"O único sítio onde me sentia bem era em casa"
Rui, 24 anos, Porto
Tudo começou há mais ou menos dois anos com um mau estar incompreensível. Não estava bem em lado nenhum, quando estava num sítio só queria mudar para outro, mas quando chegava a esse sítio só queria não estar ali. Passado uns tempos foi-se agravando: comecei a sentir o coração a bater mais depressa, mudanças de humor repentinas. O único sítio em que me sentia bem era em casa. Em agosto de 2015, tive um ataque de pânico na autoestrada. Como dali a três dias ia de Erasmus, fui a um médico de clínica geral e fui para Erasmus a tomar xanax, não melhorei nada.
Quando voltei para Portugal, em fevereiro de 2016, decidi ir ao psiquiatra. Na primeira consulta não me deu um diagnóstico assertivo, mas eu sabia que ele sabia o que eu tinha. Comecei a tomar ansiolíticos e anti-depressivos e desde a primeira consulta que voltei a ser a pessoa que era antes disto: alegre, confiante e de bem com a vida. Estou na fase de desmame dos medicamentos. Estou a morar em Lisboa, numa cidade diferente de onde vivi a minha vida toda e estou bem. Em relação à minha família, a forma como reagiram foi completamente normal: preocupação ao início, ajuda constante, nunca me negaram nada em termos de ajuda médica e tentam sempre fazer o que acham que é melhor para mim. A minha mãe também teve problemas com ansiedade há algum tempo, por isso sabe aquilo que eu senti ao longo deste processo. Falo com eles de forma natural, não é um tabu.
"Quando escondes tanto e durante tanto tempo, a felicidade passa a ser a tua máscara diária."
Aurora, 23 anos, Lisboa
"Sempre fui uma miúda feliz. Sempre tive amigos, uma família normal (o que será uma família normal?), nunca me faltou nada. Quando tinha 20 anos, comecei a deixar de me sentir “eu”. Chorava muitas vezes sem motivo, ficava horas na cama sem vontade de me levantar, comecei a sair mais à noite, a beber mais, a ser menos produtiva. Nunca quis contar nada aos meus pais. Tinha medo que se sentissem culpados ou, pior, que não me compreendessem. Foi uma jornada independente. Nunca vou poder dizer “solitária” porque, felizmente, tive grandes amigos como apoio. No início, fui muito impermeável à ideia de tomar medicação, fazia apenas psicoterapia. O psicólogo foi essencial. Tentei recuperar alguns hábitos antigos e até comecei a fazer desporto – e eu que nem gosto de desporto! Ainda assim, a medicação acabou por se revelar imprescindível e comecei a tomar anti-depressivos.
Acho que medicação e psicoterapia têm de caminhar lado a lado,porque, infelizmente, (ainda) não existe uma pílula da felicidade que nos corrija a vida e as conversas que tinha no consultório funcionaram como um click para algumas reflexões posteriores. Mais recentemente, decidi que estava na altura de contar aos meus pais. As reacções foram exactamente as que eu temia: sentiram-se mal perante a ideia de terem falhado comigo, de nunca se terem apercebido, de não terem estado lá para mim. E continuaram sem compreender como é que uma “rapariga tão feliz” podia ter uma depressão. Quando escondes tanto e durante tanto tempo, a felicidade passa a ser a tua máscara diária. Agora, é nesse sentido que tenho de os “educar”. O pior já está feito, acho eu."
"As pessoas nem sonham a força que temos que fazer para nos levantarmos da cama todas as manhãs"
Beatriz, 25 anos, Porto
Fui diagnosticada com ansiedade generalizada após ter tido ataques de pânico, o primeiro por causa de ter estado muitas horas no meio de uma multidão e o seguinte por causa de uma apresentação oral do doutoramento. Numa segunda fase, em que estava descontente com o doutoramento, fui diagnosticada com depressão. São doenças muito difíceis, especialmente porque ainda não tínhamos tido caso nenhum na família. Era um pouco complicado para as pessoas à minha volta. Não compreendiam que eu não quisesse fazer planos ou que os desmarcasse em cima da hora.
