1.Marcelo Rebelo de Sousa cumpriu a tradição: o Presidente da República deslocou-se à Assembleia da República para proferir o discurso de evocação do 25 de Abril de 1974. Desta feita, não levou cravo na mão, nem na lapela – apenas pegou a dita flor simbólica do “primeiro dia do resto da vida de Portugal “ à saída da (tida como) casa da democracia portuguesa.
2.É uma evolução do Presidente Marcelo face ao comentador Marcelo que nos acompanhou durante mais de uma década: nos últimos anos do Presidente Cavaco Silva, na TVI, Marcelo criticou o formato tradicional das comemorações do 25 de Abril, denunciando um evidente desfasamento entre a elite política e o povo.
Ontem, no entanto, Marcelo já veio afirmar que, afinal, faz sentido realizar a sessão solene no Parlamento, ainda que distante do tal “povo”. Ai, que saudades do comentador Marcelo!
3.Dito isto, muitos analistas limitaram-se a concluir que o discurso de Marcelo serviu para elogiar o trabalho da actual maioria, apelar e puxar pela social-democracia (Marcelo é o verdadeiro social-democrata, ui, ui!) – mas, simultaneamente, distanciar-se em áreas específicas da governação para ter margem de manobra para intervir no futuro.
Quanto à frase emblemática em que Marcelo apela ao “nacionalismo mas patriota” (what? Nacionalista mas patriota…mas que raio é isto?), os comentadores desvalorizam esta frase, dizendo que é Marcelo a apelar…à transparência pública!
4.Muito bem: Marine Le Pen quando se afirma nacionalista, na verdade, o que pretende é tão só a transparência da vida pública. Registamos: não percebemos então por que razão estes comentadores do regime e do politicamente correcto (os mesmos de sempre!) manifestam depois imensa preocupação com a vitória de Le Pen por esta ser a candidata nacioanlista…Afinal, não querem transparência na vida pública?
5.A verdade é que o discurso de Marcelo foi tão somente o retrato da personalidade de Marcelo. Sobretudo, da personalidade política: Marcelo é uma personalidade contraditório que gera um político contraditório com discursos internamente contraditórios.
Porquê? Porque Marcelo genuinamente entende que o sucesso na política depende do talento de cada um em fazer o chamado “jogo de cintura”. Tudo na política depende do “jogo de cintura”, ou seja, da capacidade de falar muito, dizer pouco –e agradar a todos ao mesmo tempo, ou mais rigorosamente, não desagradar a ninguém.
Discursar de forma a que ninguém possa extrair uma ideia que a possa excluir do âmbito de destinatários ou do “círculo de elogio” da alocução.
6.Pois bem, quem conhece Marcelo sabe que o discurso de ontem foi feito com régua e esquadro. Foi um discurso politicamente geométrico – cujas linhas, arestas e vértices pretenderam incluir todos os partidos e não desagradar a nenhum.
Geométrico na forma e aritmético no conteúdo: substancialmente, foi um discurso de “soma zero”, ou seja, não acrescentou nada, limitando-se a um chorrilho de banalidades e completamente inconsequente. Marcelo, aliás, na segunda-feira, já havia alertado que não gosta de falar de política em “grandes discursos”…
7.Enfim, Marcelo, ontem, tentou agradar a PS, a PSD e CDS – bem como a BE e a PCP.
Marcelo tentou agradar a PS – elogiando o caminho já feito, a paz que se vive no país, a estabilidade, a inclusão de todos no processo político, a “saída da crise”.
Marcelo tentou agradar a PSD e CDS – notou que o trabalho de consolidação orçamental correu bem, deixando antever que é mérito também do anterior Governo e alertou que é preciso crescer muito mais na economia.
Marcelo tentou agradar ao BE e ao PCP – apelando à transparência na vida pública e ao nacionalismo patriota (?). A referência ao patriotismo visou agradar sobretudo aos comunistas: estes é que falam insistentemente numa “política patriota” , que sirva os interesse do povo português contra o “grande capital”.
Marcelo tentou surpreender, acolhendo um dos motes políticos do PCP. Desta forma, conseguiu o pleno: acolher no mesmo discurso as prioridades de todos os partidos políticos representadas no Parlamento, visando agradar a todos.
8.Assim se explica que um comunicador talentoso e inteligente como Marcelo tenha referido uma frase que é um autêntico disparate: “nacionalismo que seja patriota”. O que significa isto?
Marcelo passou a advogar a solução comunista de renegociação da dívida? De saída do euro? Marcelo virou nacionalista-comunista? Entrou numa nova fase do “jogo de cintura” ainda mais à esquerda?
9.Por último, imagine o(a) caríssimo(a) leitor(a) que, em vez de Marcelo, fosse Pedro Passos Coelho a apelar a “um nacionalismo que seja patriota”. Ui, o que seria! Os telejornais abririam todos com a mensagem de “extrema-direita”, a lembrar o “fascismo” de outros tempos do líder do PSD!
As noites televisivas seriam preenchidas com longos debates sobre a deriva “fascistóide “do PSD de Passos Coelho, que Passos Coelho seria o novo aliado de Marine Le Pen na Europa…As capas dos jornais de hoje e das revistas de amanhã estariam preenchidas com o nacionalista Passos Coelho, o novo “populista-autoritário” português!
10.Mas como é Marcelo Rebelo de Sousa, os media do politicamente correcto consideram a frase “nacionalista que seja patriota” genial! Brilhante! Um notável apelo ao orgulho nacional! Notável, notável!
Um verdadeiro social-democrata com orgulho em ser português! Um nacionalista que é patriota, grande Marcelo!
11.Ainda tem dúvidas sobre a parcialidade dos media do politicamente correcto, que é dizer, do sistema? Há filhos e há enteados. Marcelo, neste momento, é um filho – porque isso objectivamente agrada (e beneficia) ao filho predilecto do sistema que se chama António Costa.