Eusébio, Yazalde, Fernando Gomes, Jardel. Quatro referências históricas do futebol em Portugal na arte de marcar golos. Sete botas de ouro (só o argentino não venceu o troféu por duas ocasiões). Mas e se, 15 anos depois, o nosso país voltasse a ver um goleador em solo nacional a conquistar a Europa dos golos? O ano passado, diga-se, esse objetivo falhou por pouco: o benfiquista Jonas chegou a liderar a corrida até uma fase adiantada da época, mas perdeu fulgor no sprint final, terminando com 32 golos, a oito do vencedor Luis Suárez (Barcelona).
Agora, as esperanças recaem num matador holandês: Bas Dost, por esta altura uma das únicas motivações para ver os jogos do Sporting. Com o póquer apontado frente ao Tondela, no fim de semana passado, o gigante de 1,96 metros chegou aos 22 golos no campeonato e relançou a candidatura à Bota de Ouro: à sua frente, neste momento, só Messi (Barcelona), com 23 golos na Liga espanhola. Coisa pouca.
Dost, de resto, esteve a um pequeno passo de igualar a Pulga blaugrana. Tivesse convertido a última das três grandes penalidades de que os leões dispuseram em Tondela e estava hoje no topo do ranking, lado a lado com o astro argentino. Mas falhou, e por isso não tem outro remédio senão continuar a olhar para cima – mas pouco.
Aparentemente, o goleador de 27 anos não está preocupado com o tema. «Recebi mensagens a lembrar-me que estou bem colocado nessa tabela mas para mim o mais importante é o campeonato português, e aí sou o número um entre os goleadores», realçou no dia a seguir aos quatro golos. Se for, de facto, assim e estiver apenas a pensar na corrida interna, está realmente bem lançado: é líder incontestado da tabela dos marcadores, com seis golos de vantagem sobre o mais direto perseguidor, o agora portista Soares (16). Está, de resto, a nove jornadas de se tornar no primeiro jogador do Sporting em dez anos a ser o artilheiro da Liga portuguesa – desde Liedson, em 2006/07 (com apenas 15 golos), que nenhum leão o consegue. Curiosamente, o avançado brasileiro foi também o último a marcar quatro golos num jogo na Liga portuguesa – em 2010, frente ao Belenenses. Até chegar Bas Dost…
TUDO COMEÇOU COM EUSÉBIO
Mas é a luta pela Bota europeia que realmente aquece os corações dos adeptos lusos por esta altura. Ver um jogador que atua na Liga portuguesa a concorrer com os grandes craques das Ligas espanhola, inglesa, italiana ou alemã é por si só já um motivo de orgulho e admiração. Basta dizer que, desde 2002, foram precisamente só jogadores a atuar em Espanha, Inglaterra e Itália a conquistar o ceptro. E em 2002? Exato: foi precisamente a Liga portuguesa a interpor-se por entre os tubarões. Então, pelos pés – e muitas, muitas vezes pela cabeça – de Mário Jardel, que nessa temporada 2001/02 foi um verdadeiro furacão que varreu a competição interna: com 42 golos, ‘deu’ o título ao Sporting e reclamou para si o título de maior artilheiro na Europa. Já não era a primeira vez para o Super-Mário, porém: em 1998/99, então com a camisola do FC Porto, o ponta de lança brasileiro já tinha levado para casa a primeira Bota de Ouro, após faturar por 36 vezes no campeonato luso – também com um póquer apontado nessa temporada, num 7-0 ao Beira-Mar.
Curiosamente, tinham passado quase tantos anos desde o último representante da Liga portuguesa a ganhar como agora: então, a ‘seca’ nacional durava há 14 temporadas. Desde 1984/85, mais precisamente, quando Fernando Gomes se sagrou igualmente bi-Bota de Ouro europeu, também ao serviço do FC Porto. Nessa época, o matador luso marcou por 39 vezes em Portugal; dois anos antes, tinha ganho a primeira Bota de Ouro faturando em 36 ocasiões.
Fernando Gomes foi, porém, o segundo português a conseguir tal distinção. O primeiro, claro, não poderia ser outro que não Eusébio. Aliás, o Pantera Negra foi literalmente o primeiro jogador a conquistar este troféu: venceu-o no primeiro ano em que foi instituído (1967/68), apontando um total de 43 golos no campeonato. Acabaria por repetir o triunfo em 1972/73, já com 30 anos, marcando 40 golos sempre ao serviço do Benfica – e com um póquer ao Sporting durante a temporada, num encontro que terminou 4-1 para as águias.
Nesse jogo, o único golo leonino foi apontado por um tal de Yazalde, um internacional argentino que havia chegado ao Sporting na época anterior. Nove golos na primeira época de leão ao peito e 19 na segunda não faziam antever – nunca – o que viria aí: em 1973/74, foi o autor de uns estonteantes 46 golos (em 29 jogos), estabelecendo então um novo máximo.
RONALDO E MESSI DOMINAM
Daí para cá, essa marca só foi batida em três ocasiões: pelo romeno Dudu Georgescu, do Dínamo Bucareste, em 1976/77 (47 golos); por Messi, em 2012/13 (50 golos, ainda hoje recorde máximo); e por Cristiano Ronaldo em 2014/15 (48 golos).
Ronaldo, obviamente, era o português que faltava referir nestas páginas. Nunca ganhou o troféu em representação de um clube luso, claro, mas é ele o recordista de vitórias do mesmo: são já quatro as Botas de Ouro que guarda em casa, na sua sala de troféus pessoal. A primeira apareceu ainda ao serviço do Manchester United, em 2007/08, mercê dos 31 golos que então marcou na Premier League; depois, já festejou por três ocasiões enquanto jogador do Real Madrid: 2010/11 (40 golos), 2013/14 (31 golos, em igualdade com Luis Suárez, então ainda no Liverpool) e a já referida em 2014/15, com estrondosos 48 golos.
Pondo as coisas em termos realistas, não é crível que Bas Dost almeje a números destas estratosferas. Na época mais concretizadora da sua carreira, por exemplo, ‘ficou-se’ pelos 31 golos (2011/12, no Heerenveen). No entanto, a verdade é que o rapaz nascido na pequena cidade holandesa de Deventer ainda não parou de surpreender os adeptos portugueses – nomeadamente os sportinguistas -, e a continuar neste ritmo, é bem possível que também a Europa acabe por ter de entrar no ritmo da adaptação da ‘Thunderstruck’…
Publicado originalmente na edição do semanário SOL de 18 de março de 2017