Em teoria eram quatro os candidatos que, de acordo com as sondagens, poderiam aspirar com uma presença na derradeira ronda das eleições presidenciais francesas. Com intenções de voto compreendidas entre 19% e 24%, Emmanuel Macron, Marine Le Pen, François Fillon e Jean-Luc Mélenchon chegavam ao dia da votação com razões legítimas para sonhar.
Entre aqueles, o candidato do movimento “En Marche!” e a líder da Frente Nacional (FN) carregavam algum favoritismo, mas a proximidade com os restantes concorrentes aconselhava prudência, na hora de fazer previsões.
Mas as sondagens confirmaram-se. Segundo as primeiras previsões, com 23,7% e 21,7%, respetivamente, o independente e a representante da extrema-direita vão carimbar o passaporte para a aguardada segunda ronda, marcada para o próximo dia 7 de maio, que decidirá quem será o próximo inquilino do Palácio do Eliseu, deixando para trás os restantes nove candidatos.
“O sistema tentou por todos os meios a impedir o grande debate político que deveria ter havido nesta eleição. O grande debate vai agora ter lugar. Os franceses devem aproveitar esta oportunidade única, porque a mundialização selvagem coloca em perigo a nossa civilização”, declarou Marine Le Pen, citada pela France 24, na hora de festejar um feito que, há 15 anos atrás, também havia sido logrado pelo pai. Em 2002, Jean-Marie Le Pen conseguiu apurar-se para a segunda ronda, onde foi esmagado – 17,8% contra 82,2% – por Jacques Chirac. “Ou continuamos sobre a via de uma desregulamentação total, das deslocalizações, da imigração em massa, da livre circulação dos terroristas, do reino do dinheiro-rei, ou escolhemos a França e as fronteiras que protegem a nossa identidade”, acrescentou Le Pen, antes de rotular o ato eleitoral de maio como uma eleição pela “sobrevivência de França”.
️ #Presidentielle2017 ► Estimation Ipsos / @SopraSteria_fr à 20h du classement des candidats lors de ce premier tour pic.twitter.com/o6T4qBMGSq
— Ipsos France (@IpsosFrance) 23 de abril de 2017
Perante este cenário, confirmou-se igualmente o débâcle do establishment francês. François Fillon (19,5%), d’Os Republicanos, e Benoît Hamon (6,2%), do Partido Socialista, foram humilhados pelas candidaturas ditas antissistema – para além do resultado de Le Pen e Macron, o candidato da extrema-esquerda, Mélenchon, conseguiu uma percentagem semelhante à do concorrente d’Os Republicanos – e, na altura de assumirem a derrota, apelaram ao voto dos seus apoiantes no ex-banqueiro e ex-ministro atual governo.
“É preciso votar contra a extrema-direita e votar Macron”, pediu Fillon, acusando a Frente Nacional de ser “um partido violento”, que “lançaria o caos em França e na Europa”. “Basta desta loucura suicidaria”, foi a deixa de Hamon, o candidato apresentando pelo atual governo. Outras figuras dos principais partidos de França, como o ex-primeiro-ministro do centro direita, Alain Juppé, ou o atual líder do executivo socialista, Bernard Cazeneuve, juntaram igualmente as suas vozes à candidatura de Macron.
Do lado do governo português ouviram-se apelos semelhantes. Em declarações à agência Lusa, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva explicou que as promessas de abandono da União Europeia de Le Pen não são do “interesse de Portugal, que quer que a França continue a ser um grande estado-membro” da organização comunitária.
Em estado de emergência desde o final de 2015 e em alerta máximo desde quinta-feira à noite, após o assassinato de um polícia nos Campos Elísios – que fixou em 230 o número de vítimas mortais resultantes de atentados terroristas no país, desde novembro de 2015 -, a França deslocou-se à urnas envolvida num clima de enorme tensão. Cerca de 50 mil polícias e 7 mil soldados foram destacados para patrulhar as ruas francesas e as 66,546 mesas de voto, por onde podem passaram mais de 45 milhões de eleitores.
A presença dos agentes e militares na rua acabou por se revelar fundamental na hora de impedir que os confrontos que se verificaram logo após a revelação dos resultados eleitorais, particularmente em Paris, pudessem ter tido consequências mais graves.
Com a ameaça terrorista e o clime de tensão vivido no país, no centro do debate político e do dia-a-dia dos franceses, Macron e Le Pen têm duas semanas para tentar convencer os franceses. De acordo com a maioria das sondagens, o candidato de 39 anos parte com enorme favoritismo, com mais de 60% das intenções de voto.
Mas a líder da FN promete luta. Como lembrou no dia em que Donald Trump venceu as presidenciais francesas, a candidata anti-UE, anti-globalização e anti-imigração acredita que chegou a sua hora: “A vitória de Trump tornou possível o impossível”.