É um personagem cativante que fala um português aveludado com sotaque brasileiro. Aos 83 anos, André Jordan está empenhado no seu novo investimento de Belas, que esteve praticamente parado durante 10 anos, devido à crise económica. Jordan nasceu em Lwów, que fazia parte da Polónia e hoje é território ucraniano.
A sua família fugiu aos horrores nazis e refez a vida no Brasil. Estando há décadas à frente de projetos imobiliários, foi ele que criou a célebre Quinta do Lago, Jordan parece um jovem empreendedor a falar de novos projetos. Durante quase quatro horas e meia, falou de tudo e de como o mundo mudou: «Hoje é tudo global. É extraordinário como Portugal era um país que vivia isolado e hoje o que acontece em qualquer parte do mundo nos afeta». O seu português abrasileirado leva-o a defender sempre os dois países: «É extraordinário que Portugal produz personalidades que têm um grande peso universal e as pessoas não repararam ainda de como isso acontece. Como é possível que o homem que tem o cargo mais importante a nível mundial seja um português, Guterres». Esta semana publicamos a primeira parte da entrevista feita no seu escritório de Lisboa. Na próxima edição do SOL, publicaremos a segunda parte.
Comecemos pelo seu último projeto, anunciado a 5 de abril. Foi um investimento de 100 milhões…
Esse projeto envolve a nova fase de Belas, que são 1400 fogos. O núcleo anunciado é o Lisbon Green Valley e tem 300 fogos. O projeto não tem paralelo na Europa, pelo menos numa capital, já que é um projeto de baixa densidade, basicamente dentro da zona urbana. Estamos a 15 minutos de qualquer ponto, os acessos a Belas hoje são muito bons para todo o lado, Cascais, Estoril, aeroporto. Quando iniciei o projeto de Belas e analisei os mapas, as estradas já estavam lá, mas demoraram 20 anos a fazer. Demora-se atualmente dez minutos até ao Colombo, é incrível. É uma situação única a nível internacional, pois Portugal pode ser um destino preferencial de habitação ativa, ou seja, as pessoas vêm para cá não como um refúgio mas como uma base de operações – e esse é que acho que deve ser o objetivo, atrair para aqui o lado operacional de muitas empresas. Atualmente já está a acontecer, mas ainda não se percebeu isso. O meu filho mais novo trabalha num banco francês que está a transferir departamentos inteiros para Lisboa e isso vai acontecer mais e mais.
Qual a razão para isso estar a acontecer?
É a relação custo-qualidade. A mão-de-obra em Portugal é infinitamente mais barata, qualificada. A qualidade de vida aqui também é melhor, a habitação é mais barata, a comida é mais barata.
Começou por vender o novo empreendimento onde?
No Brasil, lançámos no Rio e fizemos uma coisa original em relação aos empreendimentos portugueses mas que tem sido feita no Brasil. Montámos uma loja temporária, como se chama hoje, pop-up store, num shopping center e começámos a atrair pessoas para irem lá e deu resultado. Agora estamos preparando o lançamento em São Paulo. Daqui partimos para França e Inglaterra. Em relação a Inglaterra, há realmente uma coisa curiosa: continua a ser o maior mercado do Algarve mas os ingleses nunca vieram para Lisboa. Os turistas vêm para aqui à procura do Chiado, do Bairro Alto, de Cascais e do Estoril, mas nunca ouviram falar de Belas. O nosso desafio é atraí-los.
O grande desafio é convencer os estrangeiros a irem viver para lá.
E os portugueses também! Ou melhor, nós temos muitos portugueses a viver lá e adoram. Temos uma taxa de satisfação muito alta. Há jovens que foram para lá crianças e que se conheceram, casaram, tiveram filhos e estão lá. Há três gerações às vezes de famílias e temos essas combinações todas. Em relação ao mercado internacional, é o grande desafio.
Acredita então que este tipo de projetos são fundamentais para atrair turistas.
