Paulo Portas. “Obama foi o presidente que deportou mais mexicanos”

Portas desdramatizou Trump, lembrando que Clinton “construiu mais quilómetros de muro” entre os EUA e o México. Mas afirma que Trump “vai levar a tensão política até ao limite sem passar esse limite”

Paulo Portas está preocupado com a Europa. Numa conferência dada ontem, o antigo vice-primeiro ministro de Portugal e ministro dos Negócios Estrangeiros mostrou-se receoso dos impactos que as recentes mudanças na arena internacional poderão ter sobre o projeto europeu.

Foi numa conferência do Instituto de Estudos Políticos (IEP) da Universidade Católica Portuguesa de Lisboa que Paulo Portas, a convite de José Manuel Durão Barroso, fez uma palestra sob o tema: “Globalização e Desglobalização: a Posição da Europa face à nova Liderança Norte Americana”.

Durão Barroso, antigo presidente da Comissão Europeia que dirige o gabinete de Estudos Europeus do IEP, convidou e apresentou o orador, também ele já retirado da política ativa. Portas referiu-se a Barroso com amizade, lembrando “a honra e o gosto de trabalhar” com o ex-primeiro-ministro – governaram em coligação até Barroso sair para Bruxelas – e considerando-o “um patriota” e um presidente da Comissão Europeia “que ajudou sempre Portugal”.

Portas não deixou também de cumprimentar os embaixadores presentes, mantendo o hábito de cooperação do tempo em que foi governante com a pasta da política externa. A boa relação com o corpo diplomático, viu-se, é mantida.

A nível interno, o protocolo foi de igual modo preservado. Os seu antecessor, professor Adriano Moreira, e a sua herdeira, Assunção Cristas, receberam menção introdutória. “Cara Assunção e caro Professor Adriano”. Portas também não esquece os ‘deveres’ de militante do CDS-PP.

A análise quebrou o tempo estimado, recebendo posterior perdão de Durão Barroso, e quebrou também algum tabu mediático em torno da situação corrente norte-americana. Paulo Portas manteve o discurso entre “o fanatismo pró-Trump da Fox News e o fanatismo anti-Trump da CNN”.

Sem deixar de reconhecer que “a América está crispada e dividida”, o orador convidado – que manteve a conferência num tom mais académico que político, como, aliás, têm sido as suas aparições públicas – salientou ontem que “ o politicamente correto não presta serviço nenhum ao apuramento de factos”.

E tudo o que tem sido tomado como paradigmático no que concerne à presidência de Donald Trump foi, lentamente, dissecado. Que Barack Obama foi o presidente “que deportou mais mexicanos” com 3 milhões de deportações. Que Bill Clinton foi o presidente americano que “construiu mais quilómetros de muro” entre os Estados Unidos e o México. E que Ronald Reagan, que, contrariamente aos antes visados, pertencia ao partido da direita norte-americana, foi inquilino da Casa Branca que naturalizou mais latinos.

Na audiência havia espanto, fracas tentativas de produção de indiferença e sorrisos cúmplices – é que finalmente alguém o dizia.

Portas desdramatizou Donald Trump através da História. “A América sempre foi mais liberal a vender e mais nacionalista a comprar”, citando de seguida as leis, prévias a Trump, que obrigam os mercados americanos a preferir o nacionalmente produzido.

Indo à política externa, Portas recordou a “retórica Obama” como “internacional, multilateral e internacionalista”. No entanto, “os factos mostram” que Barack Obama “retirou os Estados Unidos dos principais palcos operacionais”. Os exemplos foram vários, desde a Síria à Líbia, do Egipto ao Iraque. “Trump acrescenta um pendor de retirada já do anterior mandato”, defendeu Paulo Portas.

A novidade, então, não é “o nativismo, o protecismo ou o isolacionismo”, mas sim “tê-las como prioridades ao mesmo tempo e durante a globalização”.

Acerca de Trump, Portas aponta ao Partido Republicano. “O aparelho não mudou a natureza do candidato”, o que leva a crer que o presidente continuará como foi enquanto candidato. “Vai levar a tensão política até ao limite, sem passar esse limite”, o que será problemático para os diplomatas, cuja realidade Portas bem conhece, pois estes nasceram precisamente “para reduzir essas tensões”.

Trump, prosseguiu o antigo ministro, “mudará frequentemente de opinião”. O problema da rigidez da palavra será um problema dos políticos profissionais, não um problema dos empresários. Porquê? Porque dos empresários não se espera coerência, espera-se “eficácia”.

O aumento da competitividade económica dos EUA, associado a uma Grã-Bretanha pós-Brexit, poderá prejudicar a União Europeia, advertiu. “A Grã-Bretanha pode transformar-se numa “super-Irlanda”, devido à competitividade fiscal, convidativa ao investimento, e isso seria um “choque para a Europa continental”.

As políticas económicas de Trump, todavia, merecem cautela. Em globalização, “quem toma medidas protecionistas unilaterais”, conduz a retaliações que levam a uma “escalada”. Foi outro aviso, antes dos aplausos.