Não entendiam por que motivo é que eu não queria ir a festivais, ou porque é que não gostava de falar em público uma vez que era tão extrovertida e tinha “tanto jeito para falar”. Não percebiam que eu quisesse sempre ficar nas pontas das filas do auditório, ou quisesse saber sempre quais eram as saídas mais próximas quando ia a shoppings, por exemplo. Sobretudo é complicado transmitir a ideia de que não somos desleixados ou preguiçosos, é mesmo uma condição que petrifica. Temos uma vontade de fazer as coisas enorme, por vezes as pessoas nem sonham a força que temos que fazer para nos levantarmos da cama todas as manhãs. Felizmente há muita gente que já passou por isto ou conhece pessoas próximas que já passaram e que, por isso, nos ajudam diariamente a fazer esse esforço extra.
"Aos 22 anos tentei suicidar-me"
"Na verdade não entendem o que é este bloqueio perante a vida"
Sofia Gaspar, 29 anos, Porto
"Sinceramente não sei o momento exato em que fui diagnosticada, comecei a frequentar consultórios de psicologia quando tinha 13 anos após o falecimento da minha mãe. Aos 22 tomei a iniciativa de começar um acompanhamento psicológico regular. Pelos 23 (tardíssimo) foi quando percebi que alguma coisa não estava realmente bem: entrei em um mestrado de ensino (contrariadíssima) e comecei a desenvolver os primeiros sinais de ansiedade perante simulações de "lecionação ". Não conseguia segurar o giz na mão, éramos 10 e eu conhecia todos os meus colegas e mesmo assim entrava em pânico nas simples simulações de aulas. Isto durou um ano, mas quando iniciou o ano de estágio foi o fim. O médico de família reencaminhou -me para psiquiatria para ver se era possível eu começar a dormir de novo e voltar a comer normalmente. Naquele ano perdi quase 10 quilos. Não me mantinha de pé aquando das curvas dos autocarros.
Depois conheci o “zoloft” e o “medipax”. Passaram a ser os meus camaradas diários e sem eles era impossível acordar, entrar em sala de aula e falar sem ter um ataque. Tive episódios que me paralisavam no meio da estrada sem motivo e me invadiam de uma sensação de habitar um corpo que não me era nada familiar. Depois desse ano seguiu se um outro capítulo, o da tese. Parei com os antidepressivos por uns meses, mas rapidamente reiniciei quando comecei a trabalhar em bares e discotecas, o pânico voltou. O simples facto de saber que tinha de atender um cliente deixava-me em pânico.
Não conseguia decorar a ordem das mesas fazer os trocos, era invadida por um tremor enorme, chorava noites inteiras sem motivo aparente. Os diagnósticos eram (e são) vários: uma jovem adulta com um grau elevado de ADD (Atention deficit hyperactivit disorder) sem nunca ter sido "tratada", distúrbio de ansiedade ou de pânico, depressão, depressão crónica, a última psiquiatra que me seguiu apontou para esquizofrenia nervosa, visto que na minha família tantos antecedentes existem de distúrbios mentais. No ano passado deixei a medicação. Como uma prova de que consigo viver se ela. Estou há 7 meses sem pegar num “valium”. Mas todos os dias penso que já não sei o que é "o melhor". Faço psicoterapia. Não sei se vejo resultados. Na minha família as opiniões dividem-se, fui educada por vários elementos familiares, sem uma base e o meu pai não quer saber nada do assunto. Já outros elementos são bastante de acordo com a psicologia ou psicoterapia. É curioso que não estão de acordo com a via da medicação porque "sou jovem" para seguir esta via mas eles também a seguem. Na verdade não entendem o que é este bloqueio perante a vida."
"Sinto-me impotente"
Roberto, 25 anos, Porto
"Suponho que tudo começou quando a minha mãe morreu, quatro dias depois do meu 18º aniversário. A partir daí, tudo seria mais difícil para mim, para o meu pai e para o meu irmão. Seguiu-se o fim da mais intensa e íntima relação que tive, tendo sido trocado por outra pessoa. Isolei-me completamente de toda gente e desenvolvi ansiedade social que resultou em tentativas falhadas de entrar no curso para o qual andava há anos a estudar. Como a minha família atravessava imensos problemas financeiros, tive que passar o ano seguinte a trabalhar numa fábrica. Detestava aquele trabalho, senti que tinha perdido todo o sentido na minha vida. Tinha um trabalho de cão numa fábrica de metais rodeado de pessoas em média acima dos 40 anos. Sentia-me uma alma perdida no fim do mundo, queria todos os dias que o pesadelo terminasse.