Aí quero falar primeiro do mundo. Portugal transformou-se, sem se dar conta, num país internacional. Passou a ser um país onde as pessoas vão como parte do seu universo, mesmo em férias. Por exemplo, em Belas descobrimos que temos 26 nacionalidades a morar lá, e só agora começou a ser um projeto também turístico. Comecei a perceber que o futuro de Portugal era consolidar a posição de ser uma plataforma internacional – que já é de certa forma para os chineses. É preciso ver que Portugal é o país onde há o maior investimento chinês na Europa, penso que em termos relativos, do produto bruto. Os brasileiros também começam a ver Portugal dessa forma. As pessoas estão desencantadas com o Brasil, infelizmente com razão. Estamos numa situação em que os maiores empresários do Brasil estão todos presos. Uma boa parte da alta burguesia próspera ficou desgostosa porque o Brasil está em recessão, têm o seu dinheiro e agora olham para Portugal como nunca tinham olhado antes porque os brasileiros iam para Miami. Miami, como me disse uma vez um ex-Presidente da Bolívia, é a capital da América Latina (risos). Havia uma espécie de Miami society, mas também houve uma recessão na Florida e o nível cultural das pessoas, quer locais quer estrangeiros, era um pouco desequilibrado. O estilo de vida, a cultura local não era bem o que eles sentiam e então começaram a olhar para Portugal, só que os chineses já tinham entrado cá a comprar tudo o que estava disponível. Convém dizer que no Brasil a corrupção era uma coisa normal. Quando eles querem acusar o Lula por causa da quinta, isso no Brasil é normal, já que essa benesse é vista como algo merecido. Não fica bem você sair do poder teso (risos).
Os vistos gold têm facilitado a vinda de muitos chineses.
Sim. Entretanto, os empreendimentos novos ficaram todos parados, como o nosso, deixou de haver produto novo no mercado. Não havia compradores, não havia dinheiro, as empresas faliram, etc. E também houve aí um certo charme de comprar as casas antigas, que já começa a cair. Há uma certa desilusão, porque as pessoas veem que a qualidade de vida em sítios como o Chiado não é muito boa. É um lugar mais para pessoas em trânsito do que para morarem – as pessoas são atropeladas na rua por multidões. E a qualidade do turista que anda ali não é assim fantástica. Voltando. Os brasileiros começam a olhar para Portugal como uma base, e eu conheço uma série deles assim. E estão também muito preocupados com o futuro social do país, coisa que nunca os preocupou minimamente! Começam com medo que haja uma revolução, coisa que se vê em toda a parte. Portugal é um país tranquilo e seguro. O problema também passa por as pessoas não se sentirem atraídas pela política, porque a política honesta paga mal e dá muito aborrecimento, qualquer cidadão normal pode ter as suas aventuras e o político não pode. Com exceções, digamos que as pessoas de menos capacidade foram para a política porque tinham alguns talentos, como falar bem e saber relacionar-se.
Está a falar da política em Portugal?
Em todo o lado. O Nixon era de uma pequena cidade da Califórnia e, quando voltou da guerra, foi para lá e abriu um restaurante. Não tinha nem um cliente. Viu um anúncio no jornal do Partido Republicano que estava à procura de um candidato a deputado para aquele distrito, porque o candidato democrata ganhava há 30 anos e ninguém queria candidatar-se contra ele. Ele candidatou-se e ganhou.
Usando que argumentos?
Foi de porta em porta, coisa que o outro já não fazia. Mas aconteceu uma outra coisa que foi o casamento da política com a indústria do entretenimento e começaram a surgir pessoas que eram eleitas porque criavam no eleitorado um sentido de familiaridade. Acho que todas as interpretações complicadas que dão à eleição de Trump devem-se ao facto de no resto do mundo as pessoas não terem percebido que foi eleito principalmente porque era conhecido na televisão. E já vou falar do Marcelo, que é outro caso muito interessante. Entretanto, a globalização da busca do poder permitiu que o Putin conseguisse infiltrar-se no meio de Trump – que realmente é um caso de superior ignorância, nem é bom empresário, faliu três vezes! Ele é um grande auto-promotor, tem uma marca, vende a marca para as pessoas que lhe desenvolvem os empreendimentos imobiliários, não é ele que os faz. Tenho uma vida muito ligada a Nova Iorque e sei que Trump nunca foi levado a sério na cidade. Era considerado um palhaço com grandes complexos sociais já herdados do pai, porque eles não eram aceites socialmente em Nova Iorque apesar do dinheiro. E isso também o incomodava muito. Então o Putin viu no Trump um instrumento do seu poder, apesar da Rússia ter uma situação política secundária, é economicamente fraca e tem uma situação militar de segunda ordem. Mas ele é um grande operador da área melhor desenvolvida da vida pública mundial que é a área da informação e da espionagem.
