São 113 alunos, quatro anos letivos misturados e sol a brilhar lá fora. A tarefa de os manter sossegados e longe do recreio tem como base truques que eles conhecem. «Vamos ver com três olhos – o esquerdo, o direito e o da inteligência – e usar as duas bocas, a que fala e aqui pensa», lembra a professora. Os miúdos acompanham com gestos a lengalenga que sabem de cor e cumprem o prometido num silêncio apenas interrompido por uma voz que, só por soar diferente da que estão habituados, basta para os manter concentrados. «Hola!», exclama Mariano, de braços bem abertos atrás de uma mesa cheia de terra, vasos e folhas verdes. Num castelhano arrastado para se fazer entender a crianças já habituadas à multiculturalidade – ou não estudassem elas em Arroios, uma freguesia de Lisboa onde convivem pessoas de 78 nacionalidades diferentes – começa por deixar uma regra bem clara: «Nunca ponham nas plantas nada que não ponham como tempero dos legumes».
Esta orientação dada por Mariano Bueno vem ao encontro a uma vida dedicada a afastar os químicos da comida que nos chega à mesa. Desde adolescente que trabalha para conseguir cultivar legumes, frutos e flores sem recurso a químicos. E como milagres não existem e a magia fica para quem sabe, esse trabalho foi feito com base em experiências e muito estudo.
Mas para evitar que os espíritos inquietos de crianças entre os seis e os dez anos comecem a dar de si, decide chamar a atenção pelo choque. Pega num regador e respinga para a boca um líquido branco. «Argh!» ouve-se em toda a sala, num misto de espanto e nojo. «Calma», pede Mariano, «sabem o que isto é? Iogurte». Pois é, fique-se já a saber que o ácido do iogurte combate os insetos e, quando adicionado à agua, pode ser usado como repelente. Mas há mais. «Sabiam que as lesmas adoram cerveja?» Não sabiam eles nem sabíamos nós. Mas a verdade é que enterrar um copo com cerveja na terra é certeiro para atrair as lesmas que acabam ali afogadas. Ainda dentro do que existe numa cozinha, Mariano apresenta mais uma solução, desta vez para os parasitas. «Triturar três malaguetas, dois dentes de alho num litro de água, pôr num borrifador e já está».
Dizer não aos químicos
Ainda adolescente, Mariano pesava quase cem quilos e tinha sintomas alérgicos todos os dias. «Em vez de me acomodar à situação, procurei mudá-la». Depois de explorar o mundo que existia fora do campo dos pais – em Benicarló, Valência -, onde trabalhava desde os 14 anos, decidiu tornar-se vegetariano e eliminar por completo o uso de químicos no trabalho agrícola. «Imagina o que isto foi em 1977?», questiona. À pergunta retórica responde com a obrigação de sair do país e viajar até França, país onde a expressão «agricultura biológica» não soava a palavrão.
Aprendeu, estudou, experimentou, reunindo assim competências para voltar a Espanha e aplicar os conhecimentos no clima mediterrânico. «Não foi fácil, mas aqui está a prova de que não é impossível», diz, admitindo até que a solução mais fácil é rever a matéria dada pelos antepassados. «O que é que se usava antes? Esterco para adubar e as luas para saber quando plantar e colher. É assim que deve ser feito», resume. É por isso que dedica várias páginas do seu livro A horta-jardim biológica a explicar como criar o melhor estrume e a saber ler a lua antes de entrar, literalmente, em campo: quarto minguante para a poda, lua cheia para adubar, quarto crescente para enxertar e lua nova para preparar o adubo natural.
Mãos na terra
«Estas são as melhores ferramentas que podemos ter», garante Mariano, enquanto agita as mãos. Dispensa pás e ancinhos na hora de cavar um buraco na terra para começar a pôr as sementes. «Quem me quer ajudar?». Pergunta-chave para um grupo de crianças há já demasiado tempo sentadas. Aglomeram-se à volta de Mariano e dão palpites sobre que espécie escolher. «Pode ser alface?» ouve-se de um lado, «Não, eu não gosto de folhas, pode ser antes cenoura?». Mariano põe fim à guerra dos legumes e escolhe a curgete. A sorte é que dentro de uma caixa estão outras dezenas de plantas prontas a serem postas a crescer no recreio da escola. É para aí que vamos.
Os miúdos alinham-se, com os vasos nas mãos, num passo tão concentrado que nos braços parecem levar ouro e não aquilo que um ida vão ser curgetes.
Divididos em grupos, vão acertando as sementes com a indicação escrita nas placas amarelas que ditam o lugar da alface, das acelgas, das cebolas, das cenouras, do tomilho e do manjericão. «E agora, quem quer regar?». Mais uma pergunta-chave que espoleta um «eu» dito quase em grito. Mas o professor sabe como domar este grupo de agricultores. «Vou escolher a melhor pausa», anuncia. Todos param de falar, escondem a cabeça entre os braços como lhes foi ensinado, mas o professor considera que o silêncio da Maria foi o melhor. «As plantas não gostam de barulho», explica. E se assim é, esta turma de segundo ano responde sem palavras e com uma dose extra de água que a Maria já traz no regador azul.