A líder não oficial da Birmânia e Nobel da Paz Aung San Suu Kyi recusa que esteja a decorrer uma limpeza étnica da minoria muçulmana no sudoeste do país, contrariando as denúncias das Nações Unidas e os relatos de violência das dezenas de milhares de pessoas que fugiram nos últimos meses para o Bangladesh.
Numa entrevista à BBC divulgada esta quinta-feira, Suu Kyi reconhece a violência no sudoeste do país, mas diz que o termo “limpeza étnica” é muito forte para descrever as recentes operações do exército, que ainda é dominado pelos resquícios da junta militar que governou a Birmânia por mais de quatro décadas, cedendo enfim parte do governo ao partido da Nobel da Paz, no final de 2015.
“Não creio que esteja a acontecer uma limpeza étnica”, disse a histórica líder da luta contra a ditadura birmanesa, criticada nas últimas semanas por não denunciar as operações de perseguição étnica e religiosa no estado de Rakhine, onde vivem os muçulmanos rohingya, a quem o Estado recusa atribuir cidadania e que são considerados uma das minorias mais perseguidas no mundo.
“Acho que há muita hostilidade lá e são muçulmanos a matar muçulmanos também, quando acham que alguém está a cooperar com as autoridades”, lançou Suu Kyi, admitindo que o projeto de alterar a Constituição e fazer regressar o domínio do exército ao governo pode demorar anos.
Apesar disso, Suu Kyi – que é oficialmente ministra dos Negócios Estrangeiros, uma vez que a junta militar não lhe permite assumir o cargo de presidente – diz que os militares não têm liberdade para “violar, pilhar e assassinar”, como afirmam alguns relatos.
A onda de violência em Rakhine começou em outubro, quando elementos da minoria muçulmana mataram nove polícias birmaneses, recebendo em resposta operações de repressão aparentemente dissimuladas como movimentos “antiterrorismo”. Desde então fugiram cerca de 70 mil rohingya para o Bangladesh.
Suu Kyi diz que algumas pessoas estão já a regressar e que o seu governo as recebe de braços abertos, o que, na tradição política birmanesa, é uma afirmação arriscada, dado o sentimento generalizado de ódio aos muçulmanos.
Suu Kyi, criticada numa carta aberta por mais de uma dezena de Prémios Nobel pela sua inação no Rakhine, afirma que não está em silêncio, como acusam os órgãos internacionais. “Simplesmente não fiz as declarações que as pessoas querem, que é unicamente condenar uma comunidade ou outra.”