A venda do Novo Banco ficou finalmente concluída. O que acha do desfecho?
Para a economia, para o tecido empresarial e para os trabalhadores é essencial um Novo Banco ativo, independente, autónomo e com capacidade de decisão e de gestão. Qualquer solução que permita isso é boa e é melhor do que manter o Novo Banco em período de transição. A venda, ainda que em situação menos favorável, é melhor do que nada fazer. Acho que era preferível termos optado por uma nacionalização temporária para que depois fosse colocado no mercado quando a economia voltasse a ter rating. Essa teria sido a melhor solução mas, de qualquer maneira, concluir o processo de venda foi melhor do que prolongar uma agonia que assusta clientes, intranquiliza os trabalhadores e não permite ao banco fazer o seu trabalho estratégico, que é ser um banco aforrador das famílias e um grande emprestador às pequenas e médias empresas. Uma solução, mesmo que seja breve, é sempre melhor do que eternizar ou arrastar uma situação de transição.
Independentemente do valor que está em cima da mesa?
Tenho a certeza absoluta de que o valor das externalidades positivas do banco é muitíssimo superior ao de uma eventual perda a 30 anos de um qualquer fundo de resolução. Isto significa que o preço final é uma pequeníssima parte da equação.
A Lone Star, ao não poder vender durante três anos, dá a estabilidade que é precisa?
A economia portuguesa, depois do sofrimento do ajustamento que fez, e que talvez ainda não tenha terminado, entrou numa fase mais saudável. Esperamos todos que, ao sairmos do défice excessivo, possamos ganhar alguma folga e, mais cedo ou mais tarde, em condições normais, seja expectável que a República Portuguesa consiga mostrar aos credores que fez algum tipo de reforma estrutural e volte a ter financiamento a preços competitivos. Nessa altura estaremos numa situação diferente e poderemos ser encarados pela comunidade internacional como sendo um país de investimento. Aí, obviamente que existirá um maior interesse por parte dos investidores. Julgo que quem compra agora conseguirá vender facilmente a médio prazo e obter mais-valias.
Vê o negócio apenas como uma transição?
Julgo que sim. Considerando que é um banco bem gerido, com trabalhadores motivados e competentes, com a lealdade dos clientes e com uma rede de distribuição muito interessante, será fácil vendê-lo. É pena que nesta altura, devido às restrições a que a República está sujeita, não tenha despertado o interesse quer de investidores nacionais quer de investidores internacionais regulares que tivessem uma perspetiva muito mais ligada ao setor financeiro e com uma perspetiva a longo prazo. Mas isso são as contingências com que nos confrontamos. Quando Portugal tiver acesso aos mercados internacionais e quando tiver rating, o que vamos verificar é que o valor dos ativos financeiros vai subir e, quando isso acontecer, toda a gente vai dizer que devia ter comprado e devia ter investido. Neste contexto, um banco que mantém os centros de decisão, que quer expandir a oferta de crédito, é uma boa proposta.
Acha que a Lone Star era o candidato que estava mais bem posicionado?
Temos uma cultura de opacidade em Portugal. Gostaria que, depois de este processo estar todo concluído, o Banco de Portugal deixasse em consulta as diversas fases do processo, os candidatos, as propostas e a troca de correspondência. Acho que isso era um escrutínio democrático que todos gostaríamos de fazer de forma independente. Para já, a única coisa que posso dizer é que acredito na bondade das pessoas, mas vamos lutar por isso para podermos chegar às mesmas conclusões.
Acredita que vai haver essa transparência?
Provavelmente, quem conduziu o processo não estava a pensar nisso, mas acho que a sociedade civil tem evoluído de tal forma que é provável que isso venha a acontecer. Veja, por exemplo, o caso da Caixa Geral de Depósitos: nunca até aqui os administradores suscitaram tamanho interesse em relação às suas declarações de rendimentos e patrimoniais. Vamos lutar para que isso aconteça e acho que a opinião pública também se vai preocupar com isso. Caminhamos para uma sociedade onde há um maior escrutínio público. Seria um mau serviço ao país se os reguladores não o fizessem.
Disse que teve pena que o processo não tivesse despertado o interesse de outros grupos. Mas se avançasse um banco com presença em Portugal, correríamos o risco de se transformar numa estrutura gigantesca?
Queríamos era que o banco continuasse a investir na economia e preservasse o maior número de postos de trabalho. A aquisição por um rival já instalado seria, provavelmente, a situação menos interessante porque iria reduzir mais postos de trabalho e, expetavelmente, racionaria o crédito disponível. A melhor solução – mas Portugal não está nos radares – seria que tivesse atraído um banco norte-americano, brasileiro ou alemão interessado em expandir a sua atividade para a península Ibérica e visse aqui uma oportunidade. Infelizmente, esse cenário não se concretizou, porque a situação em que vivemos afastou esses investidores mais tradicionais. E o facto de a Europa estar sob uma pressão muito grande em termos de regulamentação e de imparidades, provavelmente, também não ajudou.
