No centro do golpe que levou à detenção do ex-presidente do governo da Comunidade de Madrid na manhã de ontem estaria a empresa pública de águas Canal de Isabel II, que foi alvo do alegado desvio de fundos por parte de “uma rede de crime organizado” que operava tanto no seio do Partido Popular (PP, os conservadores, no poder) como no executivo de Madrid. Ignacio González seria o cabecilha da organização, contando com alguns dos seus familiares a integrarem a rede que, além do desvio de dinheiros públicos, tinha depois montado um esquema de branqueamento de capitais.
González transitou da presidência da empresa Canal de Isabel II, que ocupou entre 2003 e 2012, para a Comunidade de Madrid, a que presidiu entre 2012 e 2015. As suspeitas que sobre ele recaem prendem-se com ter, primeiro, na direção da empresa, comprado uma série de subsidiárias na América Latino a preços superiores ao do mercado, que assim eram artificialmente inflacionados, abrindo margem para o desvio de fundos, e, mais tarde, na presidência do governo regional, ter autorizado a adjudicação de contratos públicos alegadamente fraudulentos, cobrando comissões ilegais.
Foram detidos até ao momento outros 11 suspeitos, entre eles o irmão de González, Pablo González, que seria o testa-de-ferro do esquema, Ildefonso de Miguel, gestor do Canal de Isabel II de 2004 a 2009 – forçado a abandonar o cargo depois de adjudicar uma obra a uma empresa sua – e Edmundo Rodríguez Sobrino, que terá sido o responsável pela articulação com a América Latina. Este último tinha já sido referenciado na sequência dos Papéis do Panamá, sendo responsável por diversas empresas sediadas nesta offshore. A antiga diretora financeira da Canal de Isabel II, María Fernanda Richmond, também estava no rol dos detidos.
Seguindo o rasto de uma operação que terá lesado os cofres da capital espanhola em cerca de 60 milhões de euros, as informações recolhidas por vários meios de comunicação social espanhóis junto de fontes da investigação indicam que além de os fundos terem ido parar ao bolso dos elementos desta rede, terão também servido para financiar o próprio PP de Madrid. Entre outras atividades, o dinheiro terá suportado campanhas para promover membros da Comunidade, incluindo o seu ex-presidente, González.
A dirigir a Operação Lezo está o juiz da Audiência Nacional e da Fiscalía Anticorrupção, tendo a investigação sido iniciada há mais de dois anos. Aquilo que levantou suspeitas, acabando por denunciar toda a rede criminosa, prende-se com a compra por parte da Inassa – subsidiária da Canal de Isabel II – de uma sociedade brasileira, a Emissão Engenharia e Construções, por um valor muito superior ao real. Outra das irregularidades detetadas nas aquisições feitas no estrangeiro está ligada a uma sociedade de gestão de águas colombiana, a Barranquilla. Os preços faturados à empresa pública madrilena terão ascendido a valores quatro a cinco vezes acima dos de mercado. A empresa brasileira custou 21 milhões de euros. Um ano depois, conta o “El Economista”, o valor contabilístico era de cinco milhões.
Alertados para as descobertas feitas pelos investigadores, esta rede criminosa ainda se mexeu para chantagear a atual presidente da Comunidade de Madrid, Cristina Cifuentes. Segundo o “El Economista”, o diretor e o proprietário do jornal “La Razón”, respetivamente Francisco Marhuenda e Mauricio Casals, terão ameaçado Cifuentes com a publicação de notícias que manchariam o seu nome caso a investigação fosse para diante.