É num texto intitulado “Never before” que Paulo Portas, ex- -vice-primeiro-ministro e ex- -ministro dos Negócios Estrangeiros, descreve uma cimeira imaginada. Angela Merkel, referida como “a chanceler”, é recordada como a senhora que “só muda de casaco, perdão, só muda a cor do casaco”. O “prosaico senhor Hollande”, presidente francês, “ainda está, mas é como se já não estivesse”. O “frenético” Matteo Renzi “já não está e, aliás, deixou de ser”, tratando-se, para Portas, de “uma espécie de Sócrates de mochila”. A peça, de quatro páginas, foi publicada numa edição da “Egoísta”, a revista portuguesa mais internacionalmente premiada, que é dirigida por Mário Assis Ferreira.
Cameron, também já deposto, “foi a queda mais fulminante de todas”, pois achou que “mudava o destino de Inglaterra e os ingleses mudaram o destino dele”. Barack Obama tem “aquele ar estudadamente casual e de quem se acha pelo menos a consciência moral do universo”.
Merkel, a líder alemã, é “a única que sobra”, vai “sobrevivendo”. Será “previsivelmente reeleita” e o autor do texto prefere ter “alemães previsíveis” a ter “alemães possessos” que fazem logo vir “1933 à memória”.
Se a “contaminação populista” não alcançar as eleições germânicas será “porque um Schäuble ainda é um Schäuble, apesar de um Volkswagen já não ser bem um Volkswagen”, metaforiza Portas. “Até na esquerda” há quem deseje a reeleição de Merkel, aponta o também ex-ministro da Defesa e antigo líder do CDS-PP.
Sobre o Brexit, Portas lamenta que, depois de o “eixo Paris–Berlim” ter ido “a enterrar”, ele tenha levado “a outra economia europeia aberta e competitiva que poderia ajudar a evitar a decadência do continente”. E agora?, inquire. “O povo não se prestou e talvez Cameron tenha dado apenas o tiro de partida na desagregação da Europa. A primeira vez que um país sai não costuma ser a última vez.”
Portas imagina até no que estará a pensar Merkel neste momento: “À minha volta, o russo é que a sabe toda [Putin], o turco virou otomano [Erdogan] e eu entreguei-lhe os refugiados – Ai, se ele abre a comporta! –, e agora esta May quer fazer da ilha uma super offshore, oh que mundo este, então agora a China é que vai a Davos paladina do livre-comércio, e só me faltava a América e logo este americano, ele diz que não paga mais pela Europa na NATO, e se não paga o americano já estou mesmo a ver que pago eu…”, brinca.
Sobre as tentações referendárias de Cameron e Renzi, diz Portas que hipotecaram “a democracia representativa”, na medida em que “os eleitorados não respondem à pergunta do referendo, limitam-se a responder ao autor da pergunta do referendo”.
Do Reino Unido, lembra que “à senhora Thatcher nunca ocorreu convocar um referendo para ‘resolver’ o que não tinha solução: o dilema entre o Reino Unido e o continente”. De Roma, aponta que “o caso Renzi é similar”. “Quem disse a Renzi que os italianos queriam um governo forte?”, torna a questionar.
“Esta tentação de ‘mudar o destino’ de nações que já foram impérios e não se deixam facilmente enganar é uma variante moderninha e para consumo jornalístico da velha tentação de ‘mudar o homem’ que vinha acoplada à tirania”, critica. Para Paulo Portas, “99% dos políticos servem em tempos e circunstâncias em que a única coisa que se lhes deve pedir é que governem razoavelmente bem os assuntos comuns. Não se lhes pede para ‘fazer História’”.
O texto termina com um avisado “apertem os cintos” e com uma curiosa adenda, talvez fruto da experiência jornalística do político: “Este texto foi escrito em janeiro. Tem um prazo de validade de poucas semanas, é assim que o mundo está. Tudo pode acontecer, especialmente o inesperado.”
O tema da edição da “Egoísta” é, naturalmente, política, contando com textos, além de Portas, de Michelle Obama, Daniel Oliveira (colunista do “Expresso”), José Luís Peixoto, Adolfo Mesquita Nunes (vice- -presidente do CDS) e Chimanda Ngozi Adichie, conceituada autora nigeriana.
Há também uma entrevista exclusiva ao primeiro-ministro, António Costa. João Porfírio, fotojornalista do i, tem um portefólio na publicação.
Os escritores nacionais Manuel António Pina, Maria Manuel Viana, Bruno Vieira Amaral, Eduardo Pitta e Dulce Maria Cardoso assinam textos, assim como os jornalistas Ana Sousa Dias e Filipe Santos Costa.