Regressou esta semana à memória o sketch dos Gato Fedorento sobre o concurso ‘O homem mais odioso do mundo’, em que o fiscal da EMEL vence aos pontos um determinado ditador alemão da década de 1930…
Descontando o exagero que só o humor permite, todos os que são confrontados com a chatice de pagar o estacionamento, especialmente quando é ‘só para ir ali um instantinho aos Correios’, têm um primeiro instinto parecido.
Colecionei e paguei, como os meus conterrâneos, envelopes amarelos e vermelhos da EMEL suficientes para ter pensado o mesmo. Analisada a questão friamente, com base na realidade das cidades que temos – e, em particular, das que gostaríamos de ter -, a gestão do estacionamento dificilmente pode dispensar este instrumento de racionalização dos automóveis.
Em cidades como Lisboa, em que as zonas históricas – por força das suas características urbanísticas – não comportam sequer o estacionamento dos residentes, quanto mais dos visitantes, não podemos cruzar os dedos e esperar que os carros não apareçam.
Mesmo em zonas de urbanização mais recente predominam os edifícios construídos sem obrigação de inclusão de lugares de estacionamento, que não oferecem sequer respostas para famílias com uma única viatura. E se subirmos a parada para casos em que o agregado já inclui duas ou três viaturas, a ausência de espaço torna-se crítica.
E ainda só falamos de residentes. Em zonas com outras fontes de pressão – como o turismo, a proximidade de recintos comerciais, desportivos ou de espetáculos de massas, ou a possibilidade de estacionamento gratuito perto de uma entrada de Metro (que permita fazer o resto do percurso pendular até ao centro da cidade, onde o estacionamento já é pago) – temos uma tempestade perfeita.
É nesta realidade que tem de se perspetivar o recurso ao estacionamento pago: é uma medida racionalizadora de um bem público escasso (os lugares de estacionamento), protegendo os residentes (que não pagam pelo primeiro carro) da pressão externa e eliminando a pressão incomportável que o tráfego pendular acresce diariamente, trazendo congestionamento e poluição.
Naturalmente, este caminho não dispensa, antes exige, um reforço da qualidade e frequência do transporte público, e a criação de parques de dissuasão junto de interfaces nas entradas das cidades e com bilhética acessível – de resto, o que se tem feito em Lisboa, com a criação de mais três mil lugares de estacionamento nas zonas periféricas e uma nova filosofia para a Carris, vocacionada para a mobilidade sustentável.
Torna-se, pois, incompreensível o que sucedeu em Carnide na passada semana, em que a ação direta tentou substituir o Estado de Direito e em que os autarcas mudaram a sua posição de recetividade ao ordenamento do estacionamento para surfar a onda da reação emotiva e pouco racional à EMEL.
A necessidade de parquímetros e gestão do estacionamento é uma ideia partilhada por autarcas de todo o país, que têm de garantir a qualidade de vida aos seus residentes. É, acima de tudo, uma questão que nada tem de ideológico, como se vê pelas opções dos autarcas da CDU em Almada, Seixal, Sesimbra ou Setúbal, que já passaram por esse processo decisório e concluíram que se trata de um instrumento que faz falta.
Serão, provavelmente, bons e insuspeitos conselheiros…