Nos EUA, por exemplo, o orçamento das instituições de espionagem não passam por escrutínio. Eles reportam a uma comissão do Congresso mas não apresentam as contas, só dizem: ‘precisamos de tanto’. Mas qual é o plano? Julgo que é assim: os EUA já quiseram enfraquecer a União Europeia e conseguiram. Depois veio o Putin que queria acabar com a União Europeia e o Trump começou a dizer coisas contra a Europa! Quer acabar a relação dos EUA com a China! Depois da Segunda Guerra, os EUA decidiram financiar a sua posição de poder, perceberam que se não financiassem não teriam o poder. Começaram primeiro com o plano Marshall e depois passaram a financiar as instituições internacionais, como as Nações Unidas e governos inteiros, como Israel. Em resumo, para dominarem, eles têm de pagar.
A vida é feita de opções. Por exemplo, os chineses vendem aos americanos e depois aplicam os dólares que ganham no papel do tesouro americano. Então é a clássica pescadinha de rabo na boca. Trump lançou um caminho e já começou a arrepiá-lo. Agora se esse caminho que ele iniciou, de acabar com os acordos comerciais com os seus fornecedores que são o México e a China, vai para a frente não se sabe… Ele entregou a Merkel uma conta de 300 biliões de dólares que, segundo ele, a Alemanha deve à NATO. E Merkel entregou a conta ao secretário e o secretário pôs no lixo (risos). Mas Trump começou a ver que, afinal, a coisa não é bem assim, porque se for assim acabou-se a civilização do ocidente. O ocidente vive desse esquema, liderado e financiado pelos EUA, e se isso acabar o poder passa para Oriente. Se dura ou é estável, é outra coisa que hoje ignoramos. Eu já estava muito preocupado com esse estado de coisas. Preocupa-me ele ter nomeado como ministro do Ambiente um senhor que não acredita no aquecimento global. Nomeou uma ministra da Educação que é contra a educação pública e cujo irmão é dono do BlackWater, aquele exército privado que faturou três mil milhões em prestação de serviços de segurança no Iraque depois da guerra. Não é brincadeira. Nesse quadro, de repente as pessoas começaram a ver que irá haver uma grande transferência de poder. Acontece que, apesar de tudo, no Congresso americano, os democratas e alguns republicanos estão a resistir e a dar para trás em quase tudo.
Há poucos dias teve de despedir o homem mais perigoso que tinha lá, o Steve Bannon, completamente ao serviço do Putin, funcionário dos russos. Mas ele não está conseguindo, a começar pelo ObamaCare, que ele disse durante a campanha toda que era a pior coisa que podia ter acontecido aos EUA e que ele tinha um plano muitíssimo melhor. Não tinha plano nenhum.
Foi a primeira grande batalha que perdeu.
Foi a primeira, mas foi muito indicativa de que ele não vai conseguir as outras. Redução de impostos, programa de obras públicas… Quer dizer, é uma contradição! Por um lado, ele baixa a receita, por outro, aumenta a despesa? A revolução industrial deu força à Europa e a primazia cultural que tem no mundo inteiro, mas hoje você vê que a Europa vive muito mais do supérfluo. Da indústria de roupa, das marcas, dos museus, da diversão, fora o cinema. A Europa vive muito disso, o homem mais rico da Europa é o dono da Zara, o de França é o homem da Louis Vuitton. Isso diz qualquer coisa. E vive também de vender ao oriente, são eles que sustentam a indústria do luxo europeu.
Essa eleição do Trump foi na verdade uma chamada de atenção para a Europa acordar. Tudo isto para dizer que Portugal tem uma situação e momento único de ser uma plataforma internacional de grande importância, ainda que não seja uma coisa imensa, porque é um país pequeno. Temos a possibilidade de sermos uma fonte de serviços, de vida, de habitação e de negócios de uma elite média alta e alta da Europa e de outros países do Médio Oriente, da China. Se for investigar, há todo o tipo de comunidades em Lisboa. Portugal já é um país cosmopolita e internacionalizado, agora tem é que aprender a faturar sobre isso. E aí chego ao turismo. O turismo tem de atrair o turista influente, não podemos ser uma Disneylândia barata. Isso não compensa, não é que eu esteja a fazer discriminação turística. Não estamos aqui para financiar as férias dos outros, estamos aqui para que financiem as nossas! Gente que vem para Lisboa, toma uma ginjinha e o único lugar que faz fila é no pastel de Belém, noite e dia – além dos Jerónimos. Há um grande casamento entre o turismo e o imobiliário que antes não era compreendido, a própria indústria turística achava até que o imobiliário era um concorrente. Afinal complementam-se e esse casamento tem que ser potenciado. É preciso oferecer serviços, acompanhamento e tudo, atividades, eventos.