O que acha de o Fundo de Resolução ficar com 25% do Novo Banco?
Preferíamos uma nacionalização temporária, mas também sabíamos que isso não estava isento de riscos. O tempo estava a correr contra Portugal e contra o banco porque, por razões a que somos alheios, foi firmado um compromisso em que o banco ou era vendido ou era liquidado, não tínhamos muito mais tempo. Por não termos muito mais tempo também era mais difícil encontrar uma solução ótima. Restaram-nos soluções médias menos e medíocres, e foi ver qual delas era a menos má. Mas foi bom ter uma solução porque o arrastar do processo poderia levar a um cenário que ninguém queria e já tivemos o caso do Banif, que ilustra que o descuido e a falta de atenção e, eventualmente, o não termos percebido os riscos levou à liquidação brusca de um banco com tudo o que isso tem de dramático e com as consequências que se vão sentir durante décadas. E para quem defendia uma nacionalização temporária, faz sentido o Estado ter uma posição no capital. Podemos discutir o facto de não ter direito de voto, mas isso já nem faz sentido porque foi uma exigência que foi imposta. E é provável que esta participação venha a revelar-se um negócio fabuloso daqui a uns quatro ou cinco anos.
Ainda propôs adquirir cerca de 5% do banco…
Fizemos uma proposta ao Banco de Portugal e ao Fundo de Resolução depois de o concorrente mais bem posicionado ter dito que queria ficar cinco a sete anos em Portugal e teria convidado grupos empresariais portugueses para serem parceiros como forma de mostrar o seu compromisso com o país. Infelizmente, não nos convidaram. Na prática, o Novo Banco foi nacionalizado em tudo menos nalguns aspetos. Ou seja, quando as empresas são nacionalizadas, os trabalhadores têm direito a uma tranche de 5%, e isso já dá acesso aos órgãos de supervisão e de administração, em que podem bloquear algumas decisões e, acima de tudo, ter acesso a informações em primeira mão. Isso seria um patamar que permitiria aos trabalhadores pertencer à esfera de controlo e de influência. Infelizmente, o Novo Banco não é reconhecido como uma empresa nacionalizada e, por isso, está fora do decreto-lei das privatizações, como aconteceu com os CTT ou com a TAP, onde 5% do capital foi ou vai ser reservado aos trabalhadores. Isso porque, a médio e a longo prazo, os interesses dos acionistas e os interesses dos trabalhadores são mais convergentes do que são, por exemplo, a curto prazo, os interesses dos gestores de topo não sujeitos ao escrutínio independente. Tenho a convicção de que o que aconteceu na Caixa, no BES ou na PT deriva da fraqueza dos órgãos de gestão e de supervisão porque se percebeu que os administradores ditos independentes, de independentes, têm muito pouco.
António Costa já veio afastar custos para os contribuintes…
Um custo para a sociedade e para os contribuintes seria repetir aquilo que aconteceu com o Banif, mas agora seria quatro ou cinco vezes maior. A resolução ou a liquidação do banco teria de certeza custos muitíssimos maiores do que a eventual perda numa venda menos bem conseguida. Atrevo-me a dizer que isto é a gorjeta de uma refeição bem mais cara. Parece-me que são trocos a discussão de mais cem ou menos cem milhões, porque isto tem impacto sobre a economia portuguesa. Um banco a funcionar bem, a ter liquidez e a dar crédito tem um impacto de milhares e milhares de euros. Por isso, se o banco fosse liquidado ou fosse adquirido por um rival já instalado, iríamos ter uma redução de crédito à economia, iríamos ter menor competitividade no mercado dos depósitos, acho que as perdas iriam ser centenas de vezes superiores.
A Lone Star tem fama de comprar barato para vender caro…
Enquanto durar a restrição financeira que está imposta a Portugal, que não tem acesso pleno aos mercados internacionais, as hipóteses de haver uma mais-valia rápida não existem. Provavelmente, a Lone Star e, olhando para o histórico deles, virá a ter um retorno fabuloso, mas os outros não estiveram dispostos a correr esse risco. Além disso, os bancos que a Lone Star comprou na Europa, nomeadamente na Alemanha, ainda se mantêm cinco anos depois. Eu admito que esperar que a economia recupere e que a restrição financeira seja aliviada sobre Portugal ainda vai demorar, mas acredito que vá ser recompensada e é provável que, daqui a seis ou sete anos, apareça finalmente um grupo bancário internacional que queira uma posição na península Ibérica, e aí fará sentido vender. A solução de agora não é a ideal, mas é a possível.
E como vê a atual situação do Montepio?
