Ana Avoila: “Os serviços do Estado estão num caos”

A coordenadora da federação dos sindicatos da função pública, Ana Avoila, não tem dúvidas: a luta continua e vai continuar se o Governo insistir em apresentar-se aos sindicatos com propostas fechadas e sem cumprir o princípio constitucional da negociação. 

A convocação desta greve nacional é um sinal que terminou o estado de graça do Governo? A paz social vai acabar?

Não. Nos sindicatos não se utiliza essa expressão da paz social. Os sindicatos estão sempre muito conscientes das reivindicações dos trabalhadores. E estes têm consciência do mal que lhes fizeram. 

Mas os tempos são outros?

Sim, mas a realidade é que os trabalhadores em geral e na Função Pública em particular foram perdendo direitos ao longo dos últimos anos. Recordo que nos tempos de Sócrates atingiu-se o ponto máximo, ao decretar-se o congelamento de carreiras na função pública que ainda vigora.

Houve outro Governo pelo meio…

Houve, o Governo do PSD e do CDS, onde Passos Coelho aproveitou a embalagem que vinha de trás e continuou a agravar as condições de vida dos funcionários públicos. Não nos esquecemos dos cortes salariais. E só não foi mais longe porque o Tribunal Constitucional interveio.

Mas os tempos são outros. Para os sindicatos é indiferente quem governa?

Não é indiferente agora, nem nunca foi indiferente. Os sindicatos tomam partido por quem os defende e aceita resolver os problemas nacionais, dos trabalhadores e do povo português. Tomamos partido e bem.

E de que forma tomam partido?

Os trabalhadores deram um forte contributo para derrubar o Governo de Passos Coelho com o seu voto. Quer melhor exemplo do contributo dos trabalhadores e de como tomam partido?

Ou seja, esta solução…

A solução encontrada para dar suporte ao Governo na Assembleia não nos é indiferente. Pelo contrário, entendemos que é uma boa solução. Mas….

Mas?

Sim. Mas. Há um entendimento nesta solução sobre estas matérias. Mas é o Governo do Partido Socialista que decide e neste momento o que está a acontecer é que as propostas estão a chegar aos sindicatos já acabadas e sem discussão. E isso recusamos.

Mas é isso que está a acontecer?

Sim. E o Governo não pode nem deve fazer isso. Não pode chegar aos sindicatos com propostas acabadas e que ainda por cima não servem os interesses dos trabalhadores. Não pode chegar aqui já com soluções aprovadas em Conselho de Ministros, como é o caso da resolução sobre os precários. O Governo quer avançar com um processo para a solução deste problema com o qual discordamos. Consideramos que deve ser feito de outra maneira. O que está em cima da mesa não contempla a maioria. Mais de 80% dos trabalhadores com vínculo precário ficam sem solução. Os trabalhadores e os sindicatos merecem respeito da parte do Governo. E o Governo não nos está a respeitar.

Voltemos à greve de 26. Porquê?

É um processo normal quando as matérias no mundo do trabalho não correm bem. E, efectivamente, neste momento há coisas que não estão a correr bem.

Quer dar um exemplo?

O Governo resolveu, parcialmente uma reivindicação nossa, dos sindicatos e dos trabalhadores da administração pública. Estou a falar da questão das 35 horas semanais. Só que, e aqui está o problema, essa reivindicação tem de ser estendida a todos os trabalhadores e não só a alguns. Tem de ser aplicada aos trabalhadores com contrato individual de trabalho, designadamente no setor da saúde, como nos hospitais do setor empresarial do Estado (EPE).

E vai daí parte-se para a greve…

A paciência dos trabalhadores também tem um limite. Lutou-se para se conquistar as 35 horas, o direito aos feriados, etc… há uma data de questões por resolver, nomeadamente em matéria de salários e carreiras.

O tema dos salários será comum a quase todos os trabalhadores… 

Sim, mas na administração pública deixou de haver aumentos em 2009. As carreiras foram congeladas em 2005. As coisas complicaram-se ainda mais porque também as regras da aposentação foram penalizadas. Houve uma brutal redução de funcionários.

Mas faltam funcionários na administração pública?

Houve uma grande redução no número de funcionários e querem que as respostas dos serviços sejam as mesmas! Trabalha-se a um ritmo alucinante. Muitos saíram e as admissões foram congeladas. Os serviços estão num caos. É conhecido o problema de pessoal nos hospitais, nas urgências, na educação. Na Segurança Social há atrasos na atribuição das pensões que chegam aos 10 meses. Os pagamentos chegam tarde a pessoas que muito precisam.

Porque falta pessoal?

Sim porque há falta de pessoal. Quer um exemplo? Nos serviços da Segurança Social no Areeiro, em Lisboa trabalhavam cerca de mil funcionários. Nos últimos sete anos esse número foi reduzido para 300 pessoas. Mas o trabalho não diminuiu. Pelo contrário. Claro que há atrasos.

Portanto a luta…

A luta continua e vai continuar. Este ano vai haver mais lutas.

E a geringonça?

A geringonça? Não é minha função falar da solução em si. O que se passa no Parlamento não é, em si, uma questão dos sindicatos. A prática sim!