O governo britânico respondeu enfim às movimentações espanholas e europeias em torno da soberania de Gibraltar, uma disputa que dura há três séculos, nunca se abateu por completo e ganha uma nova vida com a saída do Reino Unido da União Europeia. Do silêncio da última semana, os britânicos lançaram-se à ofensiva. Respondendo às manobras que parecem indicar um entendimento entre Madrid e Bruxelas para complicar o controlo britânico da península, Theresa May ligou ao chefe de governo de Gibraltar, a quem garantiu que o “compromisso histórico” entre os dois territórios está de boa saúde e que, além disso, “nunca” aceitará uma alteração do statu quo sem consultar antes a população. Mas May não foi a única voz britânica a demonstrar uma posição de força. Foi apenas a mais branda.
O antigo líder do Partido Conservador, Michael Howard, disse ontem que May está disposta a entrar em guerra para proteger o domínio em Gibraltar, da mesma forma que a sua antecessora, Margaret Thatcher, começou um conflito contra a Argentina para assegurar-se do controlo das Malvinas. “Faz esta semana 35 anos que uma outra primeira-ministra enviou uma força de combate para o outro lado do mundo de forma a proteger a liberdade de um outro pequeno grupo de britânicos contra um outro país de idioma castelhano”, lançou Howard, minutos depois do telefonema de May. Michael Fallon, o ministro britânico da Defesa, disse praticamente o mesmo depois, mas em termos mais polidos.
Frente europeia
A população de Gibraltar escolheu por duas ocasiões permanecer território britânico – controlo que remonta ao início do séc. XVIII, para desagrado espanhol. Em ambos os referendos, o resultado foi incontornável: 98,5% rejeitaram o domínio espanhol em 2002 e 99,6% fizeram o mesmo em 1967. Madrid, porém, não se afasta da ideia de ter algum tipo de controlo sobre a península do sul e nos últimos anos começou a preparar um plano de “co-soberania”. Mas o referendo britânico para a saída da UE abriu uma oportunidade melhor.
Diplomatas espanhóis e membros dos três partidos centristas espanhóis – PP, PSOE e Ciudadanos – uniram esforços para pressionar responsáveis europeus a incluir o tema de Gibraltar no guia de negociações para o Brexit publicado na sexta-feira. Conseguiram-no: o documento, ao contrário do homólogo britânico – que não faz referência a Gibraltar – determina que a relação da península com a UE no pós-Brexit deve ser avaliada também por Espanha, o que, na prática, dá poder de veto a Madrid sobre todo o processo de divórcio britânico – a não ser que Londres aceite piores condições para os seus cidadãos em Gibraltar, por exemplo.
Esta já parece ser uma mão suficientemente forte para relançar o tema da soberania de Gibraltar. Madrid, porém, tem outros campos por onde exercer pressão. Ontem, o “El País” publicou uma entrevista ao ministro espanhol dos Negócios Estrangeiros, revelando, pela primeira vez, que o seu governo não pretende vetar a entrada de uma Escócia independente na UE, abandonando a posição assumida no primeiro referendo, em 2014. Só de o declarar, Alfonso Dastis fortalece a posição dos independentistas e ganha novas cartas para negociar com Londres. Dastis, porém, ciente do próprio separatismo na Catalunha, diz que Edimburgo tem de candidatar-se como outro concorrente qualquer e faz uma salvaguarda: “Não encorajamos a divisão de qualquer Estado-membro porque pensamos que o futuro corre numa direção diferente”.