Reproduzir o processo conducente ao Brexit é, em grande medida, contar a história de uma acumulação de erros.
O principal responsável pelo desenlace do referendo (apesar de ter saído de cena mal se conheceu o resultado) merece ser recordado pelo papel desastroso que desempenhou.
Não imaginando vir a conseguir conquistar uma maioria parlamentar sozinho, David Cameron assumiu levianamente que não custaria nada prometer um referendo à saída da UE – visto que os seus prováveis parceiros de coligação liberais-democratas nunca o permitiriam, obrigando-o a deixar cair a promessa em nome da estabilidade.
Vítima do seu sucesso eleitoral, foi logo de seguida vítima da sua incapacidade para controlar o monstro eurocético que vinha alimentando no seu partido ao longo dos anos – dando palco àqueles que, oportunisticamente, cavalgaram a onda da saída da UE para marcar pontos pessoais, mas têm revelado uma total ausência de ideias sobre o futuro do seu país fora da UE desde o referendo.
Do lado da oposição, no momento em que se impunha uma voz firme de rejeição do Brexit – valorizando o projeto europeu e o que este trouxe à qualidade de vida dos cidadãos, bem como o facto de ser incomparavelmente superior a qualquer alternativa – a liderança trabalhista não escondeu a sua falta de entusiasmo e espelhou o peso crescente da oposição ao projeto europeu que os setores radicais em torno de Jeremy Corbyn perfilham.
Contados os votos e consumada a saída, a ascensão de Theresa May à liderança do Governo poderia augurar uma tentativa de restauração do bom senso, dado ela ter feito uma campanha, embora tímida, pela permanêmcia. Mas acabou por resultar no inverso: numa fuga para a frente, para a versão mais extremista do Brexit, passando por cima de quem pedia ponderação em torno das preocupações, de quem no Reino Unido votou pela permanência de forma expressiva, de quem ali reside como cidadão europeu há décadas, e de quem avisa que sair do mercado único tem tudo para correr horrivelmente mal. Hard Brexit é, pois, o que teremos…
Inevitavelmente, os riscos para a subsistência do Reino Unido como o conhecemos há séculos não tardaram em chegar: a Escócia reafirma que, perante uma mudança radical das condições que levaram ao voto contra a independência em 2014, justifica-se uma nova consulta popular; a Irlanda do Norte enfrenta uma difícil encruzilhada, em que uma reposição de fronteiras físicas a sul pode comprometer o curso da pacificação da província; e até em Gales os nacionalistas aproveitam para atirar o barro à parede.
Neste contexto, quase vale a pena perguntar se não teria sido mais prático realizar um único referendo sobre a permanência da Inglaterra no Reino Unido…
Face a este cenário de cabeças cada vez mais perdidas, resta aos 27 que sobram, e às instituições da União Europeia, desempenhar o papel do adulto na sala. Não exacerbando posições, não ameaçando com processos no Tribunal Internacional de Justiça e não assumindo um papel de cônjuge vingativo que conduz o processo de separação para uma escala litigiosa desnecessária.
Ainda que fora da União Europeia, o Reino Unido (ou o que restar dele) será um parceiro fundamental dos que ficaram, em todos os domínios estratégicos para o bem-estar da Europa, desde a economia à segurança coletiva, passando pela defesa dos direitos fundamentais e pela preservação do nosso modelo social.