Um em cada cinco médicos de família recebe todas as semanas pedidos de baixas médicas desnecessárias. E 8% confessam que acabam por ceder aos doentes, mesmo sem motivos clínicos.
Esta é apenas uma das conclusões do estudo da DECO – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor, ontem divulgado, que evidencia “uma inconsistência de comportamentos”, com “o doente que exagera e o médico que não sabe dizer não”.
O mesmo relatório indica também que, todas as semanas, clínicos prescrevem exames e fármacos “desnecessários” apenas por “insistência” do paciente. Aqui, os números apontam para que 27% dos médicos passem receita de medicamentos que não são necessários e que quase metade (48%) assumem que todas as semanas prescrevem exames desnecessários apenas porque o doente insiste, de acordo com o estudo a que a Lusa teve acesso.
No entanto, “a percentagem de doentes que admitem exagerar sintomas para obterem exames, medicamentos ou baixas é mínima”, refere a DECO.
O presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, Rui Nogueira, diz que “é muito pouco frequente o doente insistir. O que não quer dizer que não haja doentes simuladores, que tentam e conseguem iludir o médico.” Por outro lado, sublinha, “ainda se encontram doentes convictos de que a baixa médica é um direito que depende da sua vontade. ‘Venho cá para meter baixa’ é algo que ainda se ouve”.
Rui Nogueira defende que “os médicos não devem ceder (…), não com o simples argumento de sobrecarregar o sistema, mas por serem desnecessários, arriscados ou irrelevantes do ponto de vista clínico”.
Já em janeiro deste ano, o Ministério do Trabalho e da Segurança Social tinha revelado que, no ano passado, um em cada cinco trabalhadores com baixa médica podia trabalhar.
O governo chegou a esta conclusão depois de ter realizado várias inspeções extraordinárias às juntas médicas. No total foram feitas mais de 262 mil inspeções em 2016 (mais 19% do que no ano anterior), concluindo-se que 22% dos trabalhadores de baixa foram considerados aptos para o trabalho.
Outro dos dados revelados no estudo da DECO indica que quase metade dos médicos confessam que gostariam de dedicar mais tempo aos doentes, mas têm uma agenda muito preenchida: “Seis em cada dez atendem mais de 20 pacientes por dia e, para dois em cada dez, o número é superior a 30.”
O estudo foi realizado entre setembro e outubro de 2016, teve como base as respostas de 1013 pacientes e 281 médicos de família.