Tomei mais tarde uma decisão que achei que poderia mudar a minha vida, fiz uma espécie de “ultimato” à minha família e tive que lhes virar as costas para tentar seguir os estudos numa universidade. Acabei por abandonar a minha família e vim viver com um amigo para Aveiro. Infelizmente, as minhas expectativas não corresponderam à realidade. Encontrava-me igualmente perdido, sem motivação nem ambição. Episódios depressivos continuaram a afetar-me, sentia que não valia nada. A nova namorada fartou-se e também me abandonou. A ansiedade social voltou em força, sinto-me impotente. A médica de família finalmente decide passar-me para especialistas após lhe revelar pensamentos suicidas constantes, apesar da medicação que tomo. Neste momento encontro-me à espera de consulta com os especialistas, após cinco anos de crises de ansiedade e depressão."
"Tenho medo de não saber quem sou passados estes anos"
"Já tinha feito psicoterapia aos 16 anos mas aos 20 passei para uma psiquiatra, por recomendação da psicóloga. Tinha de ser alguém que pudesse passar medicação. Lá fui à consulta que mais uma vez os meus pais marcaram, sempre encarando a situação sem preconceitos e aceitando com naturalidade a recomendação da minha primeira psicóloga. Estava numa altura em que era incapaz de tomar decisões, ficava bloqueada, tudo me dava vontade de chorar.
"O mais importante é sentir que eles te apoiam mesmo quando não te entendem"
Vanessa, 25 anos, Espinho
"A minha ansiedade generalizada anda de mãos dadas com o meu Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). Só fui diagnosticada aos 22 anos, apesar de sempre desconfiar que tinha. Só que normalmente TOC aos olhos das pessoas é reduzido a tiques e restantes rituais que sempre tive, mas é tão mais que isso. TOC é quando a ansiedade que sentes no dia-a-dia te obriga a fazer coisas que não queres e, se não o fazes, ficas mais ansiosa ainda. É ficares presa na tua própria cabeça a desenhar cenários que só existem lá, mas são o suficiente para deprimires um dia inteiro.
Quando cheguei a um nível de ansiedade tal que me fez marcar uma consulta (e consequentemente fui diagnosticada), percebi as dimensões da doença e como certas coisas, que achava que eram da minha personalidade, se deviam a uma doença. É muito estranho quando, com 22 anos, tens que fazer esse exercício mental, quase de autodescoberta. Não sei o que causou esta jornada de ansiedade logo em criança, mas claramente condicionou a minha capacidade de interagir com outras crianças: sempre preferi estar presa na minha própria cabeça a brincar com outros. Os meus pais só achavam que era uma criança introvertida. A minha família apoia-me bastante, apesar de só ter contado tudo que sentia tão tardiamente. Acho que é inevitável sentires o “isso está tudo na tua cabeça” vindo da parte deles, mas o mais importante é sentir que eles te apoiam mesmo quando não te entendem."
"Não sei bem o que provocou isto."
João, 34 anos, Lisboa
"Em Abril de 2007, comecei a perceber que a minha ansiedade estava a prejudicar o meu trabalho. Foi particularmente difícil lidar com essa interferência porque, à época, trabalhava numa rádio e fazia noticiários em direto. Por sugestão da minha editora, consultei pela primeira vez um psiquiatra, que me diagnosticou uma depressão e problemas de ansiedade. Comecei a tomar antidepressivos e ansiolíticos. Comecei a melhorar progressivamente. Poucos meses depois, saí de Lisboa e fui trabalhar para Nova Iorque. Quando pela primeira vez entrei no metro de Nova Iorque, tive o que suspeitei tratar-se de um ataque de pânico e tive de sair logo na primeira paragem. Apesar de mais um ou outro contratempo, fui-me sentindo melhor. Entretanto, regressei a Lisboa e, por volta de 2010, voltei a sentir vários picos de ansiedade, até mesmo de desespero. Por isso, voltei a ter consultas com bastante regularidade com o mesmo psiquiatra até hoje. Não sei bem o que provocou isto. Sempre me interessou pouco essa parte, confesso."
