Governo acusa Le Pen de explorar o medo para fazer campanha

Ataque em Paris a 48 horas das presidenciais mais imprevisíveis dos últimos anos deixam França em alerta máximo. Governo francês acusa Le Pen de explorar o medo para fazer campanha.

Em estado de emergência desde 2015 e ainda com as palavras graves do Presidente François Hollande, proferidas após os atentados terroristas de Paris em novembro desse ano, a ecoar na cabeça – «a França está em guerra!» –, o gigante francês acerca-se de uma das mais importantes eleições da sua História banhado novamente em sangue. Na quinta-feira à noite, um homem matou um polícia e feriu outros dois, nos Campos Elísios, a mais emblemática avenida da capital francesa, aumentando para 230 o número de vítimas mortais resultantes de atentados terroristas no país, desde 2015.

Com mais de 50 mil polícias e perto de 7 mil militares destacados nas ruas das suas principais cidades, a França desloca-se às urnas no próximo domingo para dar início ao processo de escolha de um novo Presidente. E se as últimas 48 horas de campanha de uma contenda eleitoral que conta com 11 candidatos para apenas dois lugares – a segunda e decisiva ronda das presidenciais disputar-se-á no dia 7 de maio entre os dois mais votados – estariam destinadas a ser palco para a apresentação de argumentos finais, o mais recente ataque ao coração de Paris trouxe a ameaça terrorista de volta para primeiro plano do debate público.

Num país armado até aos dentes e em estado de exceção, pelo menos até julho, o combate ao terrorismo nunca chegou, naturalmente, a sair da discussão eleitoral. Se, por um lado, a incapacidade do atual Governo em responder aos ataques que abalaram os franceses nos últimos anos contribuiu para que o Partido Socialista tivesse batido recordes de impopularidade, transportados para o seu candidato presidencial, Benoît Hamon, por outro, muito daquilo que compõe o núcleo duro da retórica nacionalista, protecionista, anti-imigração e anti-globalização, da candidatura de Marine Le Pen, assenta num plano de resposta à ameaça terrorista.

As promessas de sexta-feira da candidata da extrema-direita, no rescaldo dos ataques, de «encerrar mesquitas», «restaurar fronteiras» e «recrutar mais 15 mil polícias», somadas aos anteriores compromissos de suspensão da entrada de migrantes de fora da UE em território francês e de expulsão do país de todos os suspeitos de terrorismo sem culpa formada, constataram isso mesmo. Mas causaram revolta junto do Executivo. Citado pela France 24, o primeiro-ministro, Bernard Cazeneuve, acusou a líder da Frente Nacional de estar a «instrumentalizar o medo e emoção», de forma «vergonhosa» e com «fins exclusivamente políticos».

Enquanto prosseguem as investigações [ver texto ao lado], certo é que as mais de 60 mil mesas de voto espalhadas por França vão contar com um forte dispositivo de segurança, para garantir que o ato eleitoral corre da forma mais normal possível.

 

A V República da incerteza

Além da ameaça terrorista, outras questões têm marcado o debate público em França e contribuído para alimentar a incerteza sobre os resultados de domingo. Desde a discorrida falência do establishment Ocidental, passando pela resposta ineficiente das democracias tradicionais à crise económico-financeira, pelo renascimento dos adormecidos movimentos ultranacionalistas e até pelos efeitos da globalização – como a imigração ou o desemprego em excesso –, provocadores de discussões acesas.

Assim, o resultado mais imediato da insatisfeita e fraturada sociedade francesa é um conjunto de sondagens que, embora distintas na atribuição de alguns ténues pontos percentuais aos candidatos ao Palácio do Eliseu, concluem que a segunda volta das presidenciais será disputada entre dois dos seguintes quatro concorrentes: Emmanuel Macron (entre 23 e 25% das intenções de voto, de acordo com os inquéritos respetivos do OpinionWay e Ifop), Marine Le Pen (22 e 23%), François Fillon (21 e 20%) ou Jean-Luc Mélenchon (18 e 19%).

Outros estudos há que colocam o candidato da ‘França Insubmissa’ – o movimento de esquerda que agrega comunistas e socialistas dissidentes – à frente do republicano e até acima da concorrente da extrema-direita, na segunda posição, atrás do líder do movimento centrista En Marche!. Hipóteses diversas e ideais para cenários variados em que qualquer um dos quatro pode aspirar a defrontar um dos restantes três. E que, a poucos dias da votação deste, apenas demonstram que apontar os quatro possíveis é mais aconselhável que antever os dois prováveis.

Nem sempre foi assim. Há uns meses, Le Pen era claramente favorita a marcar presença no confronto final de maio e Fillon era o candidato preferido para poder vir ocupar o lugar de Presidente de França, vencendo essa previsível segunda ronda. Se a líder da (FN) perdeu fôlego e possíveis eleitores para o também pouco europeísta Mélenchon ou para a campanha do vencedor das primárias da direita, este último perdeu o estatuto de predileto, após a descoberta e desenvolvimentos subsequentes da alegada criação, e remuneração com dinheiros públicos, de empregos fictícios para a sua mulher, Penelope, e para os filhos, denunciada pelo jornal humorístico Le Canard Enchain.

O espaço deixado vago pelo candidato d’Os Republicanos caído em desgraça acabou, então, por ser ocupado pelo centrista independente Macron. O ex-banqueiro e ex-ministro de Hollande cresceu espetacularmente nas sondagens e é, nesta altura, o grande favorito à Presidência, caso consiga o apuramento para a próxima fase da contenda eleitoral.

Inexperiente – tem apenas 39 anos e nunca concorreu a uma eleição –, apartidário – prometeu «novas ideias, nem de esquerda, nem de direita», aquando da criação da sua plataforma política –, e afortunado – foi o principal beneficiado pelo Penelopegate –, Macron aposta no chamamento da direita moderada e da esquerda reformista de França, através de um programa pró-integração, pró-liberalização comercial e pró-Europa, e no distanciamento dos partidos do sistema e das candidaturas radicais e populistas.

Quanto ao provável débâcle de Hamon – um dos poucos desfechos destas eleições que se conseguem prever com alguma correção, uma vez que conta com cerca de 8% das intenções de voto – e as dificuldades apresentadas por Fillon põem a nu a perda de confiança dos franceses no seu establishment. Com 56% do total de votos na primeira volta das presidenciais de 2012 e cerca de 70% nas legislativas do mesmo ano, socialistas e conservadores estão em vias de não conseguir passar sequer dos 30% na votação deste fim de semana. «Os eleitores afastaram-se de um sistema de representação para um sistema de identificação», explica ao Politico Pierre Rosanvallon, professor de História Política Moderna do Collège de France. «No sistema ‘antigo’, os partidos tinham bases sociais identificáveis, e a sua missão era a de representar essa base, agregando os seus interesses. Agora estamos num processo de identificação. Os novos líderes estão a apresentar-se como conceitos e os eleitores são chamados a aderir a essa realidade», esclarece o académico.

Resta saber qual das duas combinações de «conceitos» triunfará no domingo. Macron-Le Pen, Le Pen-Fillon, Fillon-Mélenchon, Mélenchon-Macron, Macron-Fillon e Le-Pen-Mélenchon são tudo hipóteses em cima da mesa. Têm a palavra os franceses.