A menos de três semanas da realização da primeira volta de um dos atos eleitorais mais determinantes do calendário europeu deste ano, os jornais franceses de referência dedicavam, hoje de manhã, mais atenção à análise do formato do segundo debate televisivo das presidenciais em França, e menos ao conteúdo do mesmo. O “Figaro” descreveu o evento como “o grande bazar das presidenciais”, comparando-o a uma verdadeira “conversa de café” e o “Le Monde” catalogou-o como “inaudível”. E embora tenham sido acompanhados pelo “Le Parisien” e pelo “Libération”, na hora de destacar a participação oportuna dos candidatos menos cotados – do ponto de vista das intenções de voto dos franceses – a ideia transversal a praticamente todas as publicações foi a de que o caos e a confusão que chegaram, através da televisão, aos eleitores e aos interessados, apenas vieram confirmar aquilo que já todos sabiam: a França é hoje um país politicamente fraturado.
A avaliação da comunicação social francesa entende-se. Afinal, na noite de terça-feira subiram ao palco onze candidatos à presidência: Benoît Hamon, Emmanuel Macron, François Asselineau, François Fillon, Jacques Cheminade, Jean Lassalle, Jean-Luc Melenchon, Marine Le Pen, Nathalie Arthaud, Nicolas Dupont-Aignan e Philippe Poutou. Uma diversidade tal de visões e programas políticos que, por um lado, resultou num debate animado, mas que, por outro, transformou o cenário numa autêntica arena, com poucas ou nenhumas regras, e com uma grande amplitude de temas e intervenções. “A discussão pendeu entre o cómico e o hostil”, escrevia hoje o Politico.
Colocada em praticamente todas as sondagens como candidata favorita à segunda volta das eleições presidenciais, marcadas para o dia 7 de maio, com cerca de 25% das preferências – a par de Macron – a líder da Frente Nacional foi o alvo preferido da maioria dos concorrentes. O ex-ministro da Economia acusou-a de estar a propor uma “guerra económica”, ao ameaçar com o abandono da UE, e denunciou “as mesmas mentiras que se ouvem do pai [Jean-Marie Le Pen] há quarenta anos”, enquanto Fillon previu um “colapso” nos planos de Le Pen, assim que os franceses decidirem “manter o euro” como moeda. Já Poutou atacou a líder da extrema-direita com as denúncias do Parlamento Europeu, sobre a utilização indevida de fundos comunitários, rotulando-a de “hipócrita”, ao passo que Hamon a acusou de fazer o “papel de vítima”, enquanto faz dos muçulmanos e das minorias o “bode expiatório” para todos os problemas do país. “Mas isto é um debate ou um interrogatório?”, acabou por questionar o moderador do debate, uma Le Pen visivelmente irritada.
Ligeiras subidas
Em queda livre nas sondagens durante as últimas semanas, reforçadas pela revelação contínua de desenvolvimentos sobre o alegado pagamento de dezenas de milhares de euros, oriundos de fundos públicos, à mulher e aos filhos, por trabalhos que eles parecem nunca ter desempenhado, o ‘ex-favorito’ Fillon acabou por subir alguns pontos nos inquéritos pós-debate e, mesmo tendo sido particularmente pressionado por Arthaud a falar sobre o assunto judicial, conseguiu aproximar-se do grupo da frente e, quem sabe, voltar a sonhar com uma presença no duelo final de maio. De acordo com os números apresentados pelo Ifop, o candidato d’Os Republicanos detém agora 18% das intenções de voto dos franceses.
Quanto ao candidato a extrema-esquerda, Jean-Luc Mélenchon, beneficiou do ‘pacto de não-agressão’ aparentemente acordado com Hamon, e distanciou-se do socialista, subindo para uns interessantes 16% nas sondagens, contra 10% do concorrente do partido no governo.
Com maiores ou menores subidas ou descidas de candidaturas individuais, a verdade é que o debate de ontem de pouco ou nada serviu para se perceber em quem irão votar os eleitores indecisos. Segundo uma sondagem do Ipsos, publicada pelo “Le Monde”, está prevista uma abstenção de 34% – uma das mais altas da história recente de França – e 36% dos participantes admite que, mesmo tendo uma inclinação, pode vir a mudar o seu voto antes da primeira ida às urnas, a 23 de abril.
Recorde-se que, de acordo com a lei eleitoral francesa, os dois candidatos mais votados da primeira ronda, ‘qualificam-se’ para um frente-a-frente – isto se ninguém lograr mais de 50% da totalidade dos votos. De acordo com a Opinion Way, Macron derrotará Le Pen, com 60% dos votos contra 40%, caso ambos passem à segunda volta.