Na Quinta do Lago e em Vilamoura fizemos eventos que qualificaram aqueles empreendimentos, atraindo um tipo de cliente com grande capacidade económica. Por exemplo, o evento hípico que há durante dois meses em Vilamoura, no inverno, é uma coisa que só traz gente rica, 700 cavalos. Até os cavalos são ricos (risos). Hoje é uma cidade hípica, é um segmento novo e é esse tipo de coisa que nós temos que desenvolver e financiar. E o Estado deve deixar de se preocupar com a influência dos privados, e os privados têm que se deixar de preocupar que o Estado financie a promoção. Os privados devem juntar-se e pôr dinheiro nestes eventos de promoção sociocultural que atraia clientes com capacidade económica. E com isso virão as empresas atrás.
Acha que isso não está a ser feito em Lisboa?
Acho que Lisboa é um lugar em que as empresas gostam muito de fazer reuniões. Noutro dia vim num avião ao lado de um sujeito que vinha não sei bem de onde para uma reunião dos diretores da empresa dele cá. Mas não há nada para fazer à noite em Lisboa. Acaba-se de jantar e a noite acabou, vai ver filmes adultos no quarto do hotel (risos). As mulheres não sei, e cada vez mais há mulheres executivas. Sou militante do poder das mulheres, acho que são muito mais competentes, mais inteligentes e têm menos ego que os homens.
Em relação a esta história do turismo. É um facto que este turismo que existe em Lisboa mudou a própria vida dos lisboetas, que ganharam uma fonte de rendimento que não tinham até aqui, por exemplo com o arrendamento dos apartamentos. O que acha deste fenómeno?
Esse negócio do alojamento local tem um rendimento muito fraco. Dá um dinheirinho para a pessoa viver, mas não passa muito disso. Os custos são altos, não é um negócio que traga prosperidade e principalmente não cria emprego, fora algumas pessoas que fazem limpeza e mudam a roupa dos quartos uma vez por semana. Cada vez que sobe um bocadinho o preço, o mercado aquece mas diminui o tempo de estadia. Se vir as estatísticas, nota que os turistas há dois anos ficavam três dias, agora ficam um dia e meio, porque a capacidade desse turista é muito baixa. Realmente, a restauração melhorou muito pela refeição barata. A verdade é que esses restaurantes empregam mais uma ou duas pessoas e houve um aumento em relação a esse nível mais baixo do emprego. Os restaurantes mais caros, fora aqueles três ou quatro que estão na grande moda internacional, como os do Avillez e outros, estão todos vazios. Durante a semana, os restaurantes mais caros estão praticamente vazios até ao almoço. Os restaurantes médios funcionam mais ou menos bem, os baratos bem e os caros funcionam mal.
Como olha para os números apresentados pela Câmara, que diz que tem ganho imenso dinheiro com este turismo?
Eu era do conselho da Associação Hoteleira de Portugal e fui dos que apoiei a taxa turística. Têm ganho dinheiro aí mas também no imobiliário. Mas eu estava a falar no sentido de consolidar o turismo como um instrumento de desenvolvimento e de consolidação da situação económica do país – ou vamos vivendo de um turismo assistencial, que é o que está a acontecer agora? A Câmara tem mais dinheiro… e daí? Fez mais canteiros, uns jardins, umas coisas. Não basta. Não vai substituir a indústria. Temos que consolidar Portugal como uma base de turismo e investimento e, lá está, como uma plataforma. Se fizermos as coisas necessárias, estamos no limiar para que isso aconteça.
O que é necessário, então?
É preciso marketing, que é uma coisa que os portugueses não são amigos, aqui sempre há a ideia de que o marketing é uma coisa que não é quantificável. É preciso marketing especializado, dirigido aos bancos e empresas para os atrair. Neste momento, está toda a gente em Londres a disputar a Inglaterra por causa do Brexit. As empresas vão sair e estão lá os alemães, os franceses, os ricos a atraí-los. Falta utilizar organismos especializados em marketing deste tipo para atrair determinados nichos de mercado. É preciso conhecer as pessoas certas e ter dinheiro para investir. Têm de poder convidar o administrador de banco que queiram que venha para Portugal para o melhor restaurante, etc. É preciso fazer charme.