Enquanto sindicato temos muito respeito pela obra que foi feita por uma associação centenária e a função social da associação mutualista é muito mais importante do que um banco. Um banco tem um papel importantíssimo, mas uma associação mutualista com os contornos daquela que existe, com mais de meio milhão de associados, não pode ser menosprezada. Provavelmente existe alguma confusão do público em geral em relação às duas instituições, mas até agora essa sobreposição de papéis não era um problema.
Acha que é fundamental mudar a marca?
Esta eventual sobreposição de nomes pode dar azo a alguma confusão, mas competirá ao regulador e ao acionista decidirem se faz sentido ou não manterem o nome. Eu diria que essa não é a questão mais importante; a questão mais importante é que quer a associação quer o banco têm papéis sociais e económicos importantíssimos, suficientemente importantes para que a sociedade civil não deixe que uma disputa de poder num destes órgãos possa contaminar o outro ou possa pôr em causa o papel que cada um deles desempenha. O banco Montepio não tem problema nenhum, é provavelmente o banco com crédito mais disperso, tem as poupanças mais dispersas. Talvez alguém ganhe com esta confusão porque estamos num processo de reconfiguração do setor. Há quatro ou cinco anos, os grandes bancos tinham ou capital ou o centro de decisão em Portugal, mas depois desta alienação do Novo Banco ficamos apenas com dois grupos com capital ou com centro de decisão em Portugal. O que me parece é que estes ataques não são inocentes e é importante que a sociedade civil perceba que trazer para a praça pública questões de luta privada não tem interesse nenhum.
E em relação à Caixa?
A Caixa é uma instituição de referência mesmo para quem não é cliente. O que acontece à Caixa interessa-nos a todos, sejamos ou não clientes. Mas como o nosso país não tem independência financeira, e enquanto não tivermos um superávite das contas e não começarmos a pagar efetivamente a dívida pública, obviamente temos de ir aos mercados credores e, quando estes estão fechados, temos de ir ao credor de última instância. Por isso, temos um grau de autonomia pequeno. O que gostaria é que os nossos governantes tivessem começado a pagar a dívida, e aí, naturalmente, as condições seriam diferentes.
Mas concorda com as imposições?
O que foi imposto à Caixa não é diferente do que foi imposto ao BCP ou ao BPI. Estes dois bancos tiveram CoCos e não é muito diferente do que foi imposto ao Banif ou não é diferente das medidas que foram impostas ao Novo Banco. Podemos gostar ou não, mas parece-me que não há outra solução à volta disto. Todos os grandes bancos já tinham procedido ou estão a proceder a um emagrecimento de estruturas, tanto de pessoas como de pontos de contacto, mas também todos sabemos que os problemas da Caixa não derivam disto e não estamos neste processo a responsabilizar os que causaram os problemas. A Caixa, historicamente, tem mais balcões do que os outros bancos e estava presente em sítios onde os outros não estavam, e o encerramento de balcões onde a oferta não é assim tão óbvia ou onde não há concorrência tem um impacto social e político que tem de ser tratado. Gostaria que quer o governo quer a administração tivessem uma sensibilidade especial em torno deste tema. Acharia razoável que a Caixa não fechasse balcões onde é a única agência e, na eventualidade de isso acontecer, que adote soluções como foi feito noutros países, como é o caso de soluções itinerantes que possam providenciar serviços. Por exemplo, na Escócia, o Bank of Scotland fechou muitos balcões onde o negócio era residual e onde não havia muito movimento, mas optou por prestar um serviço itinerante com carrinhas. O importante é não sujeitar as pessoas a uma situação em que o balcão mais próximo seja a 60 quilómetros.
É impensável manter a rede tal como está?
É impensável porque o Banco Central Europeu impôs medidas que visam reduzir o nível de capacidade instalada. É claro que podemos pensar quem se vai aproveitar desta redução. Hoje parece que ninguém se vai aproveitar, mas penso que, quando Portugal voltar aos mercados internacionais, a sociedade vai estar menos bancarizada, haverá menos cobertura e, havendo menos concorrência, fica mais favorecida a entrada de grupos bancários internacionais. Estamos a cumprir as ordens de quem manda, mas eventualmente estamos a abrir o mercado quer a bancos estrangeiros, quer a novos concorrentes que servem produtos bancários. Os problemas da Caixa não derivam de ter 150 balcões a mais e dois mil trabalhadores a mais. Os problemas estão identificados e esses milhares de milhões que tiveram de ser injetados são resultado das gestões sem controlo. Devíamos ter tido um processo de seleção da equipa de gestão mais competitivo e mais transparente, com uma análise rigorosa de currículos e eventuais entrevistas no parlamento. Mas faço a ressalva de que esta administração tem pessoas com currículo; por isso, nada tenho contra. Mas devia ter-se mitigado a influência desproporcionada de um ou outro partido porque foi isso que quase levou ao colapso do banco.
