Os anos mudaram os destinos, também trouxeram mais escolha, mas não tiraram a vontade a milhares de jovens que todos os anos esperam pela experiência que vão ter longe dos pais: a tão aguardada viagem de finalistas. Só que as tão desejadas festas, pela altura da Páscoa, nem sempre correm bem e o resultado fica bem longe do que estava previsto. A última polémica aconteceu este ano depois de cerca de mil adolescentes portugueses terem sido expulsos do hotel onde estavam em Torremolinos, Espanha, por causa de vários desacatos nas instalações. O comportamento destes jovens acabou por ser notícias em vários órgãos de comunicação social locais que garantiram que o hotel em questão nunca tinha visto «nada igual». Dentro deste «nada igual» cabe um pouco de tudo e, principalmente, danos na ordem dos milhares de euros. De acordo com a imprensa local, foram atirados colchões pelas janelas, arrancados azulejos e houve até televisões a ir parar às banheiras. Um caso que tem levantado novas questões sobre um tema já muito antigo: os excessos que são cometidos neste tipo de viagens.
Já a contar com a probabilidade de existirem problemas deste género, as agências que organizam as viagens de finalistas estão habituadas a ter de incluir nas contas o pagamento de uma caução para eventuais danos que aconteçam durante a estadia dos jovens, mas o valor nem sempre parece ser suficiente. Desta vez, o hotel fez saber que «o seguro não é suficiente para cobrir os danos causados».
Mais um caso no meio de tantos e depois de vários anos marcados por polémicas. Muitos podem não se lembrar, mas o destino das viagens de finalistas chegou a ser o Algarve. O sul do país era então o local preferido dos estudantes, mas as más experiências com os excessos de alguns jovens levaram as unidades hoteleiras da região do Algarve a optarem por subir os preços na altura das férias da Páscoa para evitarem receber os estudantes finalistas. Elidérico Viegas, presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), explica que «os estabelecimentos da região estão a evitar receber excursões organizadas, no sentido de travar as situações de instabilidade provocadas pelos estudantes, como distúrbios junto de outros clientes mas também os danos materiais que provocavam e que depois era preciso compensar, o que gerava conflito». A solução passou, então, pelo prevenir para não ter de remediar e resultou: o valor da caução é elevada e afasta os finalistas.
De acordo com o presidente da AHETA, «o Algarve evita há vários anos receber estes grupos por considerarem que não se enquadram no perfil de turista do Algarve». «As experiências que tivemos com estudantes não foram boas», conta. Elidério Viegas recorda que muitos dos primeiros hotéis a receber, há muitos anos, estes grupos, não sabiam que se tratava de grupos de estudantes finalistas. O sentimento que ficou é generalizado entre os empresários que acreditam que raro é «não acontecer nada» e sustentam que o risco de receber estes estudantes não justifica o dinheiro que entra para o efeito. Elidério Viegas garante que «não aceitaria receber estes grupos». Só mudaria de ideias negociando condições especiais. «Nunca aceitaria receber menos de 500 euros por pessoa, falando apenas da caução. Ia depender de várias coisas, nomeadamente, do número de pessoas que teriam de ficar num único quarto», argumenta.
A mudança nos destinos
Ao longos anos, as experiências das unidades hoteleiras com estes jovens nem sempre foram as melhores e ditaram uma mudança nos destinos. Depois do Algarve, veio – principalmente – Espanha. Mas também aqui há registo de alterações na disponibilidade de receber jovens finalistas. Ao b,i., Tiago Sanches da Gama, diretor comercial na Sporjovem – a agência líder do mercado das viagens de finalistas -, explica que «este tipo de viagem começou nos anos 80 e o destino principal era Torremolinos». Analisando por décadas, o responsável diz ainda que «nos anos 90, os estudantes começaram então a ir para Benidorm». Mas no final dessa década, já existiam mais destinos. Foi nesta altura que começaram a ser escolhidos destinos como «Salou, Palma de Maiorca, Ibiza e começaram os anos de Lloret de Mar», recorda o dirigente.
Tiago Sanches Gama não esconde que quando começaram a existir problemas relacionados com o comportamento dos jovens, «começou uma grande confusão em torno das viagens e tiveram de ser introduzidas alterações». «Deixou de existir, por exemplo, concorrência direta nos destinos para não se juntarem grupos tão grandes. Se uma agência vai para um sítio, a outra vai para outro». Uma forma de acabar com alguns dos problemas foi então evitar grandes concentrações: «Houve tempos em que só a Sporjovem levou para Lloret de Mar 14 mil jovens».
