Portugal reduziu voluntariamente em 24% a produção de leite entre outubro e dezembro de 2016, no âmbito do programa lançado pela Comissão Europeia para fazer face à crise no setor – isto depois de a produção de leite ter mais do que duplicado em 36 anos (1980-2015), passando de 970 mil toneladas para dois milhões de toneladas. Com este crescimento alcançou a terceira maior taxa de variação anual homóloga da produção em 2014 e atingiu o sexto maior volume de produção em 2015, revelam os últimos dados publicados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) referentes ao setor.
Nesse período analisado pelo organismo, Portugal foi sempre autossuficiente em leite entre 1980 e 2015, tendo atingido o grau mais elevado (112,5%) em 2015. Já o mais baixo consumo de leite foi registado em 2015 (71 quilos per capita), iniciando-se em 2001 uma tendência de redução do consumo que se exprimiu por uma taxa média anual negativa de 2,4%. Os dados revelaram também que se assistiu a uma “profunda reestruturação do setor” que, em 25 anos (1989-2013), aumentou em mais de oito vezes a dimensão média do efetivo por exploração (de quatro vacas leiteiras para 34) e promoveu a especialização a um nível capaz de competir com os parceiros europeus.
E com o fim do regime de quotas leiteiras, em abril de 2015 – uma situação que, atualmente, os produtores querem reverter -, a União Europeia produziu mais leite do que no mesmo período dos anos precedentes. Aliás, os principais constrangimentos decorrem das variações negativas de maior amplitude do índice de preços à produção de leite quando comparadas com a evolução do índice de preços dos alimentos para animais. “Esta menor variação relativa dos preços na produção pode refletir a pressão exercida pela grande distribuição (expressa pela menor volatilidade das variações do índice de preços ao consumidor) que afeta a distribuição do rendimento pela cadeia de valor”, salienta o INE.
Subsídios Este crescimento obrigou a Comissão Europeia a impor um travão, apresentando aos produtores um subsídio para reduzir a sua produção. De acordo com os dados da Comissão Europeia, quase 44 mil agricultores de toda a União Europeia (UE) – 912 em Portugal – aderiram ao programa de redução voluntária de produção de leite, lançado em julho de 2016, que resultou numa quebra de 851 700 toneladas, uma média de 19 toneladas por agricultor. Em Portugal, a redução foi de 15 090 toneladas de leite, o que representa quase um quarto da produção (24%), numa média de 17 toneladas por agricultor.
O valor da ajuda foi fixado em 14 euros por 100 quilos de leite reduzido, correspondente à diferença entre o leite entregue no período de referência e o leite entregue no período de redução. Segundo a informação disponibilizada no Ministério da Agricultura, o apoio abrangeria, no máximo, um volume de redução total na União Europeia de 1,07 milhões de toneladas, correspondente a 150 milhões de euros, sem repartição prévia da dotação por Estado-membro.
Para beneficiarem deste apoio, os produtores tinham de ter reduzido “voluntariamente as entregas de leite de vaca durante um período de três meses (período de redução), quando comparado com o mesmo período homólogo” e, para “serem elegíveis, além das entregas efetuadas durante o período de referência, os produtores” eram obrigados a fazer “entregas a primeiros compradores em julho de 2016, devendo a proposta de redução ser superior a 1500 quilos”, revela o site do Instituto Financeiro da Agricultura e Pescas (IFAP).
A ideia da Comissão Europeia foi clara: atribuir incentivos financeiros aos produtores para reduzir a produção, numa altura de excesso de leite no mercado e de preços baixos.
Preços em queda livre Mas nem esta ideia de redução de produção aliada ao fim das quotas leiteiras – uma medida implementada em 2015 – conseguiu travar os preços baixos. Em Portugal, os valores pagos aos produtores de leite de vaca estão em queda consecutiva há três meses e o valor pago em fevereiro deste ano (0,28 euros por litro) está muito longe dos 0,32 euros que eram praticados em fevereiro de 2015, dois meses antes de serem abolidas as quotas leiteiras. Feitas as contas, representa uma quebra de 10,3% no valor do litro de leite.
A situação não tem agradado à Associação dos Produtores de Leite de Portugal (Aprolep), que tem vindo a reivindicar o aumento do preço do leite, afirmando que os produtores não querem depender de subsídios, mas receber um preço justo pelo fruto do seu trabalho. A Aprolep chega mesmo a dizer que “é tempo de aumentar o preço do leite à produção” e “tempo de a indústria fazer um esforço para acompanhar a recuperação de preços que se regista nos mercados internacionais desde há meses”.
A somar a este problema há que contar ainda com o “conflito” entre produtores e as cadeias de distribuição, em que os primeiros têm chamado várias vezes a atenção para a existência de “práticas comerciais abusivas”, acusando ainda a distribuição de “ter aproveitado muitas vezes a grande oferta de leite existente no mercado para pressionar os preços de forma irracional”.
Também a Associação Nacional dos Industriais de Laticínios (ANIL) tem vindo a apelar para a necessidade de trazer os preços “para patamares de maior razoabilidade”.
E as associações dão exemplos: um litro de leite custa, em média, entre os 42 e os 55 cêntimos, mas a própria indústria admite que é difícil apurar um preço médio, tendo em conta o ritmo e a intensidade das promoções.
Mas os problemas não ficam por aqui. Há que contar ainda com a queda de consumo contínua nos últimos anos. Segundo os últimos dados do INE, os portugueses estão a ingerir cada vez menos leite. Feitas as contas, bebe-se atualmente menos per capita do que em 1985. Apesar de continuar a ser recomendado institucionalmente e aconselhado por muitos especialistas devido aos benefícios para a saúde, surgem cada vez mais argumentos contra o leite – por exemplo, a intolerância à lactose -, penalizando assim o seu consumo.
A verdade é que as associações do setor têm-se multiplicado a promover campanhas para apelar ao consumo de leite. O objetivo passa por dar a conhecer os benefícios da ingestão de leite e produtos lácteos e, ao mesmo tempo, promover a elevada qualidade da produção nacional.