Acha que a Europa não tem outro caminho que não seja apostar no supérfluo? Não vamos ter indústria?
Temos uma Alemanha que tem a sua especialidade e cada país tem uma economia viável, não digo que não. Agora, realmente, a dependência da Europa é do supérfluo e do turismo. A Espanha tem um número de turistas superior à população. Paris, Londres… É extremamente importante e eu não quero esse turismo, quero um turismo menos de predador do meio e do ambiente, mais próspero, mais estabilizado, gastando mais tempo e dinheiro e investindo no futuro do país. Não quero que pensem mal de mim por causa disso (risos).
Mas acha que este turismo é prejudicial ao país?
Não disse isso, disse que temos que ir buscar o outro. Não sou contra este turismo e não acho que é demais como dizem agora, é mentira. Estava tudo morto, com pobres desgraçados que subiam cinco andares para chegar a casa ou quando desciam já não conseguiam subir (risos). Temos é que deixar de nos enganar a nós próprios e perceber que este turismo é apenas marginalmente rentável. E em relação ao turismo clássico não é rentável de todo porque cobre as despesas operacionais.
Está a dizer que este turismo não é rentável?
A este nível mais baixo gera receita. Havia restaurantes fechados que reabriram, dão para o dono, a mulher e os filhos viverem. Também é válido, não digo que não! Mas não resolve o problema estrutural do país, a economia, o progresso do país. Por isso digo que temos que ir buscar um outro turismo que é rentável. Há alguns hotéis e resorts em Portugal neste momento que fazem preços internacionais porque fazem promoção, investem.
O que considera serem preços internacionais?
Acima dos 300 euros por noite. Há quatro ou cinco em Portugal que fazem, por isso quer dizer que é possível.
E têm sucesso?
Estão cheios. No Douro, o Six Senses Douro Valley, está dando muito dinheiro, pertence a um fundo. O Conrad, na Quinta do Lago, que é da Hilton, o Yeatman, em Vila Nova de Gaia, que é um dos melhores hotéis do mundo neste momento. E cobram acima dos 400 por noite. Mas não é só isso, temos que estabilizar o turista. Não há nada mais barato do que a promoção bem feita. Gastar cem mil dólares ou euros numa promoção que vai gerar milhões ao longo dos anos é um grande investimento. Há muita coisa que se pode fazer em cultura, em música…
Um dos nosso trunfos é a hospitalidade.
Há uma coisa muito curiosa: os portugueses realmente tratam muito bem os estrangeiros, turista ou não turista. Recebe bem. No entanto, o estrangeiro, por mais tempo que viva cá, não é aceite como um local. Isso acontece até comigo. Sou reconhecido, aceitam as minhas opiniões, já houve épocas em que não, mas pronto. Até hoje os portugueses não olham para mim como um deles. Sou aceite, mas não sou um. Noutros países que vivi não é assim.
Nota isso em quê?
Por exemplo, sou convidado para muitos eventos sociais e oficiais. Nunca há um estrangeiro residente num evento importante em Portugal. Os administradores das grandes empresas internacionais noutros países são integrados na elite, aqui não são. Uma vez comentei isso com Jorge Coelho quando aquele Seguro fazia aquelas jornadas, não lembro o nome. Cheguei lá e havia mais de quinhentas pessoas e não havia um estrangeiro residente em Portugal.
Mas se o convidam, é um exemplo de que o tomam por português.
Não, eles me tomam como integrante, vamos dizer assim, da elite. Mas não como português.
Tem a nacionalidade portuguesa, certo?
Tenho, há muitos anos. Até me podem tomar como português, mas não como um deles. Eles aceitam que sou português até porque já dei muitas provas de patriotismo, sou um português testado (risos). Mas digo sempre que acredito mais em comunidades do que em nacionalidades. Nos sítios onde vivi, tento ser útil naquela comunidade. O ambiente, essas coisas, acho que cada um tem fazer a sua parte. Nas nossas empresas, sem demagogia, realmente nos dedicamos a isso, e o meu filho Gilberto, então, é muito dedicado às questões ambientais e da energia.
Se cada um fizer a sua parte, vamos contribuir para diminuir os malefícios da poluição, do aquecimento global e etc.
