Depois de um bocadinho de Taça, que é assim uma espécie de um bocado de hino do António Silva a fazer de alfaiate Caetano n’“A Canção de Lisboa”, de Cottinelli Telmo, regressam as contas já aqui ao lado do campeonato. Verdadeiramente, é aí que se debruçam, da varanda do interesse, os olhares do povoléu que gosta de futebol como a Alice, do Bairro dos Castelinhos, gostava do seu Vasco Leitão, para os amigos Vasquinho da Anatomia.
Nesta batalha palmo a palmo entre Benfica e FC Porto, que ficou na mesma depois do clássico da passada semana, na Luz, embora com uma jornada a menos para o final, coisa que pesa, não tenham dúvidas, imiscuiu-se na vida de Dona Águia a maçada de uma segunda mão da meia-final da Taça de Portugal que lhe garantiu lugar no Jamor, mas que lhe tirou uns dias de vida, tal o sofrimento a que foi submetida por um Estoril Praia muito saído das suas tamanquinhas e que veio a Lisboa criar ataques de sarna ao que é, ainda e para já, tri-campeão nacional.
Convenhamos, há muito que não víamos o Benfica tão de aflitos perante um adversário muito, mas muito, inferior. Venham agora falar das mexidas de Rui Vitória – que às vezes parece não entender a diferença abissal entre alguns dos seus titulares e alguns dos seus reservas –, mas o facto tornou-se tão indesmentível como insofismável: um aperto! E uma necessidade de mudar muito para domingo, na visita a Moreira de Cónegos, onde mora um Moreirense comandado por uma daquelas almas rebeldes capazes não só de encher um relvado como um complexo inteiro de bancadas, balneários e acessos, e que dá pelo nome de Armando Teixeira, o Petit.
Antes Antes não é apenas uma aldeia lá para os lados da Pampilhosa. Antes joga o FC Porto, no sábado, recebendo o Belenenses num daqueles jogos com vencedor de véspera se não der ao dragão a travadinha que o deixou de cabeça no tapete aquando da visita do Vitória de Setúbal. Confesso: o FC Porto que esteve na Luz, naquele jogo que podia ter sido do título mas não foi, desiludiu-me e muito, excetuando os dez minutos iniciais do segundo tempo, que lhe valeram o empate e, com um pouco mais de audácia, quase a vitória.
Vinha de triunfos a rodos – nove consecutivos antes de receber os sadinos –, jogava um futebol enleante e agradável, pejado de oportunidades de golo.
Em Lisboa vimos-lhe a face desagradável do medo. Depois de ter chegado ao empate, encolheu-se. Ficou-se por ali, à espera ninguém sabe do quê, numa condição de alma penada. Sabia que um triunfo na Luz lhe abria às escâncaras as portas do título. Não as abriu. Preferiu esperar. Não por si mesmo, mas pelos outros. Convenceu-se de que o empate iria fazer com que o Sporting lhe desse o campeonato no dérbi da Segunda Circular, em Alvalade. Veremos se dá. Para já, continua em segundo. O lugar no qual, até ao momento, merece estar, se é que no futebol há méritos e se podemos deitar para o balde dos desperdícios o palavreado meio bacoco do seu presidente.
Voltámos ao ramerrame de sempre. FC Porto, desta vez primeiro, Benfica, desta vez depois. Um ponto somente os separa, pelo que não há direito a escorregar no empedrado húmido das jornadas que faltam para o final do campeonato. Por muito que os portistas tenham agora um desafio menos duro, percebe–se à distância que qualquer excesso de otimismo pode deitar a perder a protérvia do seu protagonista. Diria o povo e com razão: é o fado. Diria o Vasco Leitão, bem afinado: “O fado é toda a minha fé/ Embala, encanta e inebria/ Dá gosto à gente ouvi-lo até/ Na radiotelefonia.”
Pois, dá mesmo gosto.
A luta entre Benfica e FC Porto tem, este fim de semana, um capítulo por estrear. A radiotelefonia passou de moda, como sabemos, e mesmo os transístores desapareceram dos relatos de domingo. Mas para quem não vai aos estádios nem pode dar uma vista de olhos ao ecrãzinho mágico, resta-lhe o éter…