"Sou acompanhada pela mesma psicóloga há mais ou menos dois anos e ela nunca me etiquetou com nenhuma doença ou distúrbio específico. Há vários indicadores de ansiedade e de sintomas depressivos mas, ao mesmo tempo, tenho comportamentos que não permitem que me identifique como depressiva. É um bocadinho difícil identificar onde e como tudo começou. Várias coisas surgiram em 2013: estava insatisfeita com o curso, pensava muito no futuro e naquilo que queria fazer, pensei até em desistir, mas não tinha uma alternativa melhor e deixei-me estar. Acho que foram aí que surgiram os primeiros sintomas físicos indicativos de ansiedade, como o bruxismo, problemas gástricos (refluxo, dores de estômago, idas frequentes à casa de banho), sono instável… Quando fui à psicóloga, aproximadamente um ano depois de terminar a faculdade, estava num estado lastimável. Cheguei lá e disse-lhe praticamente: “Tem que me ajudar a resolver isto, porque eu não sou assim. Eu estou apática”.
Agora consigo dizer que estou numa fase bastante estável, mas dá-me pele de galinha pensar em como estava há dois anos. Uma relação horrorosa com a família; não sei propriamente como eles lidaram com isto, porque nunca se falou do assunto. Há uma certa falta de à vontade entre família, mas sobretudo entre mim e os restantes, dada a diferença de idades. Lembro-me que, em fases piores, era penoso olhar nos olhos das pessoas da família. Ir a festas de família era também horrível porque sabia que me iam perguntar como está a vida, o que queres/vais fazer, e eu simplesmente só conseguia responder de forma trombuda. Só mais tarde percebi, durante a terapia, que me sentia muito condicionada, presa e pressionada pela minha família. Como sou a mais nova, todos se sentiram no direito de mandar “bitaites sobre a minha vida e de me encherem de hiperprotecção. O que resultou numa insegurança muito grande e numa incapacidade absurda para tomar decisões, que vão de coisas tão grandes a coisas minúsculas como decidir o que comer ao olhar para um menu de um restaurante.
Depois a minha personalidade controladora e perfeccionista também agudizou alguns sintomas – era bastante obcecada com o que comia e com quanto pesava e com a imagem, uma coisa fácil de controlar quando sentimos que o resto está fora de controlo. A preocupação com a imagem e outras paranóias sociais acho verdadeiramente que estão relacionadas com episódios de "bullying" que sofri entre os 11-13 anos, mais ou menos. Tem sido um processo muito difícil, talvez a coisa mais difícil que fiz alguma vez na vida, mas acho que qualquer pessoa que sinta algo deste género deve procurar ajuda. Eu tenho a sorte de ter encontrado (apesar de só à terceira tentativa) uma psicóloga com quem me identifico e com um método que faz sentido para mim. Acho mesmo que sem ela a minha vida podia ter "descambado" a um ponto sem retorno. Agora posso dizer que estou muito melhor, com relações melhores com os outros e, sobretudo, comigo, apesar de ainda haver um longo caminho a ser percorrido. Ainda sinto uma desesperança grande em certos momentos – algo muito indicativo de uma depressão -, mas também sinto que consigo cada vez mais dar a volta por cima. Sinto que sou muito mais desconcentrada, que me custa ficar presa a uma acção longa, que me custa fazer as coisas uma de cada vez."
"O problema mesmo é não ser tratado da forma devida"
Guilherme, 25 anos, Lisboa
"Tive os primeiros ataques de ansiedade há três anos sensivelmente. Inicialmente andei um bocado em ‘denial’ porque não conhecia a “doença”, nem entendi bem o que era. Entretanto, com a frequência, assustei-me bué e passei uns meses bem mal, todo paranóico. Deixei de fumar (tabaco e ervinhas) e de beber álcool e café, tudo de um dia para o outro. Entretanto fui ao médico de família, que não levou a coisa muito a sério, e passados 2/3 meses, como estava ainda na merda, decidi ir a um psicólogo que depois me acompanhou por um anito ou mais, no máximo uma vez por semana.
No fundo o assustador foi ser uma coisa tão avassaladora e influente na minha vida e não conseguir encontrar informação nem ninguém que partilhasse do mesmo stress. Com o tempo relativizas a questão e começas a perceber que toda a gente sofre disto, o problema mesmo é não ser tratado da forma devida. Ou não se fala, ou quando se fala dá-se-lhe demasiada importância. Acho que se fosse mais banalizado e todos percebessem que ‘ya, é assustador, mas que é super normal’ e se trata como tudo o resto, teria sido mais fácil."
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