Agora o Trump não acredita nisso. Não pode deixar de ser extraordinário que uma pessoa com estas características tenha sido eleito Presidente da nação mais forte do mundo… Mas a burguesia americana tem uma obsessão: não pagar impostos. Todo o americano que tem algum dinheiro odeia impostos. Então ele conseguiu reunir o apoio dos deserdados com os herdeiros – até me saiu bem essa frase (risos). E outra coisa também, e ainda falando no Trump, não sei se ele merece esta atenção toda… Aquela massa branca trabalhadora que o apoiou da zona industrial do midwest é muito preconceituosa, é racista e antissemita. Mas a elite do aço que eles chamam de white anglo saxon protestan, também é mas não dizem, são iguais. Juntaram-se dois extremos da sociedade americana com os mesmos preconceitos, uns declarados e outros ocultos.
Agora, vamos falar dos portugueses. Como é que é que um país pequeno como Portugal ‘produz’ um tipo de dirigentes públicos e privados que alcançam as mais altas posições mundiais? Desde a Comissão Europeia, presidida por um ex-primeiro-ministro português, às Nações Unidas, dirigidas por um homem que não conseguiram se opor a ele porque tinha qualidades tão destacadas em relação aos outros candidatos? Havia mais candidatos e interesses e não havia nada a dizer contra ele!
Podemos ir buscar outra vez o tal general romano que dizia ‘vamos embora que os portugueses não se sabem governar e não querem ser governados’, atendendo a que Guterres se demitiu enquanto primeiro-ministro porque achava que isto era um pântano e Durão Barroso foi-se embora mal pôs os pés no Governo? É mais fácil governar o mundo do que governar Portugal?
Eu não acabei ainda! Perceber que um Presidente da República (Jorge Sampaio) quando acabou o mandato foi convidado para as Nações Unidas para presidir a um organismo recém-criado que era o encontro das nações, muito difícil, onde ele fez os maiores progressos. É um projeto cujo objetivo é acabar com os confrontos religiosos e raciais que vem envenenando a vida do mundo atualmente. Mas não era só por aí, porque também algumas das maiores empresas privadas do mundo e bancos são presididos por portugueses. O HSBC, um dos maiores bancos do mundo, é presidido por um português, gay militante, faz questão de dizer. A Peugeot é presidida por outro português. A Havas, uma das maiores agências do mundo, foi dirigida pelo Ricardo Monteiro, outro português. Como é que esses executivos chegam ao topo em ambientes altamente concorrenciais? E por que é que não é possível – com todo o respeito pelo general romano (risos) e que tem um fundo de verdade, não há dúvidas – não nos consensualizarmos em torno de um programa nacional? Nós estamos a viver a era da pós-ideologia. Realmente as ideologias morreram e temos o primeiro estadista mundial verdadeiramente pós-ideológico que é o nosso Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa. E que fez uma campanha como nunca ninguém fez em parte nenhuma do mundo, isso é uma verdade absoluta, não houve um cartaz, um comício, nada. Com o Governo, Marcelo entende o que é o interesse nacional e essa é a única coisa que o guia.
Não me conformo de que não sejamos capazes de ultrapassar, digamos, os pequenos interesses. Marcelo preparou-se a vida inteira para este lugar. E tudo o que ele fez antes não o preencheu. E penso que o Marcelo é capaz de conduzir o país a esse desígnio, ele tem sido absolutamente extraordinário. Não comparo a popularidade televisiva dele com a do Trump ou de outros. Nos EUA, agora, até já apareceu a Oprah que diz que vai ser candidata (risos). E a grande esperança do Partido Democrático é o George Clooney (risos).
E as partidas que Marcelo fez ao longo da vida. Acha que vai deixar de as fazer?
Sim, mas isso foi antes. Uma vez que ele atingiu o objetivo, ele é impecável. E nunca mais vai fazer uma intriga, porque não precisa (risos). E ele tem outra característica, é completamente desinteressado materialmente. Não tem interesse nenhum pelo dinheiro, é uma espécie de asceta. De modo que acho que o Marcelo, mundialmente, é um exemplo. E ele está a apoiar este Governo porque acha que é viável, e se amanhã vier outro viável ele vai apoiar também.
Ainda não respondeu concretamente à pergunta. Por que acha que os nossos políticos brilham lá fora e não conseguem resolver as coisas cá dentro?
