós apostaríamos que não…
7.Até porque os paladinos do CDS que ora vira à esquerda, ora vira à direita, acabaram, praticamente todos, no mesmo sítio – no Largo do Rato. Assunção parece seguir o mesmo caminho – esperemos que alguém dentro do CDS fale com abertura e sinceridade com a sua líder, mostrando os perigos desta sua visão tacticista da política.
8.Para já, um dado é certo: ao atacar Passos Coelho e ao desunir o centro-direita para ganhos políticos imediatistas, Assunção Cristas revelou-se uma aliada com que António Costa nunca sequer sonhara. Uniu ainda mais a esquerda; fragmentou ainda mais a direita.
Graças a Assunção Cristas, António Costa fez xeque-mate.
9.Perante isto: parabéns, António Costa! Não só vai aguentar sem dificuldades a geringonça até 2019 – como irá ganhar facilmente as próximas legislativas…Costa conseguiu ter no bolso o PCP, o BE – e ter a simpatia do CDS de Assunção Cristas! É obra!
E é a tragédia de Portugal…Mas com esta direita, o que se pode esperar?
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