Sala longe de completa seria sempre mau prenúncio para início de noite na quinta edição da cerimónia de entrega dos Prémios Sophia no Grande Auditório do CCB, em Lisboa. “E o prémio vai para ‘La La Land’” é piada que escorrega mas não salva, como nunca nos salvará Donald Trump. “É absolutamente inacreditável”, havemos de ficar por aí que o resto bem se dispensa, portanto há de sobrar Ana Bola, anfitriã pela segunda edição consecutiva dos prémios da Academia Portuguesa de Cinema, para uma amizade imaginária com Isabelle Huppert e o cozido à portuguesa a que atriz francesa “não se atira” e que há de ser o que a deixa de “mau feitio”. Julga Ana Bola, pelo menos, que de qualquer modo está preocupada é com a carga de água que inundou a red carpet, e veio granizo, veio tudo, por onde entraram os presentes que poucas das vezes hão de ser os vencedores.
Esses estavam em Macau, o realizador Ivo M. Ferreira, a rodar um novo filme com parte da equipa de “Cartas da Guerra”, que tinha sido já o candidato português aos Óscares e saiu da quinta edição dos Sophia vencedor em nove das 21 categorias distinguidas pela academia, seguido de “Cinzento e Negro”, de Luís Filipe Rocha, que levou três estatuetas. Para os Sophia de Melhor Argumento Original (o adaptado calharia a “Cartas da Guerra”, que Ivo M. Ferreira foi buscar a “D’Este Viver Aqui Neste Papel Descripto”, correspondência de António Lobo Antunes com a mulher no tempo em que esteve na guerra, em Angola); Melhor Banda Sonora Original para Mário Laginha, que também não estava no CCB; e Melhor Ator Principal para Miguel Borges, que a equilibrar a noite de ausências se fez notar e bem num triunfante trepar até ao palco (escadas para quê) para agradecer de forma “bué básica” o Sophia recebido das mãos de Victoria Guerra, melhor atriz principal da edição passada.
Mais um Sophia para “Emma Stone – La La Land”, outro “é inacreditável” para Trump, os guarda-mala de envelopes de Ana Bola e estaria feito, mas não. Haviam de vir Sérgio Godinho e Filipe Raposo com “Sobe o Calor”, que acabaria por vencer na categoria de Melhor Canção Original, única distinção da noite para “Refrigerantes e Canções de Amor”, de Luís Galvão Telles, com argumento de Nuno Markl. Mais César Mourão com “Será Amor”, o grande êxito do filme mais visto do ano que passou, a “Canção de Lisboa”, de Leonel Vieira, nomeado na mesma categoria mas a deixar o CCB sem qualquer prémio. Para “A Mãe É que Sabe”, de Nuno Rocha, foram dois, os dos papéis secundários, para Manuela Maria e Adriano Carvalho, chegado há pouco de Berlim, onde estreou “Vazante”, coprodução luso-brasileira de Daniela Thomas protagonizada por si.
“Cartas da Guerra”, que Ivo M. Ferreira tinha levado à competição oficial do mesmo festival no ano passado, pode ter vencido quase tudo – Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Fotografia, Melhor Som, Melhor Guarda-Roupa e a lista não termina -, mas não venceu aí, na representação, porque Margarida Vila-Nova também estava nomeada mas Melhor Atriz Principal foi mesmo Ana Padrão, por “Jogo de Damas”, de Patrícia Sequeira, provavelmente a primeira verdadeira surpresa numa noite que ia avançando demasiado previsível.
Tanto que foi para “Balada de um Batráquio”, Urso de Ouro na edição do ano passado da Berlinale, o Sophia de Melhor Curta-Metragem de Documentário, para ir Leonor Teles ao palco fazer o que seria, piadas sobre Trump fora do baralho, o primeiro discurso político de uma noite em que o ministro da Cultura ainda havia de ser interpelado. “O cinema português está a passar uma fase muito complicada e é preciso unirmo-nos para podermos continuar a filmar”, apelou a mais jovem realizadora alguma vez premiada com um Urso de Ouro, que este ano, bem lembrou, voltou a ser entregue a um filme português, “Cidade Pequena”, de Diogo Costa Amarante. E este prémio? “Dedico-o às pessoas que me emprestaram o carro e o computador.”
Pois havia de vir ainda à discussão a polémica dos júris, entre agradecimentos, numa noite que o ator Ruy de Carvalho, distinguido com o Prémio Mérito e Excelência, haveria de aproveitar para uma elevação do ser português. “Tenho uma grande honra em pertencer a Portugal e gostava que realmente pudéssemos impor a nossa qualidade e o nosso trabalho ao mundo”, disse o ator em agradecimento pelo prémio de distinção de carreira. “Somos bons e merecemos caminhar em frente.”
Mais uma ameaça não concretizada sobre Trump, mais um envelope que não há de vir errado, seria quase só de Ivo M. Ferreira com as suas “Cartas da Guerra” esta noite, mas isso era se não houvesse Rita Blanco com Luís Filipe de Castro Mendes na sala: “Já que está aí o senhor ministro, porque isto cai sempre em saco roto, dizemos coisas e depois vocês vão para casa e dormem bem e nós continuamos a dormir mal”, começou, “fazia um vistão, vou dizer-lhe. Não há um ministro da Cultura até hoje que tenha feito um vistão. Não quer ser o primeiro?”