Essas gestões estão no parlamento. Acha que vai haver alguma responsabilização?
Vou ser um bocadinho incorreto, mas faz–me alguma impressão estar-se a dissecar o ser vivo. Se há temas que têm de ser tratados em segredo de justiça, o que me parece é que a última coisa que devíamos estar a fazer é discutir tudo em praça pública. Não vai resolver nenhum problema de origem de investigação criminal, porque isso tem um tempo e um modo diferente. O que temos de resolver é como podemos evitar que a Caixa seja “atacada” por interesses políticos ou de gestão a curto prazo, e não estou a ver que esteja a ser feita essa discussão. As comissões de inquérito são úteis para perceber o que não correu bem no BPN, no BES e em organismos já extintos, mas não prestam o melhor dos serviços a organismos que têm uma função relevante e que estão em funcionamento. Provavelmente vamos baralhar a opinião pública e distanciar-nos do que é essencial. É o caso da distração em tornos dos sms que, por muito interesse que possam ter, existe um problema central e que ninguém está a discutir, que é como vamos prevenir que a Caixa volte a ter os mesmos problemas outra vez.
E não se perdeu demasiado tempo entre a nomeação de António Domingues e a de Paulo Macedo?
Hoje chegámos a um ponto em que o tempo corre a desfavor dos portugueses, e qualquer função, mesmo média menos, é melhor do que uma função ótima em que o tempo já acabou. Não vou entrar na discussão se esta administração é melhor ou pior do que a anterior, mas tenho a certeza que o tempo, esta incerteza e a ausência de uma gestão efetiva também não correm a favor do banco. A Caixa teve o mérito de ter uma administração que fez um plano de recapitalização que tinha tudo para dar certo. O Estado continuou a manter-se como acionista e penso que há muita gente que acha isso importante e bom. Foi feita a recapitalização e Portugal não perdeu um centro de decisão e, nesse sentido, acho que correu tudo incrivelmente bem. Gostaria que tudo isto tivesse sido feito de forma mais célere e que não tivessem existido estes impasses e intermitências. Mas o facto de termos conseguido salvar a Caixa, que podia ter sido objeto de uma liquidação imposta pelo Banco Central Europeu, joga a favor de quem nos governa e a favor de Portugal.
E quanto é que isso poderá custar aos contribuintes?
Teria sido profundamente desastroso e com consequências para 30 a 40 anos deixar cair a Caixa ou o Novo Banco. Os problemas do país não ficariam resolvidos só por deixarmos cair este tipo de instituições porque não apareceria nada no lugar delas. Pode parecer mal dizer isto, mas o custo imediato para o contribuinte é um baixo preço a pagar pelo benefício presente e futuro dos atuais e futuros contribuintes. Os benefícios são tão grandes que, eventualmente, o custo contabilístico é quase irrelevante.
Ao contrário dos outros, o BCP e o BPI estão estáveis…
O BCP é hoje um banco que tem resultados operacionais de cerca de mil milhões de euros, o que, para esta capitalização que o banco tem, deve ser provavelmente caso único na Europa. O BPI foi agora alvo de aquisição por parte do CaixaBank que, nas últimas histórias de aquisições, não tem sido particularmente feliz para os trabalhadores. Normalmente, o CaixaBank obtém as sinergias em poucas semanas. Já tivemos uma reunião e o que nos disseram é que achavam que o BPI era um banco bem gerido, eficiente, e, ao contrário do que têm feito, vão tentar obter as sinergias em três anos. O plano é saírem 900 pessoas em três anos, mas esse é um plano que vai dentro da média histórica dos últimos anos do BPI, em que saem, em média, 300 pessoas por ano. Também disseram que havia atividades que estavam a ser desenvolvidas em Portugal muito bem feitas e mais baratas, e que, numa lógica global, faz sentido que algumas sejam deslocalizadas para cá. Por exemplo, o Banco Popular fez o contrário e transferiu as atividades para Espanha, onde são mais onerosas.
A prioridade do setor continua a ser a redução de custos através de fecho de balcões e dispensa de trabalhadores…
A nossa visão é exatamente a contrária: não é por cortar mil pessoas que um banco resolve o problema de ter vários milhares de milhões em imparidades. Estamos a assistir a uma reconfiguração da banca, por imposição do BCE, que é ter menos balcões, menos concorrência, para que aqueles que cá ficam façam cartel, o que é perfeitamente errado. A concentração da banca na Europa é muito superior à dos Estados Unidos. Por exemplo, o maior banco norte-americano seria o oitavo na Europa e o segundo maior seria o vigésimo na Europa.
Estão previstos mais despedimentos?
Penso que 2017 ainda vai ser um ano difícil, mas acredito que a partir de 2018 haverá uma estabilização.