Tudo começou entre 26 setembro e 6 de outubro, para entrar pelo caminho da exatidão. Esmirna, na Anatólia, Turquia. Jogos Islâmicos, chamou-se o acontecimento. 1980 foi um ano marcante para os Jogos Olímpicos. O ano do boicote. A União Soviética invadira o Afeganistão. Uma tentativa de por um ponto final na rebelião dos mujaedines que se levantara contra as reformas levadas a cabo pelo Partido Popular Democrático do Afeganistão, que se alcandorara ao poder através de um golpe de Estado, dois anos antes. Uma das medidas de retaliação impostas pelos Estados Unidos foi, precisamente, o boicote aos Jogos Olímpicos de Moscovo. Muitos foram os seus aliados que apoiaram o boicote. Estávamos em plena Guerra Fria.
Dos países que se fizeram representar nos Jogos Islâmicos, apenas a Argélia e a Líbia tinham enviado delegações a Moscovo. A Turquia, a Arábia Saudita, o Paquistão, Marrocos, Malásia, Bangladesh, Bahrain e uma representação do Chipre do Norte, foram os outros participantes num evento que incluía atletismo, futebol, natação, basquetebol, ténis, voleibol e luta livre. A ideia, nascida numa reunião de ministros dos Negócios Estrangeiros em Islamabad, em 1979, era a de criar uma competição que tivesse lugar de quatro em quatro anos.
Os turcos fizeram questão de se imporem. A sua superioridade foi impressionante: 63 medalhas de ouro, 38 de prata, 16 de bronze, num total de 117. A Argélia, segunda na linha do sucesso, conquistou um total de 41 medalhas: 4 de ouro, 14 de prata, 23 de bronze. A Líbia foi a dominadora do torneio de futebol, ganhando todos os jogos. A segunda edição deveria ter sido organizada pela Arábia Saudita, em 1983, de forma a não colidir com os Jogos Olímpicos. Não foi. O projeto caiu no abandono.
Senhoras ao palco
A Federação Islâmica de Desporto para Mulheres decidiu, entretanto, sair das suas tamanquinhas e criar os Jogos Islâmicos Femininos. O Irão foi o país escolhido para receber a primeira edição, em 1993. Acabaria por organizar as quatro edições – 1993, 1997, 2001 e 2005. A tradição muçulmana foi respeitada. Escrupulosamente. Chamadas ao palco do desporto mundial – fizeram-se representar nada menos de 25 países, da Geórgia ao Brunei – as senhoras apresentaram-se cobertas da cabeça aos pés. O Irão tornou-se, sem surpresa, o grande açambarcador de medalhas. Houve algumas participações surpreendentes, de países não islâmicos mas com grandes comunidades islâmicas. Por exemplo, a Coreia do Sul. E atingiram-se marcas muito interessantes, tanto no número de atletas como em resultados meramente desportivos. Em 2005, bateram-se todos os recordes. 44 países, 1316 atletas, 18 modalidades. Irão, Senegal e Cazaquistão foram, por esta ordem, os mais medalhados.
A comunidade islâmica movimentava-se no campo desportivo. E virava-se, como de costume, para dentro. No entanto, a boa vontade de alguns não foi suficiente. Aqui e ali surgiam questiúnculas, até diplomáticas, que impediram a consolidação das competições atrás descritas. Mas não se extinguiu a crença nem a capacidade organizativa. A despeito das contrariedades, sentiam os comités olímpicos de diversos países que uma grande competição com estas características podia e devia ter lugar. E regularidade. Seria a Organização da Cooperação Islâmica, uma entidade fundada em 1969 por 57 Estados (27 africanos; 25 asiáticos; três europeus; dois sul-americanos) com uma população global de 1600 milhões de habitantes, a encabeçar o novo movimento.
A voz!
Na génese da organização, estava a frase. «Dar uma voz coletiva ao mundo muçulmano!». Estabelecer delegações permanentes nas Nações Unidas e na Comunidade Europeia. Línguas oficiais: árabe, inglês e francês. «Salvaguardar e proteger os interesses do Mundo Muçulmano num espírito de promoção da paz e da harmonia internacional». Um princípio catalisador.
Foi dentro da Organização da Cooperação Islâmica que surgiu a Federação Islâmica da Solidariedade no Desporto. E, com ela, uma nova competição para os atletas de Alá: Jogos da Solidariedade Islâmica. Abertos a aos desportistas de todos os 57 países filiados e com o pormenor, não contemplado nas provas entretanto extintas: possibilidade de também participarem cidadãos não-muçulmanos das nações em disputa. Uma novidade que pretendia reforçar a tal ideia solidária.
A primeira edição dos Jogos ficou marcada para Meca, na Arábia Saudita. Dificilmente outro local poderia ser tão bem escolhido. Centro da grande peregrinação do haj, cidade que viu nascer Maomé, o polo de atração de todas as orações. De 8 a 20 de abril de 2005, mais de seis mil atletas entraram em prova. 55 países. Foi preciso alargar a sede da competição a Medina, Jedah e Ta’if. 15 modalidades. 107 provas. Os verdadeiros Jogos Olímpicos Islâmicos! O Estádio do Rei Abdul Aziz foi pequeno para a gigantesca cerimónia de abertura que envolveu a participação de mais de 2500 estudantes. Como não poderia deixar de ser, a Arábia Saudita fez questão de apresentar uma seleção capaz de lhe garantir a maioria das medalhas: 24 de ouro, 17 de prata, 19 de bronze, num total de 60. À distância ficou o Egito, com um total de 42.
Confusão no Golfo!
A segunda edição estava agendada para outubro de 2009, no Irão. Acabaria por só se disputar no ano seguinte. O motivo do adiamento prendeu-se com uma questão semântica. O logótipo dos jogos fazia alusão ao Golfo Pérsico, termo que os países árabes teimaram em querer alterar para Golfo Árabe. Entre as entidades iranianas e sauditas o ambiente crispou-se. De tal ordem que os Jogos ficaram em risco. Tudo se resolveu da forma mais fácil: simplesmente Golfo, sem designação.
As cidades de Teerão, Esfahan e Mashhad receberam 14 modalidades desportivas e, igualmente, outras de exibição tal como futsal, tiro, voleibol e ténis para atletas com incapacidades físicas.
Os Jogos Islâmicos fixaram-se definitivamente no calendário internacional a partir de então. Quatro anos mais tarde, seria a vez de Palembang, na ilha de Sumatra, Indonésia – o mais populoso dos países muçulmanos – receber a terceira edição. O orgulho dos organizadores voltou a prevalecer na hora das medalhas, com a Indonésia a somar 104 (36 de ouro, 34 de prata, 34 de bronze) contra 59 do Irão.
Nesta altura já havia participantes masculinos e femininos e a controvérsia sobre a forma como as mulheres se apresentavam vestidas em determinadas modalidades, sobretudo as aquáticas, envolveu o acontecimento. Combate aceso entre o biquíni e o burkini!
Este ano de 2017 é, portanto, ano de Jogos da Solidariedade Islâmica. Baku, no Azerbaijão, será a cidade-sede. 24 disciplinas de 20 desportos estarão nos campos, nas pistas, nas piscinas e nos ringues de 12 a 22 de maio. E espera-se um número muito maior de atletas do que em 2013, quando não foram além dos 2000.