A investigação desencadeada pela Polícia Federal brasileira, tornada pública na passada sexta-feira, envolve apenas 21 das mais de 4 mil unidades de produção de carne existentes no Brasil, o que, trocado por miúdos, equivale a menos de 1% do volume total de exportações do setor, em 2016. O problema é que a Operação Carne Fraca – como foi batizada pelas autoridades – lançou as fundações para a edificação de um clima de desconfiança generalizado, à escala global, em relação à qualidade da carne brasileira que resultou na suspensão temporária de importações por parte da União Europeia, da China, da Coreia do Sul, do Chile e de Hong Kong.
Consciente da imagem negativa que o Brasil está a mostrar ao mundo, o ambiente é de preocupação no governo. O presidente Michel Temer confessou que o caso é um “embaraço económico” para o país e o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, falou na necessidade urgente de se evitar um “desastre” para a economia brasileira.
Segundo os dados revelados pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, o Brasil faturou no ano passado perto de 13,5 mil milhões de dólares (cerca de 12,5 mil milhões de euros) em exportações no setor da carne, pelo que as decisões tomadas no início da semana por parte de alguns dos seus principais clientes podem afetar significativamente o volume de trocas com os brasileiros, ainda que não sejam definitivas – a Coreia do Sul, por exemplo, voltou atrás na intenção de suspender a compra de carne de frango do Brasil, ao passo que o maior importador de carne bovina brasileira, Hong Kong, decidiu avançar com a interrupção de aquisição da mesma ao país sul-americano.
“Aposto numa queda de 20% da exportação de carne neste ano”, prevê o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto Castro, citado pelo “El País”, na hora de traçar o cenário mais imediato da polémica. “É difícil ganhar um cliente, mas muito fácil perdê-lo”, acrescentou.
A Operação Carne Fraca envolve então 21 unidades de produção, algumas delas pertencentes à JBS e à BRF, duas das principais empresas do setor da alimentação do Brasil. Para o seu cumprimento foram emitidos 38 mandados de prisão, dirigidos a funcionários e empresários, mas também a inspetores agrícolas pertencentes aos quadros do Ministério da Agricultura, numa área que abrangeu o Distrito Federal e os estados de Goiás, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina.
Entre as principais acusações destacam-se a prática de crimes de corrupção, envolvendo unidades de produção e autoridades sanitárias, com vista à aceleração da autorização de venda de determinados produtos; a oferta de subornos a inspetores agrícolas para evitar a suspensão da comercialização de carne imprópria para consumo; a utilização de aditivos proibidos por lei para alterar o aspeto de carne fora de prazo; a alteração das datas de validade de embalagens com conteúdo impróprio para consumo; a utilização de produtos proibidos por lei – como carne de cabeça de porco – em linguiças; ou a injeção, em frangos, de mais água do que a permitida legalmente.
Aparato belisca reputação
Se, num primeiro momento, desvalorizou o impacto do conhecimento público da Operação Carne Fraca e, no domingo, até levou um grupo de diplomatas a uma da mais conhecidas churrascarias de Brasília, o presidente Temer admitiu hoje que, apesar da “insignificância dos fatos” e da “pontualidade” do problema, o caso está a beliscar a reputação externa do Brasil. “Tivemos grande alarde em relação à carne brasileira e, evidentemente, isso causa, não posso deixar de registar, um embaraço económico para o país”, confessou o chefe de Estado, citado pelo “Estado de São Paulo”, apregoando a necessidade de “punir” os envolvidos.
O ministro da Agricultura enveredou pelo mesmo caminho do presidente e considerou que o impacto da polémica, junto da comunicação social e da opinião pública, criou um aparato “natural”, pelo que revelou estar em contacto permanente com as autoridades europeias e chinesas para evitar que este terramoto provoque mais réplicas. Questionado sobre as consequências de uma cessação definitiva da exportação de carne para os países e blocos económicos que ficaram com dúvidas sobre a qualidade do produto de origem brasileira, Maggi previu um autêntico “desastre”. “A China é um grande importador nosso, e a Comunidade Europeia, além de ser o nosso segundo ponto de exportação, é o nosso cartão-de-visita. Quem vende para a Europa vende para todo o mundo”, explicou aos jornalistas na capital brasileira, garantindo que o executivo está decidido a recuperar rapidamente a “confiança” dos consumidores e dos importadores, pelo que já iniciou uma operação de “tranquilização” dos mesmos.