Mas não foram só os locais que mudaram. Também os jovens portugueses parecem ter mudado. De acordo com Tiago Sanches Gama, «antigamente, havia mais preocupação por parte dos jovens». «Mas isso foi mudando e já tivemos vários problemas. Já aconteceu arrancarem portas para atirar pela janela».
Viagens seguem caminho da crise
O passar dos anos trouxe, portanto, mudanças não só nos destinos como na forma de organizar as viagens e até no comportamento dos adolescentes. Mas também no preço. De acordo com as agências de viagens responsáveis por organizar este tipo de excursões, durante os anos de ano crise, as viagens encolheram e chegaram mesmo a ser registadas desistências. Mas, com a possibilidade de fazer o pagamento em prestações e com Portugal a registar um aumento da confiança na economia nacional, voltaram a aumentar e são cada vez mais os jovens que optam por passar as férias da Páscoa desta forma. «Os preços das viagens até subiram. Uma viagem destas custa cerca de 500 euros, até porque na altura da Páscoa o preço dos quartos duplica». Com possibilidades diferentes – até porque as agências garantem que há pulseiras para quem é menor e pulseiras que dão acesso a serviços diferentes a quem já é maior de idade -, os preços também têm vindo a variar. Sejam mais caras ou mais baratas, parecem não afastar estes jovens que todos os anos juntam por esta altura e muito dão que falar tanto em Portugal como nos países que os recebem.
Algumas viagens que acabaram mal
Há vandalismo, quartos partidos, mas não só. As viagens de finalistas em algumas zonas de Espanha já acabaram na morte de pelo menos dois portugueses. Apesar de haver controlo na fronteira, onde a PSP tenta certificar que os jovens não levam drogas e álcool, acaba sempre por haver registo de incidentes e até de acidentes. Para trás ficou o destino favorito de muitos: Lloret de Mar depois de, em 2010, ter morrido um jovem que caiu de uma varanda. Uma situação que se voltou a repetir em 2012. E foram exatamente estas tragédias que ditaram uma maior atenção em torno das viagens de estudantes finalistas.
Mesmo antes destas tragédias, havia histórias para contar. André Calado, sócio da X-Travel, conta que nos tempos de Lloret de Mar, «havia comas alcoólicos todos os dias». «Cheguei a ter grupos que abriam cinco e seis extintores para fazer festas de espuma nos quartos e uma vez partiram uma parede para ficarem com um duplex», diz. E não só. No meio das recordações guardava ainda que «os excessos também acontecem em termos de sexo». «Elas saem seminuas, ouvi vários miúdos a comentar que estiveram com três ou com quatro raparigas».
A verdade é que chegou a haver registo de raparigas que diziam ter sido drogadas e muitas nem sabiam o que tinha acontecido durante o tempo em que estiveram sob o efeito de determinadas substâncias.
Aliás, em 2007, Lloret de Mar voltava às notícias depois de uma estudante ter sido violada. Tinha então 17 anos, era estudante do 12º ano e foi encontrada seminua e inconsciente num hotel naquela região de Espanha. Depois de ter sido levada para o hospital, a jovem acabou por denunciar o facto de ser sido violada e o depoimento levou mesmo à detenção de dois funcionários de uma das agências de viagem. A vítima era, nesta altura, uma jovem no meio de cerca de 20 mil finalistas que tinham invadido Espanha. Também nesse ano, houve registos de jovens a serem expulsos de um hotel depois de terem causado distúrbios vários e de terem incomodado outros clientes da unidade hoteleira.
Também há registo de anos em que foram vistos frigoríficos a voar pelas janelas e até de jovens para quem a viagem terminou ainda antes de começar. Este ano, por exemplo, um aluno de uma escola de Oeiras acabou a viagem de finalistas antes de ter chegado ao destino, depois de ter sido apanhado com 100 gramas de haxixe durante uma intervenção da PSP. Foi detido pela polícia.
Este foi um dos casos detetados, mas a maioria das situações não são identificadas. E todos os relatos indicam que o que não falta nestas viagens é excessos cometidos por consumo de álcool e de drogas. E, a julgar pelas notícias que se repetem todos os anos, (auto) controlo comportamental.
Publicado originalmente na edição impressa do b,i. de 15 de abril