Não tenho a certeza de que sei responder a isso, mas sei o seguinte: acho que a estrutura da autoridade em Portugal, para não dizer do poder, foi de tal maneira autocrática… Há coisas em Portugal que são impressionantes. Quando você dá uma instrução a uma pessoa subalterna, abaixo de si, a pessoa sempre responde à sua instrução em forma de pergunta. Por exemplo, você entra num carro e diz para o motorista: ‘Vamos ao Chiado’; ele responde: ‘Para o Chiado, é?’. Sempre, porque eles querem ter a certeza. Isto já vem do tempo da aristocracia, que os tratava mal, se o sujeito se enganasse, sofria. Acho que é muito isso, porque não se dá autoridade às pessoas, não se ouvem as pessoas nas empresas. Porque quem está em cima, sabendo ou não sabendo, acha que sabe tudo. A pessoa ocupa o lugar, acha que automaticamente sabe tudo e não está muito disposto a ouvir outras opiniões.
E quando chegam lá fora já estão dispostos?
São obrigados, o sistema é outro. O sistema é basicamente um ‘colegiado’.
É um homem sem problemas em admitir algumas coisas pessoais. Nunca negou que tenha feito sessões de psicoterapia?
Não, acho isso de esconder tão ridículo. Mas é verdade que há muito isso. Fiz psicoterapia porque tive uma depressão no Brasil por causa de problemas complicados. Fiz com uma mulher russa que até era minha vizinha. Eu falava e falava e de repente ela só dizia: ‘Por que é que você usou essa palavra?’. Aprendi com ela a dar valor às palavras que as pessoas usam, porque têm peso.
Não aprendeu o valor das palavras quando era jornalista?
Fui jornalista ativo muito jovem e durante pouco tempo, por isso nunca digo que sou ou fui jornalista. Acho que a gente é aquilo que é pago para ser, quando não é pago é amador (risos).
E a segunda vez que fez psicoterapia, foi porquê?
Foi muito engraçado, estava muito atrapalhado com a situação conjugal. Dessa vez fiz com uma mulher portuguesa que não falava nada. Da primeira vez fiz deitado num divã, dessa foi sentado de frente para ela, se chamava Raquel. Um dia disse-lhe que não sabia nada a respeito dela, se era casada, solteira, se tinha filhos. Zero, ficou calada e disse para continuarmos.
Nota-se que está com uma grande serenidade. Foi por causa do último negócio?
Em parte, sim. Fizemos uma travessia no deserto que durou dez anos, em que todo o dinheiro que ganhei no passado fui pondo para aguentar o negócio que não é para mim. Tenho dinheiro para o tempo que me falta e a minha família também está mais ou menos resolvida. Mas era mais pela obra, para preservar o legado e lutando muito, houve muitas dificuldades burocráticas e também estamos a lidar com um mundo novo e desconhecido. É tudo diferente nesta altura, você tem uma experiência de 60 anos de atividade em várias partes do mundo e hoje nem uma verdade adquirida é válida. E não é consolidado, não são novas verdades, são novas dúvidas. Hoje talvez esteja numa disposição melhor, mas de uma maneira geral sou positivo e num momento como esse me divirto.
Da mesma maneira que temos ex-primeiros-ministros em cargos de topo no mundo, também temos um antigo primeiro-ministro como arguido. Somos capazes do melhor e do pior?
Não, vocês são melhores no melhor do que no pior. Fora de Portugal há muito piores. Diria que o Sócrates, se for condenado, é quase a exceção que quebra a regra, é como o Oliveira e Costa. O Ricardo Salgado achava que tinha direito a fazer nem sei o quê porque pertencia à alta aristocracia financeira. E o Oliveira e Costa era só um trafulha. No dia em que o banco (BPN) abriu, toda a praça sabia quais eram os objetivos, então só o banco central é que não sabia? Uma coisa impressionante. Mas não quero pessoalizar. Costumo dizer uma coisa. Há muito pouca corrupção em Portugal. Até pelo facto de haver pouca é que a corrupção que houve a alto nível foi com tanta audácia porque não havia grandes desconfianças.
Eu nunca paguei para aprovar um projeto e fiz não só a aprovação de masterplan, como a Quinta do Lago ou Belas, como dezenas e centenas de projetos menores sem pagar a ninguém. Até acho que possa ter havido aqueles funcionários que sabiam que eu não faria tal, mas nunca paguei. E isso é uma prova bastante evidente. Acho que há muito pouca corrupção em Portugal até por medo, porque as pessoas tem medo de ser apanhadas. E a corrupção que existe muitas vezes é para facilitar e não para ir contra a lei, mas para fazer o que é permitido (risos).
É mesmo um otimista.
Há muito poucos países em que não há corrupção. Até a Alemanha também tem. Agora da Holanda para cima, não há corrupção. Pelo menos são países em que um governante não aceita boleia de ninguém, literalmente. Já em França, não é normal que o ministro saia sem alguma vantagem, se esteve no Governo tem que estar bem de vida. Com bons contactos. E ninguém nem comenta.
Agora estão a comentar.
Sim, mas são casos maiores, casos correntes são considerados normais. E de Itália nem falar, não é? Já tive negócios com italianos e na altura a pessoa que não tivesse estado preso ficava até mal.
Em relação ao fim da civilização ocidental, acha que o Trump é o principal sintoma disso?
Ele foi a manifestação maior porque o símbolo desta civilização é o Presidente dos EUA. Eu próprio nunca tinha reparado o grau em que o Presidente norte-americano governa por decreto. Decreta e pronto, como foi a coisa dos imigrantes passageiros de avião que causou o caos no mundo inteiro. Fui vice-chairman do World Travel and Tourism Council, que é a maior organização privada do setor turístico e muito acreditada. E digo sempre que o turismo é a vítima inocente de todos os dramas que acontecem no mundo, políticos, catástrofes, tudo.
Como em tudo na vida há uns afetados e outros beneficiados. Nós, por exemplo, estamos a ser beneficiados com a situação na Turquia, na Tunísia, Marrocos…
Não vejo nos números que haja assim um benefício tão grande. Porque o volume de turismo que temos é aquele de que já falámos, o mais barato. Há um setor do jornalismo de turismo internacional que descobriu que, pelo preço, Portugal era uma maravilha, não havia nada igual e não há, nem nos países do leste, um local, por esse preço, tão bonito, tão agradável. Mas não diria que esse é um fator preponderante, ajuda mas não é preponderante.
Voltando ao fim da civilização, além de Trump…
Acho que a tecnologia está a contribuir fortemente para criar desemprego estrutural no mundo inteiro. Todas as pessoas que não têm alta qualificação em qualquer setor que funcione está com o seu emprego em risco porque a tecnologia está a substituir o emprego. E os empregos novos que nascem, via tecnologia ou via energias renováveis, são muito menos em volume do que os que foram eliminados. Outra das coisas que me chamou mais a atenção nos últimos tempos é que a China está a pôr robots nas fábricas. A China, que precisa de dar trabalho a milhões de pessoas, elimina empregos, é uma onda inexorável. E ninguém está preocupado com isso.
Todos os dias tenho pedidos de emprego de pessoas de 35 a 40 anos. As pessoas que não são imprescindíveis e que não são altamente qualificadas não são empregáveis, ficaram supérfluas e têm família e hipotecas para pagar. E o mundo não está preocupado com isso e muita dessa tecnologia tem a ver com o entretenimento. Não tenho nenhuma rede social e nem sei como é que as pessoas têm tempo para ter. Como é que as pessoas têm tempo para ficar horas brincando com o computador? Acho o iPhone muito útil mas não o acho muito divertido. Então o entretenimento passou a ser uma indústria muito tecnológica, não criando necessidades de mão de obra. Isso também criou personagens como o Trump e o italiano palhaço, o Beppe Grillo. O deputado mais votado do Estado de São Paulo também é palhaço, o Tiririca. E cada vez mais a popularidade é a familiaridade. A minha mãe, que era uma pessoa muito interessante, odiava a televisão. Ela saiu do Rio, morou muitos anos em Nova Iorque e depois foi para Paris.
Tinha trabalhado na tradução do Proust, aquelas coisas todas. E tinha um apartamento em Paris, eu estava aqui em Portugal e ia lá vê-la. E ela era super fã do De Gaulle. Eu chegava na casa dela, e ela estava ouvindo rádio, e eu perguntava-lhe: ‘Você gosta tanto do De Gaulle, porque não o vê na televisão, nas cerimónias a fazer os discursos e assim?’. Ela respondeu: ‘Ele não me convida na casa dele, eu não convido ele na minha’. E sempre achei isso uma piada. E vi que agora com essa coisa da popularidade dos entertainers que ela tinha razão. As pessoas entram nas nossas casas, ficam parte da família.
Não acha que é um pouco o segredo de Marcelo?
Não acho, porque o Marcelo não é um entertainer. É um comentarista de assuntos sérios. Você não tem nenhum locutor ou apresentador que chegue ao poder, tem é os que divertem. Os que ficam parte da família.
(continua na